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Artigo Original

Retalho mediofrontal para reconstrução nasal

Estevão José Muller Uliano1; Gustavo Palmeira Valter1; Daniel Ongoratto Barazzetti1; Jorge Bins Ely2; Vilberto Vieira3; Camila Bussolo Schmitt4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2017892

Data de recebimento: 22/02/2017
Data de aprovação: 24/03/2017
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: O retalho mediofrontal foi descrito 600 anos antes de Cristo para a reconstrução nasal, mas é ainda muito utilizado na reconstrução das lesões nasais tumorais.
Objetivo: Relatar a experiência de um serviço universitário de cirurgia plástica no uso desse retalho.
Métodos: Foi realizado o estudo restrospectivo descritivo de uma série de 35 casos operados em período de dez anos e seis meses.
Resultados: A idade média dos pacientes foi de 68,6 anos com predomínio do gênero masculino. O retalho mediofrontal foi utilizado para reconstrução após ressecção de tumores, sendo o carcinoma basocelular o mais frequente.
Conclusões: O retalho mediofrontal representa a escolha ideal reconstrutiva para muitos pacientes com bom resultado estético e funcional.


Keywords: RETALHOS CIRÚRGICOS; RECONSTRUÇÃO; NARIZ; NEOPLASIAS NASAIS


INTRODUÇÃO

A história da reconstrução nasal é muito antiga. Na Índia antiga, quando o adultério era punido com a amputação do nariz, já existiam relatos de cirurgias reconstrutoras realizadas em região nasal.1

A pele do nariz é um dos locais mais comuns para o câncer de pele e uma das regiões anatômicas mais complexas para a reconstrução.2 Os primeiros avanços na busca de técnicas para melhorar os resultados do retalho nasal ocorreram entre 1874 e 1879 feitas por Carpue et al., que propuseram dobrar a extremidade dos retalhos frontais para redução da área cruenta, diminuindo assim infecção, fibrose e retração e proporcionando melhores resultados estéticos.3,4 Hoje o retalho frontal paramediano é um procedimento-padrão em cirurgia nasal reconstrutiva, proporcionando a reconstrução de grandes defeitos nasais.

Os tumores de pele hoje constituem a principal indicação para a cirurgia de reconstrução nasal.5 O carcinoma basocelular é o tumor mais comum dessa região, seguido pelo carcinoma espinocelular.1 Florianópolis é uma das cidades do país em que se encontra grande incidência de tumores cutâneos, devido ao fato de que a maioria da população é caucasiana e tem o hábito de exposição solar.

Este trabalho tem como objetivo demonstrar a versatilidade do retalho mediofrontal nas reconstruções nasais extensas. O serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU-UFSC) procura utilizar essa técnica como padrão, facilitando o aprendizado e gerando bons resultados com menor número de intervenções.

 

MÉTODOS

Estudo retrospectivo descritivo de uma série de casos, com base na revisão de prontuários e banco de imagens de pacientes portadores de tumores no nariz, operados no serviço de cirurgia plástica e queimados do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, no período de janeiro de 2005 a junho de 2015.

As variáveis analisadas foram: idade, sexo, tipo histológico, subunidades nasais afetadas, complicações pós-operatórias, tipo de anestesia, recidiva tumoral e número de intervenções cirúrgicas. Foram consideradas as subunidades anatômicas nasais citadas na literatura:6 1- teto nasal, 2- dorso, 3- lateral, 4- ponta, 5- asa, 6- columela

A análise estatística foi realizada com auxílio do programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences) versão 19.0. As variáveis contínuas foram apresentadas em médias e desvio-padrão, e as categorias, em números absolutos e percentuais. Foi utilizado o teste T de Student para comparação de médias e adotado nível de significância (alfa) de 5%.

Quanto aos aspectos éticos do trabalho, foram seguidos rigorosamente os princípios de Helsinki revisada em 2013. Os pacientes assinaram termo de consentimento permitindo a utilização de seus dados de prontuários, bem como a publicação de suas imagens.

 

DESCRIÇÃO DA TÉCNICA UTILIZADA

O retalho mediofrontal é o padrão ouro para qualquer reconstrução nasal pela grande extensão de tecido que fornece, com boa semelhança de cor e textura com a pele do nariz. A cirurgia pode ser realizada sob sedação ou preferencialmente com anestesia geral. Antes da realização do retalho mediofrontal, o defeito primário deve ser avaliado. Após avaliação e marcação, o paciente é colocado em decúbito dorsal, realizando-se infiltração local com solução anestésica e hemostática, e ressecção da lesão com margens de segurança.

