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Relato de casos

Alopecia areata difusa e a teoria dos autoantígenos associada a melanogênese

Larissa Magoga Biselli1; Lara Fileti Arruda1; Maisa Fabri Mazza1; Maria Cristina Jacomette Maldonado1; Domingos Jordão Neto1; Maria Isabel Pereira Soares Takemoto2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20181031112

Data de recebimento: 24/11/2017

Data de aprovação: 24/09/2018


Trabalho realizado no Complexo Hospitalar Heliópolis – São Paulo (SP), Brasil.

Suporte Financeiro: Nenhum

Conflito de Interesses: Nenhum


Abstract

A alopecia areata é afecção crônica dos folículos pilosos e das unhas, de etiologia desconhecida, que determina queda dos cabelos e/ou pelos. Apresenta-se sob diversas formas clínicas, sendo atípica a forma difusa, em que há perda aguda e difusa de cabelos. Aceita-se que exista uma base autoimune órgão-específica mediada por células T na alopecia areata, e estudos apontam que o autoantígeno é associado ao melanócito. Relatamos o caso de paciente que apresentou a forma difusa com preservação dos fios em canície.


Keywords: Alopecia; Alopecia em áreas; Autoantígenos; Cabelo


INTRODUÇÃO

A alopecia areata (AA) é afecção crônica dos folículos pilosos e das unhas, de etiologia desconhecida, provavelmente multifatorial com evidentes componentes autoimunes e genéticos. Determina queda dos cabelos e/ou pelos, por interrupção de sua síntese, sem que ocorra destruição ou atrofia dos folículos, motivo pelo qual pode ser reversível.1

Apresenta-se sob diversas formas clínicas, sendo a forma difusa um tipo atípico de AA, em que há perda aguda e difusa de cabelos, a maioria dos casos evoluindo para formas mais graves de AA total ou universal.1

Além disso, é universalmente aceito o fato de que a AA tenha base autoimune órgão-específica mediada por células T.

Estudos apontam que o autoantígeno da AA é associado ao melanócito.2

Com o objetivo de contribuir com o estudo da teoria da autoimunidade e o papel dos melanócitos como autoantígenos, apresentamos o caso de paciente que desenvolveu a forma difusa de AA com preservação dos fios em canície.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 74 anos, apresentou-se em consulta com queixa de evolução dos cabelos para canície de forma acentuada e, após dois meses, evolução do quadro para queda abrupta e intensa dos cabelos negros. Segundo o paciente, previamente seus cabelos eram mesclados, com maior quantidade de fios escuros.

Como antecedentes pessoais apresentava hipertensão e hiperplasia prostática benigna, em uso contínuo de hidroclorotiazida e doxasozina há aproximadamente 20 e dez anos, respectivamente. Havia feito uso de ciprofloxacino e diclofenaco sódico há seis meses, devido infecção não complicada do trato urinário.

O exame dermatológico apresentava rarefação capilar difusa predominantemente na região parietal (Figura 1), com teste de tração intensamente positivo para os fios negros e negativo para os brancos. Sobrancelhas, cílios e pelos do restante do corpo não apresentaram alterações e não foram observadas alterações cutâneas ou ungueais.

A dermatoscopia, importante exame para confirmação diagnóstica, revelou pontos pretos e pontos de exclamação nas áreas de alopecia (Figura 2).

Diante da história, achados clínicos e dermatoscópicos característicos de alopecia areata, optou-se por não realizar biópsia, iniciar o tratamento e proceder à investigação laboratorial.

Os exames laboratoriais estavam dentro dos limites da normalidade, incluindo: hemograma, eletrólitos, ferro, ferritina, zinco, cobre, FAN, VDRL, e funções renal, hepática e tireoidiana. Foi evidenciada deficiência de vitamina B12 (166) e de vitamina D (13).

O tratamento consistiu no uso de clobetasol emulsão uma vez ao dia no primeiro mês e em dias alternados no segundo mês, sulfato de minoxidil 5% uma vez ao dia, além de reposição das vitaminas deficientes (colecalciferol 50.000UI oral e vitamina B12 5.000mcg intramuscular, em doses semanais, durante três meses).

