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Artigo Original

Avaliação dos hábitos de exposição solar e orientação de medidas fotoprotetoras em jovens adultos transplantados: um estudo transversal

Mauricio de Quadros1,2; Bianca Coelho Furtado1

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20181031196

Data de recebimento: 08/05/2018

Data de aprovação: 24/09/2018


Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia, Santa Casa de Porto Alegre – Porto Alegre (RS), Brasil.

Suporte Financeiro: Nenhum

Conflito de Interesses: Nenhum


Abstract

INTRODUÇÃO: O câncer da pele é o tumor mais frequente em pacientes transplantados. Avaliar como se comportam os adultos jovens transplantado em relação à fotoexposição é um passo importante para introduzir programas de prevenção nessa população.
OBJETIVO: Avaliar os hábitos de fotoproteção dos pacientes jovens transplantados e determinar se a orientação do uso de filtro solar aumenta o uso de medidas fotoprotetivas.
MÉTODOS: Estudo transversal. Foi aplicado um questionário no ambulatório de pós-transplante de pós-adolescentes.
RESULTADOS: Foram entrevistados 49 pacientes, com média de idade de 22,9 anos (DP 4,6). O uso de protetor solar foi de 40% entre quem não havia sido orientado e de 93,2% entre quem foi orientado. Houve associação estatisticamente significativa entre ser orientado e usar protetor solar (p = 0,01). A maioria dos pacientes relatou fazer uso de protetor solar.
LIMITAÇÕES DO ESTUDO: Não foi avaliado o nível de educação dos entrevistados.
CONCLUSÕES: Pacientes jovens transplantados que são orientados a usar filtro solar durante as consultas aderiram mais à aplicação do filtro solar do que os pacientes que não haviam sido orientados. É de extrema importância educar os adultos jovens transplantados sobre a prevenção ao câncer da pele, sempre que possível, de preferência a cada consulta.


Keywords: Adulto jovem; Higiene da pele; Neoplasias cutâneas; Protetores solares; Transplante de órgãos; Transplante de rim


INTRODUÇÃO

O aumento da sobrevida de pacientes transplantados ao longo dos anos contribuiu para que o câncer da pele se tornasse uma das principais causas de morbidade em pacientes transplantados, ao lado de infecções, rejeição crônica e complicações cardiovasculares.1,2 O câncer da pele representa de 37% a 50% de todas as neoplasias em pacientes transplantados. O seguimento de 20 anos evidenciou que entre 40% e 50% dos receptores em países ocidentais e entre 70% e 80% dos transplantados australianos desenvolveram pelo menos um câncer da pele não melanoma ao longo da vida.3-6 O impacto da terapia imunossupressora no desenvolvimento do câncer da pele é amplamente reconhecido, embora pobremente definido, visto que fatores dermatológicos (fototipo e exposição à radiação ultravioleta) e fatores genéticos (como polimorfismos no gene supressor tumoral p53) são interventores importantes, e é difícil quantificar o real papel de cada um destes.7-11 Os pacientes transplantados podem apresentar aumento entre 65 e 250 vezes o número de carcinomas epidermoides (CEC),4,5,12-14 aumento de 10 a 16 vezes o número de carcinomas basocelular (CBC),4,5 aumento de três a oito vezes o número de melanomas,15-20 embora o número de casos relatados seja pequeno,12,21 e aumento de 84 vezes o número de sarcoma de kaposi (SK).22-24 Similarmente à população geral, a taxa de ocorrência varia diretamente com a exposição solar e há aumento linear na incidência de câncer de pele ao longo do tempo.25,26 População na qual a educação preventiva é particularmente importante é a de pacientes transplantados. Alguns estudos envolvendo educação sobre câncer da pele mostram aumento no conhecimento sobre prevenção ao câncer da pele, mas pouco ou nenhum efeito no aumento da proteção solar.27-29 Os pacientes transplantados devem receber educação sobre proteção solar, incluindo evitar a exposição ao sol, usar roupas e filtro solar adequados. O bronzeamento dever ser proibido.30 Recomenda-se o uso de filtro solar de amplo espectro, cuja textura leva muitas vezes ao uso de quantidade inferior à recomendada desses produtos.31 Estudos demonstram que menos da metade dos pacientes recebem educação específica para o câncer da pele.32 A educação deve ser repetida a intervalos regulares para manter sua efetividade, de preferência a cada visita.