Para a realização do retalho mediofrontal foi adotada a técnica que se segue.

1. Manutenção do padrão axial sempre que possível.

2. Utilização de pedículo ipsilateral ao defeito com largura variável de 1,3 a 1,5cm, localizado a 2cm da lateral da linha média.

3. A elevação do retalho se inicia distalmente. O terço superior é elevado somente com pele e tecido subcutâneo. No terço médio da região frontal a dissecção é aprofundada, englobando o músculo no retalho.

4. Em seguida, 1cm acima da sobrancelha, a dissecção é realizada subperiostealmente prosseguindo-se até a rima da órbita seguindo a configuração da artéria supratroclear, conforme mostra a figura 1 A.

5. Segue-se a rotação medial do pedículo.

6. A inserção do retalho na área receptora se faz mediante sutura com fio absorvível em toda a sua borda, com o intuito de diminuir o risco de sangramento pós-operatório.

7. As áreas doadoras, em caso de perda óssea e/ou cartilaginosa, como primeira opção são as cartilagens septal e conchal.

8. No terço inferior da região frontal é realizada sutura primária, e nos dois terços superiores adota-se a cicatrização por segunda intenção.

9. Entre quatro e seis semanas depois realiza-se a secção do pedículo, com anestesia local.

 

RESULTADOS

No período analisado, o serviço realizou 35 cirurgias de reconstrução nasal com retalho mediofrontal, após ressecção de tumores. A respeito da amostra, verificamos que a média de idade foi de 68,6 (±10,8), variando de 36 a 80 anos. O gênero masculino foi o mais prevalente, com 24 (68,6%). A respeito do tipo histológico, o carcinoma basocelular predominou, com 19 casos (54,3%), seguido do carcinoma espinocelular, com 16 casos (45,7%). A subunidade anatômica nasal predominante foi a "5-6". A tabela 1 retrata as características dos pacientes incluídos no presente estudo.

A respeito das complicações perioperatórias, verificamos prevalência de dois casos (5,7%) de necrose de ponta nasal, três (8,6%) de hematomas e um (2,9%) de infecção. Os hematomas se manifestaram nas primeiras seis horas, sendo os três casos submetidos a reintervenções. Um caso apresentou infecção, sendo necessária antibioticoterapia via oral durante sete dias. A anestesia geral foi a mais utilizada, em 33 casos (94,2%). Durante o período de seguimento, três pacientes (8,6%) apresentaram recidiva tumoral. O número médio de intervenções foi de 2,49, com desvio-padrão de 0,81, variando do mínimo de duas ao máximo de cinco. A tabela 2 apresenta as características perioperatórias dos pacientes.

Na figura 1A podemos evidenciar o paciente no pré-operatório, na figura 1B observa-se a marcação da ressecção do tumor no dorso nasal, e a figura 1C ilustra o transoperatório após ressecção do tumor com marcação do retalho mediofrontal. A figura 1D apresenta o pós-operatório imediato, e a figura 1E, o pós-operatório 60 dias depois.

 

DISCUSSÃO

O retalho mediofrontal é o padrão ouro para qualquer reconstrução nasal dadas a quantidade de tecido que fornece e a semelhança de cor e textura com a pele do nariz.7 As indicações de reconstrução nasal decorrem de casos multifatoriais; no presente estudo esse retalho foi utilizado após a ressecção de tumor nasal em 35 casos operados no Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados do HU-UFSC.

Os tumores, principalmente o carcinoma basocelular e o carcinoma epidermoide, constituem a principal indicação cirúrgica das reconstruções nasais.5 O carcinoma basocelular (CBC) foi o subtipo histológico mais frequente encontrado (54,3%) após ressecção da lesão, seguido do carcinoma espinocelular (45,7%), corroborando dados da literatura.8 A pirâmide nasal é o local mais comum de surgimento de tumores malignos na cabeça e no pescoço, particularmente em áreas expostas ao sol.9

No presente estudo observou-se maior incidência de lesões na asa e na columela, subunidades 5-6 (37,1%); na literatura, entretanto, os relatos são de maior incidência de lesão em dorso nasal (41,50%).5

Verificou-se que a média de idade dos pacientes operados foi de 68,6 (±10,8), variando de 36 a 80 anos. De acordo com a literatura, sabe-se que os idosos apresentam mais neoplasias cutâneas em relação à população mais jovem.1

Nos casos relatados o gênero masculino foi o mais prevalente, com 24 ocorrências (68,6%). Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca,) há risco estimado de 100,75 casos novos a cada 100 mil homens e 82,24 a cada 100 mil mulheres para surgimento de neoplasias cutâneas não melanoma.10

