2724
Views
Open Access Peer-Reviewed
Artigos de revisão com notas técnicas do autor

Uso da técnica de indução percutânea de colágeno no tratamento da hiperpigmentação pós-inflamatória

Sandra Tagliolatto; Nancy Vanessa Paranhos Mazon

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201792899

Data de recebimento: 11/09/2016
Data de aprovação: 21/05/2017
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Hiperpigmentação pós-inflamatória é sequela comum de dermatoses inflamatórias que tende a afetar com maiores freqüência e gravidade pacientes com fototipos altos. Pode ser causada por qualquer inflamação ou lesão de pele. Terapias tópicas geralmente são eficazes, mas em alguns casos esse tipo de hipercromia se mostra resistente aos tratamentos convencionais. A técnica de indução percutânea de colágeno pode ser usada na hiperpigmentação pós-inflamatória com boa resposta. Descreve-se a experiencia dos autores em um caso desse tipo de hipercromia após queimadura por laser de Alexandrite resistente aos tratamentos convencionais. Com base na revisão de literatura e em nossa experiência clínica sugerimos que a técnica de indução percutânea de colágeno, também conhecida como microagulhamento, possa ser incluída em nosso arsenal terapêutico no tratamento da hiperpigmentação pós-inflamatória cutânea, principalmente quando essa se mostrar resistente aos tratamentos convencionais.


Keywords: HIPERPIGMENTAÇÃO; TERAPÊUTICA; AGULHAS


INTRODUÇÃO

Hiperpigmentação pós-inflamatória é sequela comum de dermatoses inflamatórias; tende a afetar pacientes de pele mais escura com maiores frequência e gravidade.

Estudos epidemiológicos mostram que discromias, incluindo hiperpigmentação pós-inflamatória, estão entre os motivos mais comuns em grupos raciais/étnicos mais escuros que procuram os cuidados de um dermatologista.1

Distúrbios de hiperpigmentação da pele são frequentes, sendo as formas mais comuns melasma, lentigos e hiperpigmentação pós-inflamatória (HPI).2

A HPI ocorre provavelmente devido ao aumento da produção ou deposição de melanina na epiderme ou derme pelos melanócitos. Tipicamente lesões epidérmicas aparecerão com tonalidade marrom-escura, marrom ou bege, enquanto hiper-melanose dérmica tende a ter coloração azul-acinzentada.3

Uma variedade de condições inflamatórias endógenas ou exógenas pode culminar em HPI.3

De modo geral qualquer inflamação ou lesão da pele pode resultar em alteração na pigmentação (hiper/hipopigmentação), sendo que HPI pode ser observada em muitas doenças de pele, incluindo acne, eczema e dermatite de contato.4

Ao menos dois processos estão envolvidos na hiperpigmentação após a inflamação da pele resultando em melanose epidérmica ou dérmica.5

O primeiro é a incontinência pigmentar posterior à destruição da camada de célula basal da pele. A consequência desse processo é o acúmulo de melanófagos na derme superior. O macrófago pode fagocitar o queratinócito basal degenerado e os melanócitos, ambos, contendo grande quantidade de melanina, podendo permanecer na derme superior por algum tempo.

O outro processo envolve a resposta inflamatória epidérmica, resultando na oxidação do ácido araquidônico para prostaglandinas e leucotrienos.

Esses mediadores levam ao estímulo dos melanócitos epidérmicos, que acarretam o aumento da síntese de melanina e transferência do pigmento aos queratinócitos circundantes.

Em outras palavras, a hipermelanose epidérmica resulta do excesso de estimulação e subsequente transferência para os grânulos de melanina.5

Embora com fisiopatogenia ainda não elucidada totalmente, a HPI pode ser explicada no controle da pigmentação da pele, paralela à transferência entre queratinócitos e melanócitos. Há evidências do papel exercido pelas interações entre as células epiteliais e mesenquimais por meio da liberação de fatores de crescimento do fibroblasto. Entre eles, o fator de crescimento de queratinócitos (KGF), sozinho ou em combinação com a interleucina-1α, induz a deposição de melanina in vitro e lesões hiperpigmentadas in vivo. Além disso, em lesões de lentigo solar foram demonstrados aumento moderado de KGF e alta indução de seu receptor, sugerindo o envolvimento desse fator de crescimento no aparecimento das manchas hiperpigmentadas.4

Alguns estudos têm quantificado alterações em números de melanócitos associadas com hiperpigmentação pós-inflamatória secundária a causas exógenas, verificando-se aumento na contagem de melanócitos. Mudanças na densidade do melanócito e em sua aparência também são vistas secundariamente à inflamação; além disso, aumento nos melanócitos epidérmicos foi observado com exposição cutânea a determinados agentes, assim como aumento de melanócitos, que variam de acordo com o agente de exposição.