Avaliar como se comporta nossa população de pacientes transplantados em relação à fotoexposição é passo importante para introduzir um programa de prevenção direcionado a esse público. Este estudo tem como objetivo geral avaliar os hábitos de fotoproteção dos pacientes jovens que realizam seguimento e tratamento pós-transplante renal na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, RS e como objetivo específico determinar se a orientação do uso de filtro solar aumenta o uso regular de fotoproteção.

 

MÉTODOS

Foi realizado estudo transversal, entre 05 de maio e 05 de agosto de 2015. Foi aplicado questionário durante as consultas dos pacientes no ambulatório de pós-transplante de pós-adolescentes do Hospital Santa Clara do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre durante o período de realização do estudo. Os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Dos 56 pacientes que foram consultados nesse período, 49 aceitaram participar do estudo. Os dados foram digitados no programa Excel e posteriormente exportados para o programa para análise estatística. Foram descritas as variáveis categóricas por frequências, e as percentuais e quantitativas por média e desvio-padrão. A existência de associações entre as variáveis foi verificada com a utilização do teste do qui-quadrado. Foi considerado um nível de significância de 5%. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Santa Casa de Porto Alegre (número 27119414.0.0000.5335), e o estudo está de acordo com a Declaração de Helsinki. Ao final da entrevista foi entregue aos pacientes material com orientações e sobre a importância da fotoproteção, especialmente nos pacientes transplantados.

 

RESULTADOS

Foram entrevistados 49 de 56 pacientes que foram consultados no período do estudo. Os principais dados da população do estudo estão dispostos na tabela 1.

A maioria dos pacientes relatou ter sido orientada quanto à fotoproteção (Gráfico 1), sendo o nefrologista apontado como o orientador principal (Tabela 2).

Vinte entrevistados (40,8%) desconheciam o motivo pelo qual os pacientes transplantados necessitam de maior fotoproteção. Das seis pessoas que relatavam não fazer uso de protetor solar, metade dizia não saber da necessidade do uso, e as demais não utilizavam por motivos cosméticos. O uso de protetor solar foi de 40% entre quem não havia sido orientado e de 93,2% entre quem foi orientado (Tabela 3). Houve associação estatisticamente significativa entre ser orientado e usar protetor solar (P = 0,01).

 

DISCUSSÃO

O grupo entrevistado foi composto por pessoas jovens (terceira década), em sua maioria de pele clara, que realizaram transplante em idade precoce (previsão de uso de imunossupressores por longo período), o que as coloca em situação de maior risco de desenvolvimento de câncer de pele. Mais da metade desses pacientes estão cientes de seu risco aumentado de neoplasia de pele, semelhante ao resultado de um estudo realizado em 2005 na Polônia, com pacientes receptores de transplante renal.33 Observou-se que quase todos utilizam alguma forma de fotoproteção. Houve maior adesão ao uso de protetor solar entre os pacientes orientados a fazê-lo em relação aos pacientes que não receberam essa informação, com diferença estatisticamente significativa (P < 0,003), o que difere de dois estudos realizados em escolas,28,29 que demonstraram ter a orientação aumentado o conhecimento sobre prevenção do câncer da pele, mas não modificado o comportamento dos jovens. A maioria dos pacientes foi orientada a realizar fotoproteção, o que está de acordo com a literatura.32,33 Observou-se que metade dos casos de não uso de protetor solar se deu por falta de informação sobre sua necessidade. A equipe de nefrologia desempenha importante papel, tendo sido responsável pela orientação da maioria dos entrevistados.

Apenas pequena parcela relatou nunca ter recebido informações a esse respeito.

 

CONCLUSÃO

Pacientes transplantados em idade precoce permanecerão por mais tempo sob terapia imunossupressora e ainda não possuem longo tempo de exposição solar, sendo um grupo de especial importância para educação sobre a prevenção do câncer da pele. Esse público deve, portanto, ser aconselhado sobre a necessidade da fotoproteção sempre que possível, de preferência a cada consulta.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Mauricio de Quadros | ORCID 0000-0003-1824-1729
Análise estatística, aprovação da versão final do original, concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do original, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica da literatura, revisão crítica do original

Bianca Coelho Furtado | ORCID 0000-0002-2202-9627
Aprovação da versão final do original, concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do original, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica da literatura, revisão crítica do original

 

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