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Artigo Original

Fatores de crescimento e cicatrização: experiência em um serviço de Dermatologia

Felipe Siqueira Ramos; Elisangela Manfredini Andraus de Lima; Flávia Regina Ferreira; Samuel Henrique Mandelbaum

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20191111313

Data de recebimento: 10/12/2018
Data de aprovação: 22/01/2019
Trabalho realizado no Hospital Universitário de Taubaté, Universidade de Taubaté - Taubaté (SP), Brasil
Suporte Financeiro: Os produtos utilizados, Epifactor® e cold cream, foram cedidos pela empresa Infinity Pharma, Campinas (SP)
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

INTRODUÇÃO: A cicatrização é um fenômeno que ocorre após lesão tecidual e envolve mecanismos celulares e moleculares complexos. Os fatores de crescimento parecem ser um complemento eficaz e seguro no tratamento das feridas.
OBJETIVO: Avaliar a cicatrização de feridas após eletrocoagulação, comparando-se o veículo isolado à sua associação com o fator de crescimento epidérmico.
MÉTODOS: Ensaio clínico duplo-cego em Serviço de Dermatologia entre 2016 e 2018. Incluídos pacientes de ambos os sexos, acima de 18 anos, submetidos à eletrocoagulação de duas lesões e posterior aplicação de veículo (cold cream) em uma e fator de crescimento epidermico em cold cream na outra. Avaliações com sete, 14 e 28 dias, analisaram: eritema, edema, crosta, secreção e cicatrização. Utilizou-se o teste binomial para duas proporções e o teste exato de Fisher para dados dicotômicos.
RESULTADOS: Em relação a eritema, edema, crosta e secreção foram encontrados resultados variáveis, ora favorecendo o veículo, ora o fator de crescimento, porém sem significância estatística. Quanto à cicatrização, a epitelização mostrou-se mais rápida com fator de crescimento epidermico (p<0,05).
CONCLUSÕES: Os resultados deste estudo, que avaliou o impacto do fator de crescimento epidérmico no processo de cicatrização, corroboram os dados da escassa literatura atual e servem de base para estudos futuros.


Keywords: Avaliação de medicamentos; Cicatrização; Fator de crescimento epidérmico


INTRODUÇÃO

A cicatrização é um fenômeno que ocorre após lesão tecidual de qualquer natureza e envolve mecanismos celulares e moleculares complexos. Inflamação, proliferação, angiogênese, reepitelização, regeneração de tecido e remodelamento fazem parte deste processo biológico.1 As queimaduras térmicas (acidentais ou intencionais) geram áreas de necrose que se estendem além da área da ferida, provocando inclusive a obstrução de vasos sanguíneos e linfáticos.2

O processo de reparação tecidual é modulado por fatores de crescimento, que são produzidos por células epidérmicas e epiteliais, tais como macrófagos, fibroblastos e queratinócitos. Os fatores de crescimento são moléculas biologicamente ativas e agem diretamente no núcleo da célula, regulando o ciclo celular.3 Porém, a biodisponibilidade destes fatores de crescimento pode ser insuficiente no leito da ferida resultante de queimaduras em decorrência de sua degradação excessiva ou diminuição da síntese. Assim, a terapia com fatores de crescimento parece ser um complemento eficaz e seguro ao tratamento das feridas.4,5 O objetivo deste estudo foi avaliar a cicatrização de feridas após eletrocoagulação, comparando-se o uso do veículo isolado (cold cream) à sua associação com o fator de crescimento epidérmico.

 

MÉTODOS

Trata-se de um ensaio clínico comparativo duplo-cego, realizado em um Serviço de Dermatologia entre junho de 2016 e julho de 2018. Foram incluídos pacientes de ambos os sexos e a partir de 18 anos, com duas lesões similares em natureza e tamanho, no mesmo segmento corpóreo. Ambas as lesões foram submetidas à eletrocoagulação, com posterior aplicação diária do veículo (cold cream) em uma, e ofator de crescimento epidermico a 5% em cold cream (Epifactor®) na outra durante 28 dias. Foram realizadas avaliações após sete, 14 e 28 dias, tendo sido as feridas fotografadas, respeitando-se a padronização. Posteriormente, estas fotos foram avaliadas por um pesquisador independente (médico dermatologista). As variáveis analisadas foram: eritema, edema (presença ou ausência e intensidade), crosta, secreção (presença ou ausência) e cicatrização (crosta, exulceração e epitelização). Foram construídas tabelas. Para comparação entre duas amostras independentes, utilizaram-se o teste binomial para duas proporções e o teste exato de Fisher para dados dicotômicos. O nível de significância adotado foi de alfa=5%, e o programa estatístico utilizado foi o BioEstat 5.0. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição sob o n° 1.861.616.

