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Diagnóstico por Imagem

Líquen plano pilar: a importância do diagnóstico precoce

Tatiana Cristina Pedro Cordeiro de Andrade1; Tábata Yamasaki Martins1; Agnes Mayumi Nakano Oliveira1; Tatiane Meira Santiago1; Cleverson Teixeira Soares2; Sadamitsu Nakandakari3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201791779

Data de recebimento: 29/2/2016
Data de aprovação: 24/01/2017
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

O líquen plano pilar é desordem rara da ordem das alopecias cicatriciais primárias. Descreve-se um caso de paciente do sexo feminino, portadora de placas eritêmato-descamativas e plugues foliculares em região frontoparietal bilateralmente, associados a teste de tração positivo. Após biópsia compatível com líquen plano pilar, a paciente foi tratada com prednisona associada a clobetasol, apresentando repilação da área acometida. O tratamento dessa patologia é um desafio devido à escassez de dados sobre eficácia das terapêuticas e constante recidiva. Trata-se de quadro irreversível se não for tratado precocemente. É descrito um caso clássico de líquen plano pilar com boa resposta terapêutica, destacando-se a importância do diagnóstico precoce, já que em fase inicial a maioria das alopecias cicatriciais é não cicatricial, devendo, por esse motivo, ser manejada como emergência em tricologia.


Keywords: ALOPECIA; DIAGNÓSTICO PRECOCE; LÍQUEN PLANO


INTRODUÇÃO

Descrito por Pringle em 1985, o líquen plano pilar (LPP) é rara desordem inflamatória mediada por linfócitos,1-3 faz parte das alopecias cicatriciais primárias linfocíticas1,3,4 juntamente com lúpus eritematoso discoide (LED), alopecia central centrífuga cicatricial, pseudopelada de Brocq (PPB) e outras.1 As alopecias cicatriciais apresentam como evolução natural a destruição do folículo piloso e substituição por fibrose.1,2

O LPP apresenta curso crônico, evolução imprevisível e provável patogênese autoimune,2,3 com processo inflamatório contra autoantígeno desconhecido.1 Drogas, infecções, fatores genéticos e anormalidades imunológicas são descritos como possíveis fatores desencadeantes.1

Descrevemos caso com manifestações clássicas de LPP destacando-se a importância do diagnóstico precoce.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, com 43 anos de idade, referia eritema e descamação no couro cabeludo de início há três meses com prurido intenso associado a queda de cabelo. Referia o uso de clobetasol tópico prévio sem melhora. Negava comorbidades ou uso de quaisquer outras medicações. Ao exame dermatológico apresentava placas eritêmato-descamativas com plugues foliculares na região frontoparietal bilateralmente, (Figura 1) e teste de tração positivo. À tricoscopia observou-se eritema perifolicular e interfolicular associado a escamas perifoliculares tubulares (Figura 2). Ao exame, havia ausência de alterações ungueais ou na mucosa. Foram aventadas hipóteses de LPP e dermatite seborreica. A biópsia da lesão mostrou exame anatomopatológico compatível com LPP (Figura 3). Foram solicitados exames laboratoriais gerais, sorologias que resultaram sem alterações. Iniciou-se o uso de prednisona via oral 40mg/ dia, associada a clobetasol 0,05% tópico duas vezes ao dia mais hidratação. A paciente evoluiu com grande melhora clínica 30 dias após início do tratamento (Figura 4). Foi então iniciado o desmame do corticoide até sua suspensão. A paciente continua em acompanhamento apresentando repilação da área acometida, hoje com quatro meses de remissão após a retirada total dos corticoides sistêmico e tópico (Figura 5).

 

DISCUSSÃO

O LPP é considerado variante do líquen plano (LP) com envolvimento folicular1,2 e pode ser dividido em três formas: a clássica, a alopecia frontal fibrosante (AFF) e a síndrome de Graham-Little-Piccardi-Lasseur (SdGL).1-3 Elas se distinguem pela distribuição no couro cabeludo e pela faixa etária do paciente, mas apresentam características que podem sobrepor-se, como inflamação perifolicular, hiperqueratose folicular e alopecia cicatricial.2

Na AFF é característico o acometimento em faixa da área frontotemporal de mulheres após a menopausa com associação a lesão da sobrancelha em percentual que varia de 50 a 83% dos pacientes.1,3 E na SdGL observamos a tríade da alopecia cicatricial no couro cabeludo precedendo alopecia não cicatricial nas axilas e na virilha, acompanhada de pápulas foliculares liquenoides generalizadas.1,3

O caso relatado é compatível com LPP clássico, o mais comum em mulheres1-3 e que se inicia frequentemente entre a quinta e a sétima década de vida.2,3 O envolvimento do couro cabeludo é desigual, em placas, principalmente no vértice1-3,5,6 e na região parietal, como foi observado nessa paciente, embora qualquer região do escalpo possa ser acometida.2,3

Os primeiros sinais clínicos observados são hiperqueratose e plugues foliculares e eritema perifolicular,3,5,6 associados ao teste de tração positivo.3 Na tricoscopia de quadros iniciais observamos eritema perifolicular e interfolicular associado a escamas perifoliculares tubulares. Muitos pacientes apresentam nesse estádio5 diagnóstico equivocado de dermatite seborreica, atrasando o tratamento e piorando o prognóstico. Tardiamente cicatrizes atróficas substituem as lesões, com perda definitiva dos orifícios foliculares tornando-as irreversíveis.1-3,5,6

A queixa de prurido e queimação é comum,1,3,5,6 e a associação com lesões de LP cutâneo, ungueal e de mucosas também.1 Estima-se, que no momento do diagnóstico, 17 a 28% dos pacientes têm evidências de LP,3 em outros locais do corpo, advinda desse fato a importância do exame físico completo.1,3,5