Pode se dizer que o grau de hiperpigmentação tem relação com a intensidade e a duração da exposição aos fatores causais da HPI.6

Embora não seja responsável por graves sequelas no organismo, a HPI pode ter impacto negativo na qualidade de vida do paciente e acarretar significativas consequências psicológicas, justificando a busca de tratamento pelos pacientes portadores das manchas em questão.1,3

O tratamento de hiperpigmentação pós-inflamatória deve ser iniciado precocemente para ajudar a acelerar sua resolução e deve começar com a gestão da condição inflamatória inicial. Terapia de primeira linha, normalmente, consiste na utilização de agentes tópicos despigmentantes, incluindo o uso do protetor solar e inibidores tópicos da tirosinase, como hidroquinona, ácidos azelaico e kojico, e arbutin. Outros agentes despigmentantes incluem retinoides, mequinol, ácido ascórbico, niacinamida, N-acetil glucosamina e soja em terapias emergentes. Terapia tópica é geralmente eficaz no tratamento da hiperpigmentação pós-inflamatória epidérmica; no entanto, certos procedimentos, tais como terapia a laser e peeling químico, podem ajudar a tratar a hiperpigmentação recalcitrante. Vale salientar que é importante o cuidado com todos os tratamentos mais agressivos à pele, a fim de serem evitados irritação e agravamento da hiperpigmentação pós-inflamatória.1

Deve-se ressaltar que o tratamento da HPI muitas vezes é difícil, exigindo longo tempo.2

Alguns trabalhos sugerem que lesões que não são favoráveis à terapia médica ou cirúrgica podem apresentar alguma melhora com camuflagem cosmética,3 o que nós, autores, achamos que, na prática, pode ser muito frustrante tanto para o médico quanto para o paciente.

Nos últimos anos, a técnica de indução percutânea de colágeno começou a ser descrita como opção terapêutica no tratamento da pele hiperpigmentada, porém seu uso está geralmente associado à quebra da integridade do estrato córneo, com a finalidade de facilitar o transporte de drogas transdérmicas. As microagulhas, com comprimento de algumas dezenas a algumas centenas de micra, geralmente organizadas em matrizes, auxiliam o denominado drug delivery.7,8

Na técnica de indução percutânea de colágeno realizam-se múltiplas perfurações na epiderme sem a destruir, ocorrendo estimulação de colágeno e espessamento da pele.9

O uso de agulhas para estimulação de colágeno foi descrito em 1995 quando Orentreich e Orentreich relataram o método chamado de subcisão para o tratamento de cicatrizes.10

Em 1997, Camirand e Doucet escreveram sobre o uso da pistola de tatuagem sem pigmento a fim de estimular a regeneração da pele, situação em que pela ruptura do colágeno subepidérmico danificado ocorreria sua substituição por novas fibras de colágeno e elastina.10

Com base nesses princípios, em 2006 desenvolveu-se a terapia de indução percutânea de colágeno.10

O aparelho utilizado no tratamento é um rolo cravejado com microagulhas finas, em linhas nas quais, dependendo do fabricante, pode variar a quantidade de agulhas, assim como seu comprimento, de 0,25mm até 3mm, com cerca de 0,1mm de diâmetro.10

Por ser procedimento que abre canais entre os queratinócitos da epiderme, ativos tópicos costumam ser utilizados para potencializar o resultado do tratamento.9,11,12

A partir da lesão causada pelas agulhas, inicia-se processo inflamatório de cicatrização que possui três fases: injúria, cicatrização e maturação.

Na fase de injúria ocorre liberação de plaquetas e neutrófilos responsáveis pela liberação de fatores de crescimento com ação sobre os queratinócitos e os fibroblastos.

