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Artigo Original

Uso do imiquimode para tratamento da doença de Paget extramamária: série de quatro casos

John Verrinder Veasey1; Barbara Arruda Fraletti Miguel1; Adriana Bittencourt Campaner2; Thiago da Silveira Manzione3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20181041238

Data de recebimento: 22/08/2018
Data de aprovação: 08/12/18
Trabalho realizado na Instituição: Hospital da Santa Casa de São Paulo – São Paulo (SP), Brasil
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum


Abstract

INTRODUÇÃO: A doença de Paget extramamária é constituída por adenocarcinoma da pele em áreas de glândulas apócrinas. Trata-se de neoplasia rara cujo tratamento cirúrgico aparenta resultados satisfatórios. Devido às altas taxas de recorrência, entretanto, as cirurgias são potencialmente mutilantes. O imiquimode é imunoestimulador tópico utilizado no tratamento de verrugas anogenitais e carcinomas in situ. Seu uso tem sido descrito na literatura científica para terapia da doença de Paget extramamária com resultados satisfatórios.
OBJETIVO: Descrever a evolução de quatro casos de doença de Paget extramamária tratados com imiquimode, para avaliação da evolução e resposta terapêutica.
MÉTODOS: Foi realizado estudo retrospectivo em serviço de dermatologia da cidade de São Paulo com revisão de prontuários de todos os pacientes com diagnóstico de doença de Paget extramamária e tratados com imiquimode de janeiro de 2011 a julho de 2018.
RESULTADOS: Foram incluídos quatro pacientes, três com lesão vulvar e um com lesão em bolsa escrotal. Duas mulheres evoluíram com resolução total da doença, uma não apresentou alteração, e o homem evolui com regressão de 70% da lesão, sendo submetido à exérese cirúrgica de área consideravelmente menor do que a da lesão inicial.
CONCLUSÕES: O imiquimode se apresenta como método terapêutico válido no tratamento da doença de Paget extramamária.


Keywords: Doença de Paget extramamária; Neoplasias urogenitais; Neoplasias cutâneas; Neoplasias dos genitais femininos; Neoplasias dos genitais masculinos; Neoplasias vulvares; Recidiva local de neoplasia; Terapêutica; Terapia neoadjuvante; Ginecologia


INTRODUÇÃO

A doença de Paget extramamária (DPEM) é representada por adenocarcinoma cutâneo histologicamente semelhante à doença de Paget mamária. Afeta as áreas cutâneas com glândulas apócrinas, mais frequentemente a vulva, seguida pela região perianal, bolsa escrotal e axila. É classificada em primária, quando acomete exclusivamente a pele, e secundária, quando há carcinoma subjacente ou a distância.1

Seu aspecto clínico pode assemelhar-se ao de outras doenças, como dermatomicoses, dermatite de contato, dermatite seborreica, psoríase e doença de Bowen, dificultando o diagnóstico clínico. A confirmação diagnóstica é obtida com o exame histopatológico, sendo mais recentemente empregada também a microscopia de reflectância confocal como ferramenta diagnóstica in vivo.2 Após a confirmação diagnóstica é crucial definir se a DPEM é exclusivamente cutânea (primária) ou se há doença subjacente (secundária), investigando neoplasias em órgãos intra-pélvicos, mamas e intra-abdominais, como vesícula biliar, fígado e cólon.1

O tratamento é um desafio devido a diversos fatores. A característica de crescimento centrífugo da neoplasia com lesões subclínicas na periferia é um deles, podendo mascarar a área correta a ser tratada. O atraso no diagnóstico pela semelhança a outras dermatoses permite o crescimento progressivo da doença, além da localização da neoplasia em áreas de difícil abordagem.3

Diversas terapêuticas são descritas para a DPEM: exére-se cirúrgica, radioterapias,4 terapia fotodinâmica e terapêuticas tópicas,5 sendo que de todas, a cirurgia micrográfica de Mohs apresenta os melhores resultados. A taxa de recidiva, entretanto, se apresenta em cerca de 30%, podendo ocasionar resultados cirúrgicos mutilantes.6

O imiquimode (IQM) é substância que ativa a resposta imune do epitélio em que é aplicado. Nesse processo o IQM induz os queratinócitos a liberar citocinas, que iniciam a resposta inata do epitélio, ao mesmo tempo que estimula a migração de células de Langerhans, que por sua vez iniciam o processo de resposta adquirida ao identificar o agente estranho a ser combatido. Mediante esse estímulo imunológico combinado, o IQM apresenta ação antiviral e antitumoral.7 Estudos recentes têm demonstrado boa resposta terapêutica da DPEM com o IQM.

 

OBJETIVO

Apresentamos neste estudo a experiência da clínica dermatológica do único serviço público da cidade de São Paulo no uso do IQM como monoterapia para DPEM.

 

MÉTODO

Foi realizado estudo retrospectivo de prontuários de todos os pacientes atendidos na clínica de dermatologia da Santa Casa de São Paulo, SP, Brasil, com diagnóstico de DPEM e tratados com IQM de janeiro de 2011 a julho de 2018.

