Flávio Barbosa Luz1; Stella Meirelles Siqueira2; Luiza Alonso Pereira2
Introdução: O microagulhamento, também conhecido como terapia percutânea de indução de colágeno, é procedimento seguro e eficaz, usado para rejuvenescimento, melhora de cicatrizes, melasma, alopecias e outras indicações clínicas, bem como drug delivery em geral. Apesar dos benefícios e da segurança da técnica, o controle da dor ainda é seu maior fator limitante.
Objetivo: Avaliar se a realização de drug delivery de anestésicos tópicos imediatamente antes do microagulhamento pode diminuir a sensação de dor.
Métodos: Estudo-piloto de casos, split face com nove pacientes consecutivos, buscando tratamento para cicatrizes de acne, rejuvenescimento e melhora da firmeza da pele. Após limpeza da pele, foi aplicado creme anestésico tópico em toda a face, seguido de drug delivery deste com roller de 0,5mm somente no lado esquerdo. Imediatamente após, o anestésico foi removido de toda a face e realizado o microagulhamento nos dois lados com roller de 1mm.
Resultados: O lado esquerdo da face, onde foi realizado drug delivery do anestésico tópico antes do microagulhamento, apresentou significativa diminuição da dor (p < 0,01) com média de 3,33 (± 1,49) quando comparado com o lado direito da face [média de 5,22 (± 1,74)], no qual foi aplicado o mesmo anestésico e pelo mesmo tempo.
Conclusão: Neste ensaio, a técnica de drug delivery do anestésico tópico foi eficaz e segura para diminuir a sensação de dor durante o microagulhamento.
Keywords: anestésicos locais; colágeno; cicatrizes
O microagulhamento, também conhecido como terapia de indução de colágeno percutânea, é procedimento minimamente invasivo, originalmente descrito por Fernandes,1 em 2002, para o tratamento de cicatrizes de acne e rugas finas. Atualmente é considerado eficaz também para estrias, cicatrizes em geral, melasmas e outras discromias, “poros dilatados”, hiperidrose, alopecia e rejuvenescimento.2 Há formação de microcanais na pele e liberação de vários fatores de crescimento que induzem aumento da espessura da epiderme e produção de colágeno.3 É procedimento seguro e de eficácia comprovada para várias indicações, mas o controle da dor ainda é fator limitante para mais ampla difusão da técnica.
Os anestésicos tópicos são amplamente utilizados antes do microagulhamento, promovendo diminuição da dor de forma não invasiva. Os mais comuns consistem em cremes contendo mistura eutética de lidocaína 2,5% e prilocaína 2,5%, 4% de lidocaína ou lidocaína e tetracaína em altas concentrações,4 esta última só disponível no Brasil de forma manipulada.5 Apesar de seu uso prático e não invasivo, a eficácia dos anestésicos tópicos é limitada pela presença da barreira epidérmica.
Neste estudo, relatamos uma série de nove casos consecutivos submetidos a microagulhamento na face, sob anestesia tópica prévia associada a drug delivery apenas do lado esquerdo. O objetivo foi avaliar se a realização de drug delivery poderia diminuir a sensação de dor durante o procedimento.
Foi realizado estudo-piloto split face com participação de nove pacientes do sexo feminino, cujas idades variaram de 25 a 53 anos. As indicações para o procedimento foram tratamento de cicatrizes de acne, rejuvenescimento facial e melhora da firmeza da pele. Os critérios de inclusão foram pacientes com indicação para a técnica, boa saúde e disponibilidade para a data marcada. Os critérios de exclusão foram pele bronzeada, presença de neoplasias malignas ou lesões infeciosas na face.