O paciente evoluiu com parada da queda capilar e repilação em três meses, com crescimento de fios brancos, sem recorrência durante seis meses de acompanhamento.

 

DISCUSSÃO

A alopecia areata (AA) é doença que acomete homens e mulheres, sobretudo jovens, sendo caracterizada pela perda de pelos em uma ou várias áreas do couro cabeludo, podendo comprometer também a barba, os supercílios e o períneo. Clinicamente se apresenta como placas alopécicas circulares sem sinais inflamatórios, podendo evoluir para quadros favoráveis de repilação espontânea, ou para quadros mais graves de alopecia total (progressão extensiva no couro cabeludo) ou alopecia universal (toda a superfície corporal).3

A prevalência aproximada da AA na população mundial é de 0,1%. Ambos os sexos, todas as idades e todos os grupos étnicos podem ser afetados pela doença. O pico de incidência da AA está entre 20 e 25 anos de idade, embora a doença possa ocorrer em qualquer momento da vida. O primeiro episódio da doença pode-se apresentar, em aproximadamente 60% dos pacientes, antes dos 20 anos.3

Acredita-se que a patogenia da AA esteja relacionada a fatores genéticos, autoimunes e ao estresse emocional.3 Há uma possível atuação das vias bioquímicas na manifestação dessa dermatose, ocorrendo a influência de fenômenos emocionais por intermédio da ação de neuromediadores.4 Por meio de estudos incluindo observações clínicas e avaliações psicológicas, foi identificada a forte influência da ansiedade e depressão para os distúrbios da pele.

Sobre a dosagem de micronutrientes em paciente com AA, a revisão da literatura demonstra que níveis de vitamina D, zinco e ácido fólico séricos tendem a ser mais baixos em pacientes com AA em comparação aos controles. Não existem evidências suficientes para sugerir diferenças nos níveis de selênio, vitamina B12, cobre e magnésio.5

Um infiltrado imune rodeando os folículos pilosos na AA está presente, sendo constituído de células T-helper ativadas, células T citotóxicas e células natural killer, caracterizando uma resposta inflamatória do tipo TH1.6 A evidência de ativação imune inclui a expressão de HLA-DR, HLA-A, B, C, e ICAM-1 no epitélio folicular. À indução por interferongama produzido por células T, a expressão folicular de HLA-DR e ICAM-1 é uma probabilidade. Muitas vezes estão presentes anticorpos contra o epitélio folicular, porém seu significado ainda não é bem esclarecido. Todos esses fatores contribuiriam para o colapso do privilégio imunológico do folículo piloso.2

Existe a hipótese de um antígeno relacionado aos melanócitos dos folículos explicar a poliose súbita (fenômeno Maria Antonieta).7 Os antígenos associados a melanócitos são capazes de ativar as células T induzindo a perda de cabelo, o que sugere que eles sejam capazes de agir como autoantígenos na AA.2 Estudos conduzidos em ratos demostraram que esses melanócitos podem atuar como epítopos para células T, originando AA nos animais estudados.8 Gilhar et al. demonstraram que epítopos de célula T melanócito-associados são capazes de funcionar como autoantígenos e resultar em AA em enxertos de couro cabeludo humano. Peptídeos de melanócito HLA-A2-restritos podem ativar as células T para a transferência de AA a enxertos de pele do couro cabeludo autólogo em ratos, indicando que autoantígenos melanócito-associados podem ser patogênicos.8

Ainda vários estudos sugerem que peptídeos associados à melanogênese, expressos por folículos pilosos em anagênese, correspondem aos autoantígenos com capacidade de ativar células T citotóxicas (CD8+) quando o privilégio imune se perde.9 Essa teoria é bem sustentada pelo fato de folículos pilosos brancos ou cinzentos serem poupados em lesões com AA e de, após a alopecia, na fase de recuperação, os pelos que crescem serem, inicialmente, despigmentados, seguindo-se a repigmentação em fase posterior. Há evidência histológica de que, nos doentes com AA, os melanócitos foliculares apresentam irregularidades estruturais.10

