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Artigo Original

Perfil das lesões tratadas cirurgicamente em pododáctilos e quirodáctilos em um serviço de referência de dermatologia

Luisa Preisler; Ludmilla Cardoso Gomes; José Roberto Pereira Pegas

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20181021174

Data de recebimento: 26/03/2018

Data de aprovação: 01/06/2018


Trabalho realizado no Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos, Guarulhos (SP), Brasil.

Suporte Financeiro: Nenhum

Conflito de Interesses: Nenhum


Abstract

Introdução: As lesões em quirodáctilos e pododáctilos são frequentes na prática dermatológica, sendo possível diagnosticar a maioria após anamnese completa e exame físico.
Objetivo: Traçar perfil das lesões mais prevalentes em pododáctilos e quirodáctilos abordadas cirurgicamente pela equipe de cirurgia dermatológica em um serviço de referência em dermatologia, bem como avaliar a classificação dessas lesões, sua distribuição nas faixas etárias, gêneros, locais de acometimento e a correlação entre a suspeita clínica e o diagnóstico anatomopatológico.
Métodos: Estudo epidemiológico observacional retrospectivo transversal incluindo e avaliando 344 pacientes e 367 procedimentos cirúrgicos.
Resultados: A análise demonstrou que a maior parte dos procedimentos foi realizada em adultos, do sexo feminino, sendo o hálux esquerdo a localização mais acometida na amostra estudada. Verificou-se também que a maioria dos procedimentos decorreu de lesões de natureza traumática, sendo a biópsia/exérese de lesões e a cantoplastia/cantotomia os procedimentos mais realizados.
Conclusões: Os resultados deste estudo contribuem para o planejamento e dimensionamento de futuros atendimentos dermatológicos.


Keywords: Dedos; Dedos do pé; Procedimentos cirúrgicos ambulatoriais


INTRODUÇÃO

As lesões em dedos dos pés e das mãos são frequentes na rotina do dermatologista. Apesar de sua alta importância, há pouca informação a seu respeito na literatura dermatológica.1 Muitas dessas lesões, além de afetar a produtividade, trazem limitações às atividades diárias.2 Estimou-se que em 2004 nos EUA, o gasto com doenças dermatológicas foi de 39,3 bilhões de dólares2 tendo significativo impacto não apenas na qualidade de vida dos atingidos,3 mas também nos gastos dos sistemas de saúde. Tendo em vista que informações epidemiológicas são fundamentais para o direcionamento das políticas de saúde,3 este trabalho destina-se a traçar um perfil das lesões mais prevalentes em pododáctilos e quirodáctilos que foram abordadas pela equipe de cirurgia dermatológica em um serviço de referência em dermatologia, bem como avaliar a classificação dessas lesões, sua distribuição em faixas etárias, gêneros e locais de acometimento, bem como a correlação entre a suspeita clínica da lesão e o diagnóstico anatomopatológico.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo epidemiológico observacional retrospectivo transversal, no qual foram analisadas as cirurgias dermatológicas realizadas em lesões localizadas em quirodáctilos e pododáctilos no período de 93 meses (agosto de 2009 a abril de 2017), bem como suas avaliações histopatológicas, coletando-se os dados dos prontuários dos pacientes submetidos aos procedimentos cirúrgicos, dos livros de registros cirúrgicos e de laudos da anatomia patológica, no ambulatório de dermatologia do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos (CHPBG). Foram desconsideradas as lesões operadas pelas equipes de cirurgia plástica e oncológica do hospital, tendo sido incluídas lesões localizadas em quirodáctilos e pododáctilos de pacientes acompanhados no ambulatório, operadas pela equipe de cirurgia dermatológica no período considerado. O presente trabalho foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do CHPBG (número de parecer: 2.300.429).

As lesões abordadas foram classificadas pelos autores em: tumorais, traumáticas, inflamatórias, infecciosas e outras. O primeiro grupo englobou os tumores de origem vascular, cística, fibroepitelial, neural, melanocítica, epitelial e outras. Como lesões de origem traumática, incluíram-se as alterações de lâmina ungueal, onicocriptose e calosidades. Em lesões inflamatórias enquadraram-se a psoríase ungueal, o granuloma anular e a paroníquia crônica. Na amostra estudada, as verrugas virais representaram as lesões infecciosas. Classificaram-se em “outras” as lesões decorrentes de depósito (tofo gotoso), de alterações genéticas (dedos rudimentares e extranumerários) e queratose actínica.