Inicialmente, foi realizada degermação com água e sabão neutro e antissepsia adequada da face com álcool a 70%. Imediatamente após, foi aplicado 1g de anestésico tópico contendo lidocaína 23% e tetracaína 7% (Farmácia Artesanal de Jundiaí, São Paulo, Brasil) em sete pacientes e creme com lidocaína 4% (Dermomax®Laboratório Aché, São Paulo, Brasil) em duas pacientes. A escolha do tipo de anestésico utilizado e do tempo de permanência foi aleatória. Após intervalo de tempo que variou de 11 a 40 minutos (tabela 1), foi realizado no lado esquerdo da face de todas as pacientes drug delivery do anestésico tópico previamente aplicado com roller contendo 192 microagulhas de 0,07mm de espessura e 0,5mm de comprimento (Dr. Roller®, Moohan Enterpreise CO., LTD. - Coréia do Sul), dispostas em oito fileiras. Em seguida, com soro fisiológico 0,9% foi retirado o creme anestésico de toda a face e nela feito microagulhamento com roller idêntico, mas com agulhas de 1mm de comprimento (Dr. Roller®) (Figura 1).
Após o procedimento, os pacientes fizeram autoavaliação da dor experimentada no lado esquerdo e no direito da face de acordo com a Escala Visual Analógica (Figura 2),6 sem a interferência do pesquisador. Os pacientes também puderam escrever observações pertinentes quanto ao procedimento em sua avaliação.
Os dados obtidos estão apresentados na tabela 1.
A média para a avaliação da dor foi de 3,33 (± 1,49) no lado esquerdo e de 5,22 (± 1,74) no lado direito.
A média para a avaliação da dor nos pacientes que permaneceram com o anestésico mais de 20 minutos (pacientes A, B, C, D, E e F) foi de 3 (± 1,73) no lado esquerdo e de 5,33 (± 1,88) no lado direito. Já a média para a avaliação da dor nos pacientes que permaneceram com o anestésico menos de 20 minutos (pacientes G,I e H) foi de 4 (± 0) no lado esquerdo e de 5 (±1,41) no lado direito. O intervalo de confiança foi altamente significativo pelo teste t pareado (p = 0,005).
Houve correlação estatisticamente significativa (p = 0,0045) entre o tempo de permanência do anestésico e o grau de dor no lado esquerdo (gráfico 1). Quanto maior a permanência do anestésico menor a dor após o drug delivery do anestésico.
Algumas observações foram relatadas pelas pacientes após o procedimento. As pacientes D e F relataram que no início a dor no lado esquerdo foi menor, mas que ao final do procedimento a sensação de dor se igualou nos dois lados. As pacientes E e G relataram que a diferença na intensidade da dor ocorreu principalmente na região da fronte. A paciente B referiu que a dor foi apenas no nariz, à direita, e na fronte, bilateralmente.
No presente estudo, todas as pacientes que utilizaram o anestésico tópico do tipo lidocaína 23%/tetracaína 7% creme apresentaram eritema após a aplicação, e o mesmo se tornou mais pronunciado após o drug delivery. Ao final do experimento, o quadro tornou-se homogêneo. Nenhuma paciente apresentou qualquer outro efeito colateral durante ou após a intervenção.
As pacientes foram contatadas um mês após a intervenção e observou-se melhora das cicatrizes e da firmeza da pele, bem como diminuição de rugas finas. Todas as pacientes relataram que realizariam esse procedimento novamente.
O microagulhamento é procedimento seguro e de rápida recuperação, com eficácia comprovada em várias indicações.2 Diversas formas de minimizar a sensação de dor têm sido utilizadas, como a anestesia tópica simples ou anestésicos injetáveis localmente.7 A aplicação transdérmica (drug delivery) de substâncias pelo microagulhamento é técnica eficaz em inúmeras indicações.8
A utilização das microagulhas de 0,5mm de profundidade permite a separação das células da epiderme, preservando a integridade da pele. Com isso, há aumento da permeabilidade às substâncias aplicadas topicamente.8,9 No caso do uso de anestésicos tópicos, o drug delivery permite sua maior penetração, potencializando sua ação e diminuindo a sensação de dor.7
O presente estudo-piloto avalia a viabilidade dos métodos, com amostra reduzida e sem randomização dos lados. Por isso a variação do tipo de anestésico utilizado e tempo de sua permanência (variou de 11 a 40 minutos).