As características analisadas de cada caso foram: perfil clínico do paciente (sexo, idade, comorbidades), localização da lesão, tempo de doença antes do início do tratamento com IQM, terapias prévias, tempo de tratamento com IQM, resposta ao tratamento (melhora total, parcial ou sem melhora) e tempo de seguimento após tratamento para análise de recidivas.

 

RESULTADOS

Foram incluídos quatro pacientes neste estudo: três mulheres com lesão vulvar e um homem com lesão em bolsa escrotal. Foram investigados quanto à presença de neoplasias concomitantes, porém não apresentaram exames alterados. Os detalhes de cada caso estão relacionados na tabela 1. Todos os pacientes tiveram seu diagnóstico de DPEM realizado por biópsia de pele e análise de exame histopatológico, e investigação de acometimento sistêmico através de exames de imagem: mamografia, tomografia de abdômen e pelve. A aplicação do IQM em todos os casos foi em cinco dias consecutivos da semana à noite, com descanso de dois dias sem uso do produto no final de semana.

A paciente 1, com 68 anos de idade e antecedente de hipertensão arterial sistêmica (HAS) e diabetes mellitus (DM), realizou histerectomia em 2011 por adenocarcinoma do endométrio e foi diagnosticada com DPEM em 2016. Apresentava lesão vulvar há seis meses com crescimento progressivo, sem tratamentos prévios. Por ocasião do diagnóstico de DPEM não apresentava acometimento sistêmico da doença, tendo sido indicado uso do IQM durante oito semanas com resposta completa e sem recidiva após 23 meses de seguimento (Figura 1).

A paciente 2, de 85 anos, apresentava antecedente de HAS, em seguimento da DPEM na vulva desde 2009, sem acometimento sistêmico da doença. Realizou cinco abordagens cirúrgicas entre 2009 e 2016, todas com recidivas da lesão. Após esse período iniciou tratamento com IQM, completando oito semanas de aplicação. Evoluiu com melhora total da lesão, sem recidiva 17 meses após término do tratamento (Figura 2).

A paciente 3, de 64 anos, com diagnóstico de doença de Paget na vulva sem acometimento sistêmico, realizou abordagem cirúrgica entre 2014 e 2016, com recidiva. Iniciou tratamento com IQM em 2016, completando 28 semanas de aplicação, porém não apresentou resposta satisfatória, tendo sido novamente submetida à exérese da lesão em 2017, com margens cirúrgicas livres. Após dois meses da cirurgia evoluiu com recidiva (Figura 3).

O paciente 4, do sexo masculino e com 72 anos, apresentava antecedente de HAS, infarto agudo do miocardio prévio com revascularização do miocárdio, insuficiência cardíaca e trombo ventricular em uso de anticoagulante. Teve diagnóstico de DPEM na bolsa escrotal em 2013, sem acometimento sistêmico. Foi submetido inicialmente a duas abordagens cirúrgicas com recidiva da lesão entre 2013 e 2016. Realizou tratamento com IQM durante oito semanas em 2016, com resposta parcial e redução da lesão. Foi submetido a nova abordagem cirúrgica, evoluindo com melhora; em seguimento há dois anos sem sinal de recidiva até o momento (Figura 4).

 

DISCUSSÃO

A DPEM é uma neoplasia extremamente rara, correspondendo a percentual que varia de 0,7% a 4,3% dos casos de neoplasias mamárias8 e menos de 1% das neoplasias vulvares9. Estudos sobre essa neoplasia são raros, e relatam anos de atendimentos médicos para agrupar alguns poucos casos, como o aqui apresentado. Em sete anos de atendimento dermatológico em hospital de atendimento público terciário na capital de São Paulo apenas quatro casos foram de DPEM.

Quanto ao uso do IQM como terapêutica dos casos de DPEM, Luyten et al. observaram taxa de resposta completa de 80% dos casos tratados com essa substância, e acreditam que o tempo de uso do IQM possa estar relacionado ao resultado final do tratamento.6 H. Machida et al. realizaram uma revisão sistemática e demonstraram taxa de resposta completa ao tratamento de 52 a 80%, com taxa de recidiva de 19%, porém ressaltaram que além de retrospectivos os estudos eram limitados devido ao pequeno tamanho da amostra. Em sua revisão citou ainda outras formas de tratamento e suas taxas de recidiva: 58% para ressecção cirúrgica, 0-35% para radioterapia, 25% para quimioterapia com 5 fluouracil e bleomicina, 38% a 56% para terapia fotodinâmica, 67% para tratamento com laser ablativo.10 A escolha do tratamento adequado para esses pacientes é, portanto, extremamente importante, uma vez que essas terapêuticas podem trazer efeitos colaterais e consequências na qualidade de vida dos pacientes.