A escolha do método reconstrutivo baseia-se no tamanho, na localização e na profundidade do defeito a ser corrigido; no presente estudo foi utilizado o retalho médio frontal como melhor opção terapêutica para os casos a reconstruir. Os resultados foram satisfatórios para o paciente e para a equipe médica. Os refinamentos na maioria dos casos são necessários sendo a média de intervenções encontrada no trabalho de 2,49 com desvio-padrão de 0,81 (variando de duas a cinco). Uma coorte publicada por Santos Stahl et al.11 em 2013 mostra que realizar a reconstrução em dois estágios em em vez de três, para refinamento do retalho, não aumenta o índice de complicações, como isquemia parcial ou necrose do retalho.

A operação pode ser realizada sob sedação ou preferencialmente com anestesia geral, a qual foi utilizada em 94,2% das cirurgias. O padrão ouro no tratamento de neoplasias cutâneas é a retirada da lesão seguida pela realização de exame de congelação para definição de margens cirúrgicas. Infelizmente em nosso serviço não possuímos rotina dessa abordagem por dificuldades eventuais na realização do exame. A maioria das ressecções foi realizada pela equipe de Cirurgia da Cabeça e Pescoço. Em cinco casos foi realizada reconstrução tardia.

As complicações potenciais do retalho mediofrontal incluem sangramento, dor, cicatrização inadequada, infecção, deiscência, distorção de margens livres e necrose do retalho.12 Dos casos avaliados, 17,2% apresentaram complicação pós-operatória, sendo o hematoma o tipo mais comum. Os casos que evoluíram com hematoma precisaram de reabordagem cirúrgica.

 

CONCLUSÃO

O retalho frontal representa a escolha ideal reconstrutiva em muitos pacientes e pode ser realizado com segurança e confiabilidade em ambiente hospitalar.

Essa técnica permite a restauração da função a que se destina o nariz, mantendo boa permeabilidade ventilatória e bom resultado estético. Em nosso serviço, portanto, foi a técnica padronizada para reconstrução nasal após ressecção de neoplasias.

 

Referências

1. Mélega JM. Cirurgia plástica fundamentos e arte - cirurgia reparadora de cabeça e pescoço. Vol. 2. Rio de Janeiro: MEDSI; 2002.

2. Converse JM. Corrective and reconstructive surgery of the nose. In: Converse JM, editor. Reconstructive plastic surgery. 2nd ed. Philadelphia: Saunders; 1977. p. 87-189.

3. Rohrich RJ, Barton FE, Hollier L. Nasal reconstruction. 5th ed. In: Aston SJ, Beasley RW, Thorne CHM, editors. Grabb and Smith's plastic surgery. Philadelphia: Lippincott-Raven; 1997. p. 513-29.

4. Talmant JC. Reconstruction du Nez. In: EMC. Techniques chirurgicales: chirurgie plastique reconstructive et esthétique. Vol. 1. Paris: Elsevier; 2000. p. 325-41.

5. Soares VR. Reconstrução de nariz em neoplasias. Rev Bras Med. 1975;32(1):3-9.

6. Burget GC, Menick FJ. The subunit principle in nasal reconstruction. Plast Reconstr Surg. 1985;76(2):239-47.

7. Pitanguy I, Franco T, Escobar R. Reconstrução de nariz. Trib Med.1968;345:22-4.

8. Filho MVPS, Kobig RN, Barros PB, Dibe MJA, Leal PRA. Reconstrução nasal: Análise de 253 casos realizados no Instituto Nacional de Câncer. Rev Bras Cancerologia. 2002;48(2):239-45.

9. Chiummariello S, Dessy LA, Buccheri EM, Gagliardi DN, Menichini G, Alfano C, et al. An approach to managing non-melanoma skin cancer of the nose with mucosal invasion: our experience. Acta Otolaryngol. 2008;128(8):915-9.

10. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2014: incidência de câncer no Brasil [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2014. Available from: http://www.inca.gov.br/estimativa/2014/estimativa-24042014.pdf

11. Santos Stahl A, Gubisch W, Fischer H, Haack S, Meisner C, Stahl S. A cohort study of paramedian forehead flap in 2 stages (87 flaps) and 3 stages (100 flaps). Ann Plast Surg. 2015;75(6):615-9.

12. Little SC, Hughley BB, Park SS. Complications with forehead flaps in nasal reconstruction. Laryngoscope. 2009;119(6):1093-9.

 

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia do Hospital Universitário Polydoro Ernani São Thiago da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – Florianópolis (SC), Brasil.


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