Os resultados deste estudo mostram diferença estatisticamente significativa na sensação de dor do microagulhamento após a realização do drug delivery do anestésico tópico (p < 0,01). Além disso, os dados apontam a necessidade de tempo de permanência do anestésico superior a 20 minutos para obter resposta mais eficaz.
Em 2016,7 El-Fakahany e Medhat utilizaram o microagulhamento para potencializar o efeito da anestesia tópica, porém, ao contrário do estudo atual, foi realizado primeiramente o microagulhamento e depois a aplicação do anestésico tópico. Apesar dessa diferença, ambos os estudos mostraram eficácia na técnica para diminuição da sensação de dor.
Efeitos colaterais ao uso dos anestésicos tópicos são conhecidos, como eritema e edema local, prurido, parestesia, sonolência, agitação, convulsões e até parada respiratória em caso de doses mais elevadas.10 Apesar de neste estudo nenhum efeito colateral ter sido reportado, o drug delivery de anestésicos tópicos, especialmente os de alta concentração, deve ser feito com responsabilidade e atenção pela possibilidade de intoxicação por anestésicos locais. É importante observar a dose máxima permitida e orientar os pacientes a identificar sinais precoces de intoxicação pelos anestésicos locais, alertando a equipe e lavando imediatamente a face.
Conclui-se que, no presente estudo, a técnica de drug delivery do anestésico tópico foi eficaz e segura. O único efeito colateral observado foi eritema no início do procedimento, sem comprometimento da eficácia e dos resultados. Estudos mais bem controlados e com maior número de pacientes são necessários nesse caso.
Aos colegas Helio Amante Miot e Lia Roque Assumpção por suas relevantes críticas e contribuições.
Flávio Barbosa Luz:
Desenho e execução do estudo, revisão do texto, orientação e supervisão.
Stella Meirelles Siqueira:
Revisão bibliográfica, tabulação dos dados e redação do texto.
Luiza Alonso Pereira:
Organização do estudo.
1. Fernandes, D. Percutaneous Collagen Induction: An Alternative to Laser Resurfacing. Aesthetic Surg J. 2002; 22(3):315-17.
2. Konicke K, knabel M, Olasz E. Microneedling in Dermatology: A Review. Plastic Surgical Nursing. 2017; 37(3):112-115.
3. Aust MC, Reimers K, Kaplan HM, Stahl F, Repenning C, Scheper T et al. Percutaneous collagen induction-regeneration in place of cicatrisation? J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2011;64(1):97-107.
4. Chiang YZ, Al-Niaimi F, Madan V. Comparative efficacy and patient preference of topical anaesthetics in dermatological laser treatments and skin microneedling. J Cutan Aesthet Surg.2015; 8(3):143-6.
5. Froes GC, Ottoni FA, Gontijo G. Topical Anesthetics. Surg Cosmet Dermatol. 2010; 2(2)111-16.
6. Cela EV, Rocha MB, Gomes TM, Chia CY, Alves CF. Clinical evaluation of the effectiveness of andiroba oil in burns caused by hair removal with intense pulsed light: a prospective, comparative and double-blind study Surg Cosmet Dermatol. 2012;4(3):248-51.
7. El-Fakahany H, Medhat W, Abdallah F, Abdel-Raouf H, Abdelhakeem M. Fractional microneedling: a novel method for enhancement of topical anesthesia before skin aesthetic procedures. Dermatol Surg. 2016;42(1):50–5.
8. Fabbrocini G, De Vita V, Fardella N, Pastore F, Annunziata MC, Mauriello MC, et al. Skin needling to enhance depigmenting serum penetration in the treatment of melasma. Plast Surg Int. 2011;2011:158241.
9. Henry S, Mcallister DV, Allen MG, Prausnitz MR. Microfabricated microneedles: a novel approach to transdermal drug delivery. J Pharm Sci. 1998; 87(8):922-5.
10. Huang W, Vidimos A. Topical anesthetics in dermatology. J Am Acad Dermatol. 2000; 43(2 pt1):286-98.
Trabalho realizado na Universidade Federal Fluminense (UFF) - Niterói (RJ), Brasil.