Giseli Petrone de Souza1,2; Marcio Soares Serra3,4
Data de recebimento: 27/05/2018
Data de aprovação: 08/12/2018
Trabalho realizado no Centro de Dermatologia e Laser Petrone e D’Avila, Rio de Janeiro (RJ), Brasil
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Giseli Petrone de Souza é speaker da Merz Brasil
A púrpura actínica é caracterizada por máculas roxas escurecidas localizadas, principalmente nas áreas fotoexpostas das faces extensoras dos braços e das mãos de indivíduos idosos. Até o momento, não há tratamento satisfatório. Relatamos o caso de um paciente de 80 anos que foi submetido ao tratamento com duas sessões de preenchimento dos antebraços com hidroxiapatita de cálcio, apresentando bom resultado.
Keywords: Colágeno; Púrpura; Terapêutica
A púrpura actínica ou senil é uma desordem do tecido conjuntivo dérmico devido à exposição crônica ao sol. Foi descrita em 1818 por Bateman e, por isso, também é conhecida como púrpura de Bateman. Afeta indivíduos idosos e é caracterizada por máculas roxas escurecidas, localizadas em áreas de pele fotodanificada das mãos e dos antebraços, principalmente.1 Mais recentemente, em 2007, o termo dermatoporose foi proposto para descrever a síndrome de fragilidade ou insuficiência cutânea crônica, causada pela diminuição progressiva de importantes estruturas da pele. A dermatoporose engloba a atrofia cutânea, a púrpura actínica e as pseudocicatrizes. Por volta dos 70-80 anos, as alterações da dermatoporose e suas complicações começam a aparecer.2 Com o envelhecimento da população, acreditamos que a dermatoporose irá se tornar muito mais frequente, e medidas profiláticas e novos tratamentos precisam ser estudados.
Um homem caucasiano de 80 anos de idade, fototipo I, apresentava atrofia cutânea, máculas roxas escurecidas e erosões com crostas hemáticas em ambos os antebraços, sendo o quadro mais intenso no antebraço esquerdo (Figura 1). A queixa principal consistia em máculas arroxeadas que permaneciam por muito tempo e que apareciam com traumas mínimos. Já havia tentado tratamentos tópicos com hidratantes, cumarínicos e heparina, sem melhora significativa.
Foram realizadas duas sessões de preenchimento com hidroxiapatita de cálcio (Radiesse® Merz Aesthetics São Paulo SP, Brasil). Em cada sessão, 1,5ml de hidroxiapatita de cálcio (CaHA) foi diluído em 3ml de soro fisiológico e lidocaína a 2%, em partes iguais, totalizando o volume de 4,5ml.3 As aplicações foram realizadas por injeções retrógradas, em leque, com cânula 22Gx2” no plano subdérmico. O antebraço foi dividido em três partes iguais, utilizando-se 1,5ml da solução diluída em cada terço (Figura 2). Duas sessões foram realizadas com intervalo de 30 dias entre elas. Apenas o antebraço esquerdo foi tratado por escolha do paciente, por ser o lado mais acometido. Nenhum outro tipo de tratamento tópico foi prescrito, exceto o uso de fotoproteção com FPS 30. Observou-se melhora clínica logo após a primeira sessão (Figura 3) e esta vem se mantendo após seis meses do início do tratamento. Entretanto, houve surgimento de novas lesões em áreas não tratadas, como dorso da mão e região próxima à dobra do cotovelo (Figura 4).
A dermatoporose pode ser primária, resultante da longa exposição ao sol sem fotoproteção juntamente com a idade avançada. Já a secundária iatrogênica se deve ao uso crônico tópico ou sistêmico de corticosteroides, o que induz a uma atrofia cutânea. Clinicamente, não há diferenças entre a primária e a secundária iatrogênica; entretanto, a secundária pode se iniciar mais cedo e ser mais grave em pacientes com fotodano.4
Apresenta quatro estágios clínicos: estágio I - atrofia cutânea, púrpura actínica e pseudocicatrizes; estágio IIa – pequenas lacerações (<3cm), superficiais e localizadas; estágio IIb - grandes lacerações (>3cm); estágio IIIa - hematomas superficiais; estágio IIIb - hematomas profundos sem necrose; estágio IV - largas áreas de necrose com ou sem complicações letais.1,2
A púrpura actínica resulta de um extravasamento do sangue para dentro da derme e até subcutâneo após um trauma mínimo. Normalmente, afeta as faces extensoras dos antebraços e das mãos, mas pernas, pescoço e face também podem ser afetados. A pele ao redor normalmente é alterada, apresentando-se atrófica, pigmentada e inelástica.1
O diagnóstico é clínico, e os estudos histológicos mostram epiderme fina sobre derme com fibras colágenas diminuídas, sendo progressivamente substituídas por fibras elásticas anormais. A parede dos vasos dérmicos tem a estrutura tensional normal, mas há extravasamento de hemácias e depósito de hemossiderina. Em 10%, há infiltração neutrofílica, sendo importante a diferenciação com dermatoses neutrofílicas e vasculites leucocitoclásticas.1
Permanece ainda como melhor tratamento a prevenção por meio do uso de fotoprotetores (UVA e UVB) com FPS maior que 50, utilizado de maneira regular nas áreas fotoexpostas. O uso de ácido retinoico a 0,1%, teoricamente, reverte sérios danos solares da pele, com a regeneração da derme e a redução das fibras elásticas anormais; entretanto, em alguns estudos, os autores não demonstraram melhora das placas de púrpura actínica.1 Já a associação de retinaldeídos e fragmentos de hialuronatos intermediários mostrou maior efeito sinérgico na proliferação de queratinócitos do que com ambos separados.5,6 O uso de creme com fator de crescimento epidérmico mostrou aumento da espessura da pele e diminuição do número de lesões purpúricas quando aplicado duas vezes por dia por seis semanas.1,6,7 Já o uso de misturas de bioflavanoides cítricos orais mostrou, no grupo estudado, melhora de 50% das placas purpúricas após seis semanas.1,6 O uso tópico de dehidroepiandrosterona (DHEA) a 1% em creme, duas vezes por dia por quatro meses, melhorou a atrofia epidérmica associada a peles pós-menopausadas; já o uso oral da DHEA para a profilaxia da púrpura senil necessita de mais estudos.6
As microesferas da CaHA são uniformes, medindo entre 25 e 45µ, de superfície lisa, têm uma boa biocompatibilidade e estimulam a produção de colágeno por meio de um processo inflamatório, levando à formação de uma cápsula fibrosa, sendo totalmente biodegradada ao final de 14 meses.8,9,10,11
Nosso paciente estava no estágio IIa, sendo o estágio I e IIa, clinicamente, os mais comuns.