O diagnóstico diferencial é feito com dermatite seborreica, LED e PPB.1 É necessária a biópsia das lesões para diferenciálas no estádio inicial.3,6 O histopatológico do LPP mostra inflamação com hiperplasia epitelial, hiperceratose e degeneração da camada basal.1-3 O infiltrado linfocitário perifolicular lesa principalmente a região entre o infundíbulo e o istmo, evoluindo com a destruição do bulge.2,3,5,6 Se o LPP não estiver em expansão com inflamação perifolicular e hiperceratose, é impossível distingui-lo da PPB,1-3 que alguns autores não consideram entidade distinta, mas antes estádio final de LPP.1,3

O tratamento de LPP constitui desafio devido à escassez de dados sobre a eficácia de terapias e resposta inconsistente ao tratamento com constantes recidivas.1,3,5,7,8 No entanto, é irreversível se não tratado inicialmente; portanto, diagnóstico e tratamento precoces são mandatórios.1,3,8 É pouco provável o crescimento de cabelos em áreas de alopecia já existente; assim, os objetivos do tratamento são melhorar os sintomas do paciente e deter a progressão da doença.1-3,8

Como terapêutica de primeira linha relata-se o corticoide tópico de alta potência7,8 (nível de evidência B) com 66 a 70% de remissão e/ou acetonido de triancinolona intralesional (nível de evidência D) com 40 a 50% de remissão.8 Se não ocorrer resposta em quatro meses, deve-se alternar métodos.3,8 Em segunda linha fica a terapia sistêmica, que é ideal para quadros rapidamente progressivos ou que não tiveram resposta com tópicos.3,8 Geralmente se associam a primeira e a segunda linha, como foi a opção no caso aqui relatado, caracterizado pela rápida progressão e história de uso prévio de corticoide tópico sem melhora.

Entre as opções da segunda linha temos corticoide oral com 82% de remissão em um ano.8 A dose preconizada corresponde a prednisona 1mg/kg/dia ou 30-40mg/dia retirada em até quatro meses.1,3,8 Quanto aos antimaláricos, Chiang et al. relatam melhora de 69% em seis meses e 83% em 12 meses com base no escore de atividade de LPP, com o uso de hidroxicloroquina.5 Donati et al., porém, contestaram a melhora desse escore basicamente clínico e realizaram estudo de acompanhamento fotográfico com o uso de hidroxicloroquina, que não demonstrou bons resultados.4 Em casos refratários uma opção descrita é ciclosporina oral.1,3,8

Outras opções terapêuticas são os retinoides orais, tetraciclina, talidomida e micofenolato de mofetil, relatadas, entretanto, em estudos pequenos.3,8 O antagonista do PPAR (peroxisome proliferator activated receptor-γ) a pioglitazona não demonstrou resultados duradouros.9

Em casos com evolução para alopecia cicatricial, o transplante capilar é uma opção, porém há risco de recidiva da doença em áreas transplantadas. Assim, sugere-se que se aguardem dois anos sem atividade da doença para sua indicação, sendo que o paciente deve ser avisado de que a integração dos enxertos pode estar diminuída.2

Descrevemos um caso raro de LPP com boa resposta terapêutica, destacando a importância do diagnóstico precoce, já que na fase inicial a maioria das alopecias cicatriciais é não cicatricial, devendo, por isso, ser manejada como emergência em tricologia.

 

Referências

1. Ross EK, Tan E, Shapiro J. Update on primary cicatricial alopecias. J Am Acad Dermatol. 2005;53(1):1-37; quiz 38-40.

2. Crisóstomo MR, Crisóstomo MCC, Crisóstomo MGR, Gondim VJT, Crisóstomo MR, Benevides NA. Perda pilosa por líquen plano pilar após transplante capilar: relato de dois casos e revisão da literatura. An Bras Dermatol. 2011;86(2):359-62.

3. Assouly P, Reygagne P. Lichen planopilaris: update on diagnosis and treatment. Semin Cutan Med Surg. 2009;28(1):3-10.

4. Donati A, Assouly P, Matard B, Jouanique C, Reygagne P. Clinical and photographic assessment of lichen planopilaris treatment efficacy. J Am Acad Dermatol. 2011;64(3):597-8.

5. Chiang C, Sah D, Cho BK, Ochoa BE, Price VH. Hydroxychloroquine and lichen planopilaris: efficacy and introduction of Lichen Planopilaris Activity Index scoring system. J Am Acad Dermatol. 2010;62(3):387-92.

6. Meinhard J, Stroux A, Lünnemann L, Vogt A, Blume-Peytavi U. Lichen planopilaris: Epidemiology and prevalence of subtypes - a retrospective analysis in 104 patients. J Dtsch Dermatol Ges. 2014;12(3):229-35, 229-36.

7. Rácz E, Gho C, Moorman PW, Noordhoek Hegt V, Neumann HA. Treatment of frontal fibrosing alopecia and lichen planopilaris: a systematic review. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2013;27(12):1461-70.

8. Harries MJ, Sinclair RD, Macdonald-Hull S, Whiting DA, Griffiths CE, Paus R. Management of primary cicatricial alopecias: options for treatment. Br J Dermatol. 2008;159(1):1-22.

9. Spring P, Spanou Z, de Viragh PA. Lichen planopilaris treated by the peroxisome proliferator activated receptor-γ agonist pioglitazone: lack of lasting improvement or cure in the majority of patients. J Am Acad Dermatol. 2013;69(5):830-2.

 

Trabalho realizado no Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL) - Bauru (SP), Brasil.


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