Nilton Di Chiacchio1, Érika A. Fernandes Debs1, Glaysson Tassara1
A paroníquia crônica é considerada uma doença infl amatória com duração superior a seis semanas envolvendo uma ou mais pregas ungueais (laterais e proximal).1 Ela acomete com maior frequência o sexo feminino e representa 18% das distrofias ungueais.
2
O quadro clínico típico apresenta inflamação da prega ungueal
proximal (PUP), ausência de cutícula e distrofia de placa
ungueal.3,4
O tratamento clínico consiste em evitar fatores predisponentes
e indicar drogas de uso tópico e/ou sistêmico, porém os
resultados são frequentemente insatisfatórios.5,6
O tratamento cirúrgico está indicado nos casos resistentes ao tratamento clínico e tem como objetivo a retirada da prega ungueal proximal.3 Duas técnicas cirúrgicas foram descritas, diferindo na direção da incisão e na quantidade de PUP removida.7,8
Com base nesses dados, propusemos um estudo comparativo
e randomizado com o objetivo de avaliar a eficácia das
duas técnicas cirúrgicas.
No período de novembro de 2004 a abril de 2008, 72 pacientes atendidos na clínica de Dermatologia do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo com diagnóstico de paroníquia crônica foram revisados quanto ao sexo, idade, profissão e dedo acometido. Os critérios de inclusão foram: tempo do início da doença superior a dois anos, ausência de resposta a tratamento clínico e não estar em uso de medicação tópica ou sistêmica específica por pelo menos dois meses. Gravidez, diabetes, insuficiência vascular periférica, doença do colágeno e uso de medicações sistêmicas capazes de interferir na coagulação foram considerados critérios de exclusão. Dessa maneira, foram excluídos 10 pacientes e restaram 62, que foram submetidos à cirurgia de um ou mais quirodáctilos, totalizando 138 procedimentos. A técnica utilizada foi escolhida de maneira randômica sequencial. Esse protocolo seguiu as regras éticas da declaração de Helsinki de 2000.
Utilizamos duas técnicas cirúrgicas, ambas com o objetivo de retirada da PUP, que se diferenciam pelo tipo de incisão.
Após antissepsia local, o quirodáctilo era anestesiado por meio de bloqueio distal com lidocaína a 2% sem vasoconstritor, e um torniquete era colocado. A remoção da PUP era feita utilizando-se uma das técnicas descritas. O garrote era removido, e um curativo com gaze rayon e algodão eram colocados de maneira compressiva.
Os pacientes eram orientados a utilizar analgésico e retornar no primeiro pós-operatório para a remoção do curativo. A ferida era lavada com soro fisiológico 0,9% e, em seguida, aplicava-se pomada antibiótica e colocava-se um novo curativo. Até a total cicatrização, o curativo era trocado diariamente seguindo as mesmas instruções.
As avaliações pós-operatórias foram feitas após 1, 10, 60 e 180 dias, quando o estudo foi considerado encerrado.
As lesões eram fotografadas na primeira consulta, no décimo dia de pós-operatório e seis meses após a cirurgia. Para a avaliação dos resultados, as fotos prévias e finais do tratamento foram analisadas por um dos autores e por um médico dermatologista não envolvido no estudo, seguindo uma escala com três opções: sem melhora, melhorado e curado.
Para as variáveis categóricas foram apresentadas as frequências e porcentagens, enquanto para as contínuas foram apresentadas as médias.
Dos 62 pacientes, 50 eram do sexo feminino (80,65%) e 12 do masculino (19,35%), com proporção de 4 mulheres para 1 homem. A idade variou de 29 a 74 anos, com média de 52 anos.
Os quirodáctilos mais envolvidos em ordem decrescente de frequência foram: 3º (27,5%), 1º (26,8%), 4º (23,9%), 2º (15,9%) e 5º (5,8%). Em 28 pacientes (45,1%), houve acometimento de apenas um dedo.
Com relação às atividades diárias dos pacientes envolvidos no estudo, encontramos: agente de limpeza (29,0%); dona de casa (20,9%); auxiliar de cozinha (14,5%); auxiliar de enfermagem (14,5%); e outras de menor relevância clínica (20,9%).
Dos 138 quirodáctilos operados, em 69 (50%) foi utilizada a técnica com incisão oblíqua; nos outros 69 (50%), a perpendicular.
O tempo de cicatrização variou de 6 a 14 dias, com média de 10 dias.
As avaliações do autor e do médico não envolvido foram concordantes em todos os casos. Observou-se que, dos 138 casos, 134 (97,1%) foram considerados curados (Figura 3). Em quatro casos (2,9%), dois de cada grupo cirúrgico, o resultado foi considerado melhorado.
Não houve necessidade de testes estatísticos, uma vez que as porcentagens em ambos os grupos foram idênticas.
A paroníquia crônica, inicialmente considerada doença fúngica, está atualmente classificada como uma doença inflamatória do complexo ungueal devido a recentes publicações que permitiram o melhor entendimento da sua patogênese e que levaram a uma melhor abordagem terapêutica.6,9,10,11
Traumas recorrentes devido a manicures agressivas, contato frequente com água alcalina e exposição a agentes químicos levam a alterações e desaparecimento da cutícula e consequente espaço entre a prega ungueal proximal e placa ungueal. Esse espaço permite a penetração de micro- -organismos, alérgenos e irritantes primários, que causam o processo inflamatório. Doenças dermatológicas (psoríase e líquen plano), doenças sistêmicas (leucemia e hanseníase) e drogas (retinoides) podem acometer a dobra ungueal, sendo também considerados possíveis agentes etiológicos.4,5,
Dessa forma, a paroníquia crônica tem como base o processo inflamatório, e as possíveis infecções são consideradas secundárias.
A idade dos 62 indivíduos estudados variou de 29 a 74 anos, com média de 52 anos e proporção de 4 mulheres para cada homem – dados estes coincidentes com os da literatura.12
As atividades profissionais mais encontradas em nossos pacientes envolviam manipulação frequente de água. Isso corrobora com a teoria de dano à cutícula, formação de espaço entre a dobra ungueal e a placa ungueal, favorecendo a entrada de agentes e manutenção do processo inflamatório.4
Encontramos proporção semelhante de acometimento entre o primeiro, terceiro e quarto quirodáctilos, com menor frequência do segundo e quinto quirodáctilo, diferentemente do que já foi descrito, em que o segundo quirodáctilo seria o mais acometido.3
Algumas técnicas cirúrgicas foram descritas para essa patologia. Em 1981, Baran e Burean descreveram a técnica da excisão em bloco da prega ungueal proximal, denominada neste estudo como “técnica com incisão perpendicular da PUP”, por considerarmos este termo mais descritivo quando comparado à outra técnica utilizada.7
Keyser e Eaton (1976) descreveram a técnica de marsupialização do eponíquio, que consiste na remoção da superfície dorsal da prega ungueal proximal mantendo a porção ventral da dobra, sem a remoção da placa ungueal. Essa técnica preferimos denominar de “técnica com incisão oblíqua da PUP”8 (Figura 2).
Alguns autores propuseram a modificação de tais técnicas, associando-as à remoção da placa ungueal.3,13
Em nosso trabalho, os pacientes foram submetidos às técnicas de incisão perpendicular e oblíqua da PUP. Não foi realizada a remoção da placa ungueal, porque os autores não concordam com esta abordagem. Pudemos observar que a unha distrófica é substituída por placa ungueal normal à medida que a unha cresce. A remoção da placa ungueal, além de aumentar o tempo cirúrgico, propiciaria possíveis alterações no leito ungueal e distrofias da placa ungueal desnecessárias.14
Apesar de não ser o objetivo do estudo, pudemos observar que nos casos em que a técnica de incisão perpendicular foi utilizada, a parte visível da placa ungueal aumentou no sentido longitudinal, devido à retirada completa da PUP. Nos casos de incisão oblíqua, tal fato não foi observado.
Na última visita aos pacientes, alguns deles expressaram contentamento, uma vez que achavam sua unha curta.
Talvez essa técnica (incisão perpendicular) seja indicada para procedimentos estéticos para aumentar o comprimento da parte visível da placa ungueal.
Todos os casos apresentaram cicatrização rápida num período médio de 10 dias. Pudemos observar que, no segundo mês de pós-operatório, a cutícula já estava íntegra, retornando assim a proteção da PUP
Com base nos resultados apresentados no presente trabalho, pudemos concluir que o tratamento cirúrgico foi efetivo no tratamento da paroníquia crônica, a despeito da técnica utilizada.
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