No presente estudo relatamos apenas quatro casos, o que constitui amostra extremamente escassa e com pouca relevância estatística nesses dados quando analisados isoladamente. Desses quatros casos, dois pacientes (50%) evoluíram com resposta completa ao uso do IQM, enquanto um (25%) apresentou resposta parcial, e outro (25%), ausência de resposta. Acreditamos que, apesar de a taxa de resposta completa do nosso estudo ser de 50%, atingir resposta parcial com o uso do imiquimode também trouxe benefícios. O paciente apresentou redução no tamanho da lesão inicial, possibilitando exérese cirúrgica com margens livres de doença de uma lesão consideravelmente menor, reduzindo o tamanho do tumor antes da cirurgia, e proporcionando abordagem mais conservadora, com menores áreas de reconstrução, menor tempo de cicatrização e melhores resultados cosméticos e funcionais. A realização de excisões extensas na região anogenital pode ser mutilante e causar sérios problemas funcionais.

Deve-se considerar também que, mesmo após cirurgia bem-sucedida, há alta taxa de recidiva da DPEM devido a sua característica multifocal com presença de tumor em áreas clinicamente indetectáveis. Dos casos aqui apresentados, três foram submetidos a cirurgias prévias e evoluíram com recidiva de doença. Já os dois pacientes que apresentaram resposta completa total com IQM evoluíram sem recidivas no tempo de seguimento clínico.

Não existe consenso quanto à duração do tratamento, já que a maioria dos estudos é retrospectiva e não padronizada. Machida et al. recomendam em sua revisão iniciar o tratamento com IQM três a quatro vezes por semana durante seis meses, uma vez que essa terapia parece ser tempo-dependente. Sugerem que a frequência de aplicações seja reduzida caso surjam efeitos colaterais, até que a posologia terapêutica seja tolerada.10

O uso do IQM nos casos apresentados foi indicado com posologia de cinco vezes por semana por ser semelhante à orientada para uso de carcinoma basocelular, outra doença neoplásica que tem o IQM como opção terapêutica.11

 

CONCLUSÕES

Acreditamos que o IQM seja terapia válida no tratamento DPEM, podendo resultar em resolução completa ou parcial da doença e evitar procedimentos mutilantes.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

John Verrinder Veasey | ORCID 0000-0002-4256-5734
Aprovação da versão final do original, concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do original, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica da literatura, revisão crítica do original

Barbara Arruda Fraletti Miguel | ORCID 0000-0002-0448-0369
Aprovação da versão final do original, concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do original, obtenção, análise e interpretação dos dados, revisão crítica da literatura, revisão crítica do original

Adriana Bittencourt Campaner | ORCID 0000-0002-3044-3019
Concepção e planejamento do estudo, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados

Thiago da Silveira Manzione | ORCID 0000-0003-1914-0129
Concepção e planejamento do estudo, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados

 

REFERÊNCIAS

1. Lopes Filho LL, Lopes IMRS, Lopes LRS, Enokihara MMSS, Michalany AO, Matsunaga N. Mammary and extramammary Paget's disease. An Bras Dermatol. 2015;90(2):225-31.

2. Pan Z-Y, Liang J, Zhang Q-A, Lin J-R, Zheng Z-Z. In vivo reflectance confo-cal microscopy of extramammary Paget disease: Diagnostic evaluation and surgical management. J Am Acad Dermatol. 2012;66(2):e47-53.

3. Sanderson P, Innamaa A, Palmer J, Tidy J. Imiquimod therapy for extramammary Paget's disease of the vulva: A viable non-surgical alternative. J Obstet Gynaecol. 2013;33(5):479-83.

4. Dilmé-Carreras E, Iglesias-Sancho M, Márquez-Balbás G, Sola-Ortigosa J, Umbert-Millet P. Radiotherapy for extramammary Paget disease of the anogenital region. J Am Acad Dermatol. 2011;65(1):192-4.

5. Hanna E, Abadi R, Abbas O. Imiquimod in dermatology: an overview. Int J Dermatol. 2016;55(8):831-44.

6. Luyten A, Sörgel P, Clad A, Gieseking F, Maass-Poppenhusen K, Lellé RJ, et al. Treatment of extramammary Paget disease of the vulva with imi-quimod: A retrospective, multicenter study by the German Colposcopy Network. J Am Acad Dermatol. 2014;70(4):644-50.

7. Suzuki H, Wang B, Shivji GM, Toto P, Amerio P, Sauder DN, et al. Imiqui-mod, a Topical Immune Response Modifier, Induces Migration of Lan-gerhans Cells11The authors have declared a conflict of interest. J Invest Dermatol. 2000;114(1):135-41.

8. Wagner G, Sachse MM. Extramammary Paget disease - clinical appearance, pathogenesis, management. J Dtsch Dermatol Ges. 2011;9(6):448-54.

9. Cowan RA, Black DR, Hoang LN, Park KJ, Soslow RA, Backes FJ, et al. A pilot study of topical imiquimod therapy for the treatment of recurrent extramammary Paget's disease. Gynecol Oncol.2016;142(1):139-43.

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11. Micali G, Lacarrubba F, Nasca MR, Ferraro S, Schwartz RA. Topical pharmacotherapy for skin cancer. J Am Acad Dermatol. 2014;70(6):979.e1-979.e12.


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