Na cicatrização, os neutrófilos são substituídos por monócitos, e ocorrem angiogênese, epitelização e proliferação de fibroblastos, seguidas da produção de colágeno tipo III, elastina, glicosaminoglicanos e proteoglicanos. Paralelamente, o fator de crescimento dos fibroblastos é secretado pelos monócitos. Aproximadamente cinco dias depois da injúria a matriz de fibronectina está formada, possibilitando o depósito de colágeno logo abaixo da camada basal da epiderme.

Na fase de maturação, o colágeno tipo III que é predominante na fase inicial do processo de cicatrização, vai sendo lentamente substituído pelo colágeno tipo I, mais duradouro.11,12

Recentemente foi descrita a utilização dessa técnica não para promover melhora do colágeno, mas sim para tratamento de melasmas faciais não responsivos aos tratamentos convencionais.13 Nesse trabalho o procedimento foi realizado sem a utilização da técnica de drug delivery, ou seja, sem o uso de ativos tópicos durante o procedimento, apresentando resultado satisfatório em 100% dos pacientes no clareamento das manchas.

 

EXPERIENCIA DOS AUTORES

Paciente do sexo feminino, de 30 anos, apresentou queixa de manchas hipercrômicas circulares na região inguinal bilateralmente após queimadura com laser de Alexandrite para epilação realizada 20 meses antes (Figura 1). Foram utilizados produtos tópicos, como hidroquinona e fórmula tríplice, por longos períodos, sem resposta. Inicialmente foi realizada uma sessão de peeling com solução de Jessner, com clareamento discreto das manchas inguinais, seguida por mais duas sessões semelhantes, porém já sem resposta clínica (Figura 2). Um ano após as tentativas frustradas dos tratamentos anteriores para clareamento da HPI, realizou-se a técnica de indução percutânea de colágeno, utilizando aparelho Genosys (Genosys Brasil. PLK Log. Health/Medical/Pharmaceuticals) com agulhas de 0,5mm de comprimento.

O procedimento foi realizado sob anestesia tópica prévia, com lidocaína 4% (Dermomax, Ferndale Industries Inc., EUA — Biosintética Farmacêutica, Aché Laboratórios Farmacêuticos). Após assepsia com clorexidine 2% em solução aquosa foram realizados movimentos de vai e vem, com pressão moderada na região afetada, aproximadamente dez passadas numa mesma direção e pelo menos quatro cruzamentos, até obtenção de orvalho sangrante. O local foi limpo com soro fisiológico após o término do tratamento e nenhuma substância foi aplicada com intuito de drug delivery. Foi realizado curativo, sem remoção do sangue no local.

A paciente foi orientada a usar na região ácido fusídico e mometasona uma vez ao dia, durante três dias e regenerador cutâneo duas vezes ao dia até a completa cicatrização da injúria cutânea provocada.

Aproximadamente uma semana após o procedimento, a paciente foi orientada a reiniciar o uso de clareadores tópicos locais, ácido azelaico 20%, pela manhã e hidroquinona 4 % em creme, à noite. Após dois meses da realização da técnica, a paciente foi reavaliada, demonstrando significativo clareamento das lesões (Figura 3).

Embora ela referisse estar muito satisfeita com o tratamento, ainda apresentava algumas manchas; assim, três meses após o primeiro tratamento utilizando a técnica de indução percutânea de colágeno, foi realizada nova sessão, com técnica idêntica à relatada na primeira aplicação, apresentando, 45 dias após, resolução quase completa das lesões (Figura 4).

 

DISCUSSÃO

A hiperpigmentação pós-inflamatória é sequela comum de dermatoses inflamatórias, podendo ser causada por qualquer inflamação da pele. Embora sua fisiopatogenia ainda não tenha sido totalmente elucidada, a HPI ocorre provavelmente devido a um aumento da produção ou deposição de melanina na epiderme e/ou derme pelos melanócitos. resultantes do excesso de estimulação e subsequente transferência para os grânulos de melanina.3

Recomenda-se iniciação precoce do tratamento da hiperpigmentação pós-inflamatória a fim de acelerar sua resolução, e que se comece pelo manejo da condição inflamatória inicial. Terapia de primeira linha, normalmente, consiste na utilização de agentes tópicos despigmentantes, incluindo o uso do protetor solar e inibidores da tirosinase tópica, como hidroquinona, ácidos azelaico e kojico, e arbutin. A terapia tópica é geralmente eficaz no tratamento da hiperpigmentação pós-inflamatória epidérmica; no entanto, certos procedimentos, tais como terapia a laser e peelings químicos, ajudam também a tratar as hiperpigmentações recalcitrantes. Durante a realização desses procedimentos, todavia, deve-se ter em mente o fato de que tratamentos mais agressivos à pele podem agravar a hiperpigmentação pós-inflamatória.1