Os procedimentos realizados foram padronizados e agrupados como: biópsia do aparelho ungueal; cantotomia/cantoplastia; biópsia/exérese da lesão; curetagem associada ou não à eletrocoagulação e outros. A biópsia do aparelho ungueal compreendeu biópsias realizadas no leito, matriz ou mesmo na lâmina ungueal. Cantotomia e cantoplastia abrangeram a realização de técnicas de Haneke,4 cirurgia de Fanti,5 matricectomia,4 rebaixamento das dobras ungueais pelas técnicas de Dubois4 ou “super U”,4 além de fenolização da matriz ungueal.4 Exérese/biópsia referiram-se aos procedimentos de retirada completa de tumores e/ou biópsias de lesões localizadas fora do aparelho ungueal. Curetagem e eletrocoagulação foram realizadas para tratamento de verrugas virais e granulomas piogênicos. O grupo “outras” foi composto pelas técnicas da sutura de permanência prolongada (transfixação de cisto mucoso), exérese oblíqua de prega ungueal proximal e osteotomia, utilizadas para tratamento de cistos mucinosos/mixoides, paroníquias crônicas e osteocondromas, respectivamente.

Para a análise de concordância entre diagnósticos pré-operatório e após laudo histopatológico, estabeleceram-se duas variáveis: “sim” e “não/inconclusivo”. A primeira variável inclui os casos em que a hipótese diagnóstica pré-operatória se confirmou pela análise anatomopatológica. A segunda se refere aos casos de discordância entre diagnósticos pré e pós-operatórios, àqueles cujas hipóteses prévias não foram identificadas nos registros analisados ou, ainda, aos de resultados inconclusivos. As lesões estudadas ainda foram agrupadas e classificadas em benignas ou malignas.

 

RESULTADOS

Foram analisados inicialmente 454 registros de pacientes acompanhados pela cirurgia dermatológica, com 110 exclusões devidas à discordância da localização das lesões, dados incompletos, prontuários não localizados ou realização de procedimentos não cirúrgicos, como crioterapia e infiltração de medicação periungueal.

Foram incluídos 344 pacientes no estudo, dos quais 63,08% eram do sexo feminino, e 36,92% do sexo masculino (Gráfico 1). A idade variou entre cinco e 89 anos, sendo a média 43,1 anos com desvio-padrão de 19,59 anos. Dos pacientes avaliados, 13,37% tinham menos de 18 anos no momento do procedimento, 28,49% se enquadravam entre 18 e 39 anos, 35,47% entre 40 e 59 anos, e 22,67% tinham mais de 60 anos (Gráfico 2).

Quanto à localização das lesões abordadas cirurgicamente, o estudo demonstrou que elas foram mais frequentes em pododáctilos (60,76%) do que em quirodáctilos (39,24%) (Gráfico 3), sendo que os dedos acometidos mais frequentemente foram o primeiro pododáctilo esquerdo (22,07%) e o primeiro pododáctilo direito (19,89%) (Figura 1).

Foram realizados 367 procedimentos, sendo a biópsia/exérese de lesões em dedos o mais frequente, correspondendo a 38,15% do total, enquanto a biópsia do aparelho ungueal englobou apenas 8,45% deles. A cantotomia/cantoplastia foi o segundo procedimento mais realizado, com 36,78% do total. A curetagem acompanhada ou não pela eletrocoagulação respondeu por 9,54% da amostra, e outros procedimentos menos frequentes, como exérese oblíqua da prega ungueal proximal, osteotomia e técnica da sutura de permanência prolongada (transfixação de cisto mucoso), perfizeram 7,08% do total (Gráfico 4).

Quanto aos procedimentos efetuados, 141 lesões foram enviadas para estudo anatomopatológico. Considerando apenas as lesões enviadas para análise, 55,32% foram classificadas como de origem tumoral (Gráfico 5).

Avaliando os 367 procedimentos, verificou-se que a maior parte decorreu de lesões de natureza traumática (Gráfico 5).

Das lesões de origem tumoral, 92,31% foram benignas, e 7,69% malignas, correspondendo estas últimas a cinco carcinomas escamocelulares e um melanoma, totalizando seis neoplasias malignas na amostra. O gráfico 6 apresenta a proporção de lesões benignas (95,74%) versus malignas (4,26%) do total enviado para análise anatomopatológica.

A concordância entre a hipótese diagnóstica e o laudo anatomopatológico foi positiva 29,08% da amostra, sendo os 70,92% restantes inconclusivos ou discordantes (Gráfico 7).