A forma difusa é atípica de AA, nela havendo perda aguda e difusa de cabelos. Pode representar a forma inicial, principalmente em crianças e adolescentes, ou pode ocorrer como evolução de formas em placa. Há, nessa forma, perda de cabelos aguda e difusa, a maioria dos casos evoluindo para formas mais graves de AA total ou universal. Seu diagnóstico é o mais difícil entre os subtipos de AA, exigindo diagnóstico diferencial com eflúvio telógeno agudo, alopecia androgenética e alopecia sifilítica. Necessita, em geral, da realização de exames complementares e exame histopatológico mediante biópsia.1

O caso relatado ilustra bem a teoria dos autoantígenos associados à melanogênese, uma vez que a grande perda capilar foi de fios pigmentados, fato notado pelo próprio paciente diante de sua importante relevância.

 

CONCLUSÃO

Apesar de ainda não completamente esclarecida a fisiopatologia, a minuciosa observação da forma de instalação e da apresentação do quadro clínico corrobora com as teorias da autoimunidade e da ação do melanócito como autoantígeno apresentadas atualmente e que buscam elucidar a fisiopatologia da alopecia areata.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao coloproctologista dr. Paulo Boarini o encaminhamento do paciente à Dermatologia do Hospital Heliópolis, e à dra. Isabel Takemoto o brilhante diagnóstico e seguimento do caso.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Larissa Magoga Biselli | 000-003-1043-9896
Elaboração e redação do original, revisão crítica da literatura, revisão crítica do original.

Lara Fileti Arruda | 0000-0002-3176-7840
Elaboração e redação do original, revisão crítica da literatura.

Maisa Fabri Mazza | 0000-0002-0513-3078
Elaboração e redação do original, revisão crítica da literatura.

Maria Cristina Jacomette Maldonado | 0000-0002-5806-9508
Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica do original.

Domingos Jordão Neto | 0000-0001-7752-6789
Revisão crítica do original.

Maria Isabel Pereira Soares Takemoto | 0000-0002-4343-8702
Aprovação da versão final do original, elaboração e redação do original, participação intelectual em conduta propedêutica e/ ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica do original.

 

REFERÊNCIAS

1. Rivitti EA. Alopecia areata: a revision and update. An Bras Dermatol. 2005;80(1):57-68.

2. Kalish RS, Gilhar A. Alopecia areata: autoimmunity - evidence is compelling. J Investig Dermatol Symp Proc. 2003;8(2):164-7.

3. Alzolibani AA. Epidemiologic and genetic characteristics of alopecia areata (part 1). Acta Dermatovenerol Alp Panonica Adriat. 2011;20(4):191-8.

4. Prado RBR, Neme CMB. Experiências afetivo-familiares de mulheres com alopecia areata. Estud Psicol. 2008;25(4):487-97.

5. Thompson JM, Mirza MA, Park MK, Qureshi AA, Cho E. The role of micronutrients in Alopecia Areata: A Review. Am J Clin Dermatol. 2017;18(5):663-79.

6. Petukhova L, Duvic M, Hordinsky M, Norris D, Price V, Shimomura Y, et al. Genome-wide association study in alopecia areata implicates both innate and adaptive immunity. Nature 2010;466(7302):113-7.

7. Navarini AA, Nobbe S, Trüeb RM. Marie Antoinette syndrome. Arch Dermatol. 2009;145(6):656.

8. Gilhar A, Landau M, Assy B, Shalaginov R, Serafimovich S, Kalish RS, Melanocyte- associated T cell epitopes can function as autoantigens for transfer of alopecia areata to human scalp explants on Prkdcscid mice. J Invest Dermatol. 2001;117(6):1357-62.

9. Islam N, Leung PS, Huntley AC, Gershwin ME. The autoimmune basis of alopecia areata: a comprehensive review. Autoimmun Rev. 2015;14(2):81-9.

10. Ito T. Recent advances in the pathogenesis of autoimmune hair loss disease Alopecia Areata. Clin Develop Immunol. 2013; 2013:348546.


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