A CaHA foi cogitada como opção de tratamento devido ao seu efeito bioestimulador e sua comprovada ação na melhora da espessura dérmica3,8,9,10, uma vez que, na púrpura actínica, a falta de sustentação e de proteção dada pela derme ao redor dos vasos leva ao extravasamento de hemácias e hemossiderina na derme e no subcutâneo, não se tratando de uma ruptura espontânea. Portanto, ao aumentar a espessura da derme, pode ser aumentada a proteção a esses vasos dérmicos. Acreditamos também que esse espessamento dérmico deve compensar a lipoatrofia senil que observamos em vários pacientes e que, provavelmente, facilita o aumento do trauma pela diminuição também do tecido celular subcutâneo, mas estas são observações que não vemos relatadas nos artigos publicados sobre o assunto.
Estudos histológicos e imuno-histoquímicos demonstram que a CaHA aumenta a expressão de colágeno tipo I e III, além da elastina e da neovascularização, com picos na produção de colágeno entre o quarto e o sétimo mês.3 Por meio de estudos de imagens de ultrassom, foi observado significante aumento da espessura dérmica neste período, entretanto sem alteração na espessura da epiderme.3
Com o envelhecimento, o colágeno torna-se irregular e desorganizado, levando à perda da estrutura tridimensional da derme, o que afeta negativamente a função dos fibroblastos. As microesferas de CaHA agiriam como um alicerce para a formação do novo tecido e na ativação dos fibroblastos com consequente formação de colágeno e elastina. Supõe-se que elas promovam uma estrutura estável para a adesão dos fibroblastos, muito semelhante àquela presente na pele jovem.3 O que se conclui é que a produção de colágeno novo dentro da matriz extracelular da derme resulta num melhor suporte estrutural, ocasionando maior firmeza e elasticidade à pele, e que, por essa razão, ocorrem menos rupturas vasculares aos mínimos traumas, com menor extravasamento de hemácias na derme e consequente melhora clínica da púrpura actínica.
A importância deste relato se deve ao fato de abordar uma patologia sem tratamento efetivo até o momento, em que o uso da CaHA foi um tratamento inédito, com resultado satisfatório e com diminuição na gravidade do quadro clínico.
Giseli Petrone de Souza | ORCID 0000-0003-2853-2001
Avaliação, diagnóstico e tratamento do paciente, revisão da literatura, redação do artigo; Realização do protocolo, pesquisa bibliográfica, redação do artigo.
Marcio Soares Serra | ORCID 0000-0002-0101-520X
Redação final do artigo, crítica do artigo.
1. Karadag AS, Parish LC, Lambert WC. Senile Purpura as a stage of Dermatoporosis. Skinmed. 2017;15(2):91-2.
2. Kaya G. New therapeutic targets in Dermatoporosis. J Nutrit Health Aging. 2012;16(4):285-8.
3. Yutskovskaya Y, Kogan E. Improved neocollagenesis and skin mechanical properties of diluted calcium hydoxylapatite in the neck and décolletage: A pilot study. J Drugs Dermatol. 2017;16(1):68-74.
4. Kaya G, Saurat J-H. Dermatoporosis: a chronic cutaneous insufficiency/ fragility syndrome. Dermatology 2007;215(4):284-94.
5. Barnes L, Tran C, Sorg O, Hotz R, Grand D, Carraux P, et al. Synergistic effect of hyaluronate fragments in retinaldehyde-induced skin hiperplasia which is a Cd44-dependent phenomenon. PLoS One. 2010;5(12):e14372.
6. Dyer JM, Miller RA. Chronic Skin Fragility of Aging: current concepts in the pathogenesis, recognition, and management of dermatoporosis. J Clin Aesthet Dermatol. 2018;11(1):13-8.
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8. Yutskovskaya Y, Kogan E, Leshunov E. A randomized, split-face, histomorphologic study comparing a volumetric calcium hydroxylapatite and a hialuronic acid-based dermal filler. J Drugs Dermatol. 2014;13(9):1047-52.
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10. Van Loghem J, Yutskovskaya YA, Philip Werschler W. Calcium hydroxylapatite: over a decade of clinical experience. J Clin Aesthet Dermatol. 2015;8(1):38-49.
11. Berlin AL, Hussain M, Goldenberg DJ. Calcium Hydroxylapatite Filler for Facial Rejuvenation: A Histologic and Immunohistochemical Analysis. Dermatol Surg. 2008; 34(suppl 1):S64-7.