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Relato de casos

Carcinoma espinocelular e foliculite decalvante: relato de caso dessa rara associação

Maria Lopes Lamenha Lins Cavalcante1; Ana Cecília Duarte Pinto1; Fernanda Freitas de Brito1; Gardênia Viana da Silva2; Sadamitsu Nakandakari3; Cleverson Teixeira Soares4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2015731656

Data de recebimento: 01/06/2015
Data de aprovação: 14/09/2015
Suporte financeiro: nenhum
Conflito de interesses: nenhum

Abstract

O carcinoma espinocelular relaciona-se à exposição à radiação UVB e à presença de lesões cutâneas crônicas. A foliculite decalvante é alopecia cicatricial que cursa com inflamação do couro cabeludo. Na literatura médica, é rara a associação entre foliculite decalvante e carcinoma espinocelular, o que motivou o relato desse caso. Paciente do sexo masculino, 66 anos, portador de foliculite decalvante desde a infância, queixava-se de lesões de crescimento progressivo sobre a área de alopecia. A biópsia realizada confirmou carcinoma espinocelular. O relato desse caso abrange o conceito de "úlcera de Marjolin" ao incluir a foliculite decalvante como lesão inflamatória precursora de carcinoma espinocelular.


Keywords: ALOPECIA; CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS; FOLICULITE


INTRODUÇÃO

O câncer de pele não melanoma é o mais incidente no ser humano, tanto em homens quanto em mulheres. A incidência estimada das neoplasias cutâneas não melanoma, no Brasil em 2014, foi de 98.420 casos novos nos homens e 83.710 nas mulheres.1 O carcinoma espinocelular (CEC) é o segundo câncer de pele mais comum e resulta da proliferação maligna dos queratinócitos. Tem incidência de 100 a 150 por 100.000 habitantes, sendo dez vezes mais frequente nos indivíduos com mais de