Não raramente, tratamentos convencionais são ineficazes e muito demorados. Nesses casos, a indução percutânea de colágeno surge como nova proposta terapêutica. Apesar de ainda não sabermos exatamente como o microagulhamento age na redução da hipercromia, o efeito pode ocorrer devido à abertura dos canais da pele, facilitando a eliminação do pigmento e também devido à ativação de fatores de crescimento que, como já mencionado, estão envolvidos no processo da HPI e podem ser modificados com o uso dessa terapêutica.11,12

 

CONCLUSÃO

O efeito do microagulhamento utilizado de maneira isolada para tratamento de hiperpigmentação da pele pode ser terapia promissora, necessitando, entretanto, de estudos para elucidar o mecanismo de ação e até talvez estabelecer melhores protocolos de tratamento para potencializar o efeito terapêutico da técnica.

 

PARTICIPAÇÃO NO ARTIGO:

Sandra Tagliolatto

Metanálise sobre o assunto e interpretação dos dados.

Nancy Vanessa Paranhos Mazon

Obtenção, análise e interpretação dos dados.

 

Referências

1. Davis EC, Callender VD. Postinflammatory hyperpigmentation: a review of the epidemiology, clinical features, and treatment options in skin of color. J Clin Aesthet Dermatol. 2010;3(7):20-31.

2. Cayce KA, McMichael AJ, Feldman SR. Hyperpigmentation: an overview o f the common afflictions. Dermatol Nurs. 2004;16(5):401-6

3. Callender VD1, St Surin-Lord S, Davis EC, Maclin M. Postinflammatory hyperpigmentation: etiologic and therapeutic considerations. Am J Clin Dermatol. 2011;12(2):87-99.

4. Cardinali G, Kovacs D, Picardo M. Mechanisms underlying post-inflammatory hyperpigmentation: lessons from solar lentigo. Ann Dermatol Venereol. 2012;139 Suppl 4:S148-52.

5. Lacz NL, Vafaie J, Kihiczak NI, Schwartz RA. Postinflammatory hyperpigmentation: a common but troubling condition. Int J Dermatol. 2004;43(5):362-5.

6. Postinflammatory hyperpigmentation secondary to external insult: an overview of the quantitative analysis of pigmentation. Cutan Ocul Toxicol. 2013;32(1):67-71.

7. Vandervoort J, Ludwig A. Microneedles for transdermal drug delivery: a minireview. Front Biosci. 2008;13:1711-5.

8. Bariya SH, Gohel MC, Mehta TA, Sharma OP. Microneedles: an emerging transdermal drug delivery system. J Pharm Pharmacol. 2012;64(1):11-29.

9. Aust MC, Fernandes D, Kolokythas P, Kaplan HM, Vogt PM. Percutaneous collagen induction therapy: an alternative treatment for scars, wrinkles, and skin laxity. Plast Reconstr Surg. 2008;121(4):1421-9.

10. Matos MCO. O uso do microagulhamento no tratamento estético de cicatriz de acne [internet]. Rio de Janeiro: IBMR Laureat International Universities. 2014 [cited 2016 Nov 11]. Available from: https://www.henriquecursos.com/site/docs/Marina-TCC-completo2.pdf.

11. Fabbrocini G, Fardella N, Monfrecola A, Proietti I, Innocenzi D. Acne scarring treatment using skin needling. Clin Exp Dermatol. 2009;34(8):874-9.

12. Lima EVA, Lima MA, Takano D. Microagulhamento: estudo experimental e classificação da injúria provocada. Surg Cosmet Dermatol 2013;5(2):1104.

13. Lima EA. Microagulhamento em melasma facial recalcitrante: uma série de 22 casos. An Bras Dermatol. 2015;90(6):917-9.

 

Trabalho realizado na Dermoclinica - Dermatologia e Laser - Campinas (SP), Brasil.


Licença Creative Commons All content the journal, except where identified, is under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International license - ISSN-e 1984-8773