Maria Lopes Lamenha Lins Cavalcante1; Ana Cecília Duarte Pinto1; Fernanda Freitas de Brito1; Gardênia Viana da Silva2; Sadamitsu Nakandakari3; Cleverson Teixeira Soares4
O carcinoma espinocelular relaciona-se à exposição à radiação UVB e à presença de lesões cutâneas crônicas. A foliculite decalvante é alopecia cicatricial que cursa com inflamação do couro cabeludo. Na literatura médica, é rara a associação entre foliculite decalvante e carcinoma espinocelular, o que motivou o relato desse caso. Paciente do sexo masculino, 66 anos, portador de foliculite decalvante desde a infância, queixava-se de lesões de crescimento progressivo sobre a área de alopecia. A biópsia realizada confirmou carcinoma espinocelular. O relato desse caso abrange o conceito de "úlcera de Marjolin" ao incluir a foliculite decalvante como lesão inflamatória precursora de carcinoma espinocelular.
Keywords: ALOPECIA; CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS; FOLICULITE
O câncer de pele não melanoma é o mais incidente no ser humano, tanto em homens quanto em mulheres. A incidência estimada das neoplasias cutâneas não melanoma, no Brasil em 2014, foi de 98.420 casos novos nos homens e 83.710 nas mulheres.1 O carcinoma espinocelular (CEC) é o segundo câncer de pele mais comum e resulta da proliferação maligna dos queratinócitos. Tem incidência de 100 a 150 por 100.000 habitantes, sendo dez vezes mais frequente nos indivíduos com mais de 75 anos de idade. É doença multifatorial e está relacionada principalmente com exposição à radiação ultravioleta B (UVB), queimaduras na infância, radiação ionizante, pele clara, genodermatoses, infecção por cepas oncogênicas do papiloma vírus humano (HPV), imunossupressão, agentes químicos e lesões cutâneas crônicas.2 A foliculite decalvante (FD) constitui subgrupo raro das alopecias cicatriciais e apresenta curso crônico e recidivante. Embora a causa exata seja desconhecida, a associação com o Staphylococcus aureus e mecanismos imunes têm sido postulada para justificar a destruição folicular. O quadro clínico clássico da FD, descrito por Quinquaud em 1888, caracteriza-se por pústulas foliculares associadas com áreas centrais cicatriciais sem pelos, secundárias à agressão do agente etiológico e/ou processo inflamatório.3 Na literatura, são escassos os casos de pacientes com foliculite decalvante que desenvolveram CEC. Essa rara associação motivou o relato desse caso.
Paciente do sexo masculino, 66 anos, branco, portador de foliculite decalvante com diagnóstico histopatológico feito há 26 anos em serviço de referência. Relata apresentar essas lesões desde a infância. Já fez uso de diversos tratamentos com antibióticos, entre eles tetraciclina e dapsona, com melhora parcial. Encontrava-se sem seguimento ambulatorial há 10 anos. Retornou em abril de 2014, queixando-se de lesões de crescimento progressivo no vértex, sobre a área de alopecia. Não sabia precisar o tempo de evolução. Ao exame dermatológico, apresentava placa de alopecia na referida região do couro cabeludo com politriquia na periferia. No centro dessa área, observavam-se duas lesões: uma exulceração circunferencial de aproximadamente 4cm com borda eritêmato-descamativa encimada por crosta sero-hemática e nódulo de aproximadamente 3cm com superfície recoberta por corno cutâneo (Figura 1). Com esses achados clínicos, aventou-se a hipótese diagnóstica de CEC sobre área de foliculite decalvante. Foram, então, realizadas três biopsias, uma em cada lesão e outra englobando a área de politriquia. Esta última evidenciou "couro cabeludo com fibrose densa, rarefação de folículos pilosos e infiltrado linfoplasmocitário com focos supurativos compatível com foliculite decalvante" (Figura 2), e as outras evidenciaram CEC (Figura 3). O paciente foi encaminhado à avaliação cirúrgica e mantém seguimento no serviço.
A transformação maligna em cicatrizes de queimadura foi descrita pela primeira vez por Jean-Nicholas Marjolin, em 1828.4 Atualmente, a expressão "úlcera de Marjolin" é usada quando neoplasias malignas, especialmente CEC, ocorrem sobre úlceras crônicas, fístulas e cicatrizes de várias etiologias, incluídas as infecciosas, como hanseníase, tuberculose e lobomicose.5,6 Há na literatura um caso descrito de paciente com foliculite decalvante de longa evolução que desenvolveu CEC. A constante produção de citocinas pró-inflamatórias e remodelação do tecido em distúrbios inflamatórios crônicos proporcionam ambiente propício para a transformação maligna. A contribuição relativa de radiação ultravioleta é de difícil avaliação. No entanto, é pertinente a orientação de fotoproteção contínua, bem como a manutenção de seguimento ambulatorial desses pacientes. Dessa forma, o aparecimento de nódulo ou úlcera dentro de uma área de foliculite decalvante requer avaliação clínica cuidadosa e biopsia se houver suspeita de neoplasia.7
1. BRASIL. Ministério da Saúde. Incidência de Câncer no Brasil: estimativa 2014. Rio de Janeiro: INCA; 2015.
2. Terzian LR, Festa Neto C, Pimenta ERA. Fatores preditivos do maior número de estádios na cirurgia micrográfica de Mohs para o tratamento do carcinoma espinocelular da cabeça. An Bras Dermatol. 2008;83(3):221-6.
3. Bunagan MJ, Banka N, Shapiro J. Retrospective Review of Folliculitis Decalvans in 23 Patients with Course and Treatment Analysis of Long-standing Cases. J Cutan Med Surg. 2015;19(1):45-9.
4. Bauk VOZ, Assunção AM, Domingues RF, Fernandes NC, Maya TC, Maceira JP. Úlcera de Marjolin: relato de 12 casos. An Bras Dermatol. 2006;81(4):355-8.
5. Gontijo GMA, Nogueira L, Mendes L, Rodrigues CAC, Santos M, Talhari S, Talhari C. Lobomicose e carcinoma espinocelular. An Bras Dermatol. 2013;88(2):297-9.
6. Maclean GM, Coleman DJ. Three fatal cases of squamous cell carcinoma arising in chronic perineal hidradenitis supurativa. Ann R Coll Surg Engl. 2007;8997):709-12.
7. Yip L, Ryan A, R. Sinclairs R. Squamous cell carcinoma arising within folliculitis decalvans. Br J Dermatol. 2008;159(2):481-2.
Trabalho realizado no Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL) - Bauru (SP), Brasil.