Clarissa Prieto Herman Reinehr1; Juliana Cattucci Boza2; Roberta Horn3
A hipercromia pós-inflamatória é sequela importante de dermatoses inflamatórias. Além dos tratamentos tópicos despigmentantes, os peelings químicos podem ser efetivos em seu tratamento. O presente relato descreve um caso de hipercromia pós-inflamatória após tratamento de líquen plano manejado com peelings de ácido tioglicólico. O ácido tioglicólico a 30% aplicado na forma de peeling é descrito como opção terapêutica com resultados discretos, podendo ser considerado um aliado no manejo dessa afecção dermatológica.
Keywords: ABRASÃO QUÍMICA; TIOGLICOLATOS; HIPERPIGMENTAÇÃO
A hipercromia pós-inflamatória (HPI) é sequela importante de dermatoses inflamatórias.1 Pode suceder inúmeras dermatoses, e seu tratamento é desafiador.1 Relatamos um caso de hipercromia pós-inflamatória que seguiu quadro de líquen plano extenso tratada com peelings de ácido tioglicólico (AT).
Paciente do sexo feminino de 54 anos, procurou atendimento devido a lesões orais assintomáticas, além de lesões cutâneas pruriginosas com sete meses de evolução. Ao exame, apresentava pápulas liquenoides violáceas nos membros superiores, tronco e pescoço, sem lesões orais. A biópsia de uma das lesões foi compatível com líquen plano, e o tratamento com prednisona 20mg/dia foi instituído. Três meses após o término do tratamento, a paciente apresentava HPI nos membros inferiores e desejava tratá-la (Figura 1). Iniciou-se uso de hidroquinona 4% e ácido glicólico 10% em creme, que perdurou por quatro meses sem sucesso, e, após, introduziu-se formulação tríplice (hidroquinona 4% + tretinoína 0,05% + fluocinolona 0,1%) com pouca resposta após três meses de uso. Devido à ineficácia das terapêuticas, optou-se pela realização de peelings de AT 30% em gel com intervalos quinzenais. Os peelings foram realizados iniciando-se com a aplicação do gel de AT 30% durante dois minutos. A cada nova sessão o tempo de exposição da pele ao AT foi aumentado três minutos, até que fosse atingido o máximo de 15 minutos. Atingido o tempo de exposição do peeling em cada sessão, realizou-se a neutralização do AT através de limpeza com gaze umedecida em água destilada e soro fisiológico. Seis sessões foram realizadas. O uso diário de fórmula despigmentante de AT 1,5% e ácido trenaxêmico 3% à noite foi associado para potencializar o tratamento com peelings. A paciente foi orientada quanto à importância da fotoproteção diária, utilizando filtro com FPS 50, além de proteção física.
Houve melhora parcial da HPI com clareamento das lesões conforme pode ser observado na fotografia evolutiva (Figura 2).
A hipercromia pós-inflamatória (HPI) é sequela importante de dermatoses inflamatórias, e seu manejo representa um desafio para os dermatologistas.1
A HPI pode ser decorrente de inúmeras dermatoses, nas quais se inclui o líquen plano.1,2 A patogênese não está completamente elucidada, mas sabe-se que resulta da produção acentuada de melanina ou do depósito irregular da mesma após dispersão decorrente da ação de mediadores do processo inflamatório.1 A intensidade da HPI é maior nas dermatoses em que o processo inflamatório é crônico, recorrente e quando ocorre dano à camada basal.2
Quando a HPI é confinada à epiderme observa-se coloração acastanhada e há aumento na produção e transferência de melanina aos queratinócitos. Descreve-se também a presença de componente hemossiderótico nas lesões. Se não for tratada tende à resolução espontânea após meses ou anos.1 Na derme, observa-se coloração azul-acinzentada e dano à camada basal com depósito de melanina nas camadas mais superiores da derme. Esses depósitos são fagocitados e formam melanófagos.1,2 A remoção da melanina depositada na derme é processo muito lento.1
O tratamento da HPI se inicia cuidando-se da doença de base, porém é necessário cautela, pois o manejo da dermatose subjacente pode ocasionar ou exacerbar a HPI.1 Após o controle da dermatose, procede-se ao tratamento da HPI com agentes despigmentantes tópicos e procedimentos como peelings químicos e aplicações de laser.1 A fotoproteção é essencial em qualquer modalidade terapêutica e não deve ser subestimada.1 Deve ser realizada através do uso diário de fotoprotetores contendo agentes físicos associados aos químicos e também através de proteção física para radiação ultravioleta.1
É essencial realizar o registro fotográfico da HPI pré-tratamento e no decurso do processo para a avaliação dos resultados obtidos.