 

RESULTADOS

Foram incluídos 13 pacientes (sete homens e seis mulheres), com idades mínima e máxima de 36 e 86 anos, respectivamente.

A tabela 1 demonstra a evolução do eritema ao longo dos 28 dias. Após 14 dias, houve semelhança nas porcentagens entre os dois grupos para esta variável, predominando o eritema leve.

Na tabela 2, podemos avaliar os dados referentes ao edema. Houve um aparente menor edema inicial (7° e 14° dia) com o uso do veículo isolado. Porém, no 28° dia, os dois grupos apresentaram resultado final coincidente para esta variável.

Quanto à variável ‘formação de crosta’, os dados podem ser observados na tabela 3. A maioria das feridas (em ambos os grupos) apresentou crosta após sete dias. A eliminação da crosta foi mais rápida com o uso do veículo isolado (69,23% das lesões já sem crosta no 14° dia).

A tabela 4 ilustra a variável ‘secreção’. Nela, podemos observar uma resolução mais rápida da secreção nas feridas em uso do Epifactor® (100% já no 14° dia).

Quanto à cicatrização, no 7° dia, apenas 7,69% das feridas (de ambos os grupos) encontravam-se exulceradas (Tabela 5). A epitelização ocorreu de forma mais rápida nas feridas em uso do Epifactor® (46,15% contra 0% - 14° dia), p<0,05.

A figura 1 ilustra a epitelização da ferida tratada com Epifactor® e com veículo no 14° dia.

 

DISCUSSÃO

Este estudo original, avaliando o impacto do fator de crescimento epidérmico no processo de cicatrização, vem corroborar a literatura em que estudos sobre o tema ainda são escassos, o que dificultou a discussão dos achados. Em relação às variáveis eritema, edema, crosta e secreção, houve um ligeiro predomínio de melhor resultado ora para um grupo, ora para o outro, porém sem significância estatística. A cicatrização (epitelização) mostrou-se mais rápida no grupo em uso do fator de crescimento epidermico, corroborando os achados de Zhang et al que demonstraram que a utilização tópica de fatores de crescimento epidérmico reduziu significativamente o tempo de cicatrização de feridas de queimaduras de espessura parcial.4 Limitações: Fatores não considerados neste estudo, como sexo, idade, topografia, comorbidades, podem ter interferido nos achados.

 

CONCLUSÃO

O presente estudo permitiu avaliar a cicatrização de feridas após eletrocoagulação, comparando-se o veículo isolado à sua associação com fator de crescimento e concluiu que a utilização tópica do fator de crescimento epidermico acelerou a epitelização da ferida, reduzindo significativamente o tempo de cicatrização.

 

AGRADECIMENTOS

A toda a equipe do Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário de Taubaté e ao Prof. Dr. Luiz Carlos Laureano da Rosa pelo auxílio com a análise estatística deste trabalho.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Felipe Siqueira Ramos | ORCID 0000-0002-3109-4359
Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Elisangela Manfredini Andraus De Lima | ORCID 0000-0002-2390-0410
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

Flávia Regina Ferreira | ORCID 0000-0001-5679-4282
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Samuel Henrique Mandelbaum | ORCID 0000-0002-4631-4828
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo.

 

REFERÊNCIAS

1. Velnar T, Bailey T, Smrkolj V. The Wound Healing Process: an Overview of the Cellular and Molecular Mechanisms. J Int Med Res. 2009;37(5):1528-42.

2. Lee JH, Bae IH, Choi JK, Park JW. Evaluation of a Highly Skin Permeable Low-Molecular-Weight Protamine Conjugated Epidermal Growth Factor for Novel Burn Wound Healing Therapy. J Pharm Sci. 2013;102(11):4109-20.

3. Vieira ACQM, Medeiros LA, Palácio SB, Lyra MAM, Alves LDS, Rolim LA, et al. Fatores de crescimento: uma nova abordagem cosmecêutica para o cuidado antienvelhecimento. Rev Bras Farm. 2011;92(3):80-9.

4. Zhang Y, Wang T, He J, Dong J. Growth factor therapy in patients with partial-thickness burns: a systematic review and meta-analysis. Int Wound J. 2016;13(3):354-66.

5. Marchese C, Chedid M, Dirsc OR, Csaky KG, Santanelli F, Latini C, et al. Modulation of Keratinocyte Growth Factor and its Receptor in Reepithelializing Human Skin. J Exp Med. 1995;182(5):1369-76.


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