 

DISCUSSÃO

As lesões em pododáctilos e quirodáctilos em sua maioria podem ser diagnosticadas por anamnese completa e exame físico, e manejadas corretamente por dermatologistas com capacitação em cirurgia dermatológica.6 As informações epidemiológicas a seu respeito são fundamentais para o direcionamento das políticas de saúde, porém infelizmente são limitadas para o conjunto das nosologias dermatológicas.3 Tratando-se de lesões em dedos de mãos e pés, as informações são ainda mais escassas. Em estudo realizado pela Sociedade Brasileira de Dermatologia em 2006 sobre o perfil das doenças atendidas em consultas dermatológicas no Brasil, o motivo principal de consulta foi acne, seguida pelas micoses superficiais, transtornos da pigmentação e queratose actínica. Trabalho posterior realizado em 2011 em um centro de referência em dermatologia no estado do Amazonas sobre a frequência das dermatoses encontrou as DSTs, dermatoses alérgicas, dermatoses não especificadas, hanseníase e acne, seborreia e afins como os cincos grupos mais diagnosticados.7 Ambos avaliaram apenas os atendimentos ambulatoriais e sem discriminação da localização das lesões, não contemplando também os procedimentos cirúrgicos, o que, provavelmente, foi um dos fatores que contribuiu para a discordância com os resultados encontrados pelo presente estudo, em que foram avaliadas as lesões localizadas exclusivamente em pododáctilos e quirodáctilos. Estudo realizado em Curitiba de 2002 a 2007 contemplou os procedimentos cirúrgicos em um serviço de residência médica, verificando que o mais frequente dos procedimentos cirúrgicos realizados foi a biópsia diagnóstica.8 Apesar de esse estudo não discriminar a localização das lesões abordadas, observamos concordância com os achados em nosso trabalho.

Avaliando faixa etária e sexo mais acometidos, encontramos concordância entre nosso estudo e a literatura disponível sobre atendimentos ambulatoriais, sendo a maior parte dos pacientes do sexo feminino e adultos jovens.2,3 Não foram encontrados na literatura estudos discriminando a frequência e os tipos dos procedimentos cirúrgicos realizados em dedos de mãos e pés, nem a natureza mais frequente das lesões ou correlação entre o diagnóstico clínico e anatomopatológico.

 

CONCLUSÃO

A análise dos resultados demonstrou que a maior parte dos procedimentos foi realizada em adultos, do sexo feminino, sendo o hálux esquerdo a localização mais acometida na amostra estudada. Verificou-se também que a maior parte dos procedimentos decorreu de lesões de natureza traumática, sendo a biópsia/exérese de lesões e a cantoplastia/cantotomia os procedimentos mais realizados, com prevalência das lesões benignas sobre as malignas após análise dos dados coletados. Este estudo contribui para o planejamento e dimensionamento de futuros atendimentos dermatológicos.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Luisa Preisler | ORCID 0000-0002-1600-9953
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; aprovação da versão final do manuscrito.

Ludmilla Cardoso Gomes | ORCID 0000-0002-8165-5345
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; aprovação da versão final do manuscrito.

José Roberto Pereira Pegas | ORCID 0000-0002-2541-6008
Concepção e planejamento do estudo; revisão e aprovação da versão final do manuscrito.

 

REFERENCES

1. Sobanko JF, Dagum AB, Joseph FS, Davis IC, Kriegel DA. Soft Tissue Tumors of the Hand. Benign. Dermatol Surg. 2007;33(7):651-67.

2. Bickers DR, Lim HW, Margolis D, Weinstock MA, Abrams BB, Goodman C, et al. The burden of skin diseases: 2004. A joint project of the American Academy of Dermatology Association an the Society for Investigative Dermatology. J Am Acad Dermatol. 2006;55:490-500.

3. Sociedade Brasileira de Dermatologia. Perfil nosológico das consultas dermatológicas no Brasil. An Bras Dermatol. 2006;81:549-58.

4. Di Chiacchio N, Belda Junior W, Criado PR. Unhas: o que há de novo. 1ª ed. Editora Atheneu: Rio de Janeiro; 2015.

5. Oliveira GB, Rossi NCP, Cury DO, Ballavenuto JMA, Antonio CR, Antonio JR. Tratamento de unha em pinça pela técnica de Fanti. Surg Cosmet Dermatol. 2014; 6(2):122-5.

6. Sobanko JF, Dagum AB, Joseph FS, Davis IC, Kriegel DA. Soft Tissue Tumors of the Hand. Malignant. Dermatol Surg 2007;33(7):771-85.

7. Raposo AA, Schettini APM, Sardinha JCG, Pedrosa VL. Perfil nosológico de centro de referência em dermatologia no Estado do Amazonas - Brasil. An Bras Dermatol. 2011;86(3):463-8.

8. Morais RLSL, Guislandi C, Santamaría JR, Serafini SZ, Mulinari-Brenner F. Dermatologia clínico-cirúrgica: avaliação da mudança no perfil dos procedimentos de um serviço de residência médica no Paraná-BR. Surg Cosmet Dermatol 2010;2(2):105-10.


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