A terapia de primeira escolha na HPI consiste na aplicação tópica de hidroquinona 4% associada à fotoproteção, sendo mais efetiva e bem tolerada se associada à tretinoína e ao corticosteroide tópico, como ocorre em formulações tríplices clareadoras (hidroquinona 4% + tretinoína 0,05% + fluocinolona acetonido 0,1%), pois a combinação permite maior penetração com redução do potencial irritativo.1 No caso descrito, a paciente não apresentou resposta terapêutica com uso de fórmula de Kligman. A hidroquinona tem efeito limitado quando o pigmento está depositado na derme.2 Nos casos resistentes, após período de oito a 12 semanas de tratamento podem ser associados outros agentes despigmentantes tópicos (ácidos azelaico ou kójico, tretinoína, extrato de licorice, despigmentantes derivados da soja), estando também indicada a terapêutica com peelings químicos, de forma isolada ou associada aos tratamentos tópicos, como foi realizado em nossa paciente, e uso de terapias com luz/laser (terapia fotodinâmica com luz azul, fototermólise seletiva e laser Nd:YAG).1,2
As discromias, dentre elas HPI, são indicações para a realização de peelings.1 Os peelings químicos superficiais costumam ser efetivos no tratamento da HPI quando adequadamente aplicados, sendo opções possíveis o ácido glicólico 20-70%, o ácido salicílico 20-30%, o ácido tricloroacético 10-25% ou a solução de Jessner. O preparo da pele com fórmula contendo hidroquinona 4% durante 15 dias potencializa os resultados.
O ácido tioglicólico (AT) ou ácido mercaptoacético pertence à classe dos tioglicolatos, substâncias solubilizantes de depósitos hemossideróticos.3 O AT apresenta enxofre em sua composição, é altamente solúvel em água, álcool e éter, e facilmente oxidável.4 O uso do agente como despigmentante em concentrações que variam entre 0,5 e 30% foi relatado por Izzo e Verzella em 1998.3 Seu uso tópico na forma de peelings em geral não provoca dor ou eritema.5 Sensibilização raramente ocorre, e a descamação decorrente é leve e transitória.5 Na literatura a aplicação semanal ou quinzenal com veículo em gel é recomendada, com o total de cinco a seis sessões.4,5 Inicia-se com aplicação do gel de AT durante dois minutos, e a cada sessão são adicionados mais três minutos, até que seja atingido o período máximo de 15 minutos de aplicação.4
No caso relatado, como a HPI não apresentou resposta satisfatória com tratamentos clareadores comuns, optou-se pela realização de peelings de AT a 30% com sessões em intervalos quinzenais, associando-se despigmentante tópico, e possibilitando assim o sinergismo entre as técnicas adotadas, com bom resultado.
Para hipercromia periorbitária a literatura menciona a concentração a 10% em gel.4 A mesma concentração foi utilizada no tratamento de doença de Schamberg nos membros inferiores.5 Como não encontramos dados na literatura descrevendo o uso de AT 30% na HPI, optamos pela concentração de 30% e observamos a tolerância da paciente a cada aplicação, com especial atenção para qualquer sinal de irritação local que necessitasse da suspensão do tratamento.
Algumas considerações são pertinentes na discussão desse caso. Em primeiro lugar, como a paciente fez uso da associação de tratamento tópico despigmentante com os peelings de AT, não é possível definir o quanto da melhora obtida foi resultado apenas dos peelings, podendo a melhora ser decorrente do uso dos despigmentantes tópicos. Estudos posteriores avaliando peelings de AT isoladamente, e até mesmo comparando-os com o uso isolado de despigmentantes tópicos poderão elucidar essa questão. Além disso, a discreta melhora observada pode ter sido espontânea, uma vez que o fato ocorre durante a evolução natural da HPI.
Frente aos achados consideramos que o peeling de AT pode ser considerado aliado terapêutico no tratamento de HPI resistentes e que não apresentem melhora com os tratamentos de primeira linha, podendo ser utilizado em associação com os tratamentos tópicos despigmentantes para potencialização dos resultados. Além disso, uma vez que os resultados obtidos foram discretos e realizados em apenas uma paciente, consideramos que estudos reproduzindo essa técnica de forma isolada e com maior número de pacientes se fazem necessários. l
1. Davis EC, Callender VD. Postinflammatory hyperpigmentation: a review of the epidemiology, clinical features, and treatment options in skin of color. J Clin Aesthetic Dermatol. 2010;3(7):20-31.
2. Cestari TF, Dantas LP, Boza JC. Acquired hyperpigmentations. An Bras Dermatol. 2014;89(1):11-25.
3. Izzo, Marcello.Verzella, Gianfranco. The use of thioglycolic acid as depigmenting agent. Eur Pat EP0975321 [Internet]. [cited 2015 Jan 13]; Available from: http://www.freepatentsonline.com/EP0975321B1.html
4. Costa A, Basile AVD, Medeiros VLS, Moisés TA, Ota FS, Palandi JAC. 10% thioglycolic acid gel peels: a safe and efficient option in the treatment of constitutional infraorbital hyperpigmentation. Surg Cosmet Dermatol. 2010;2(1):29-33.
5. Hammerschmidt M, Gentili AC, Hepp T, Mukai MM. Peeling de ácido tioglicólico na doença de Schamberg. Surg Cosmet Dermatol. 2013;5(2):165-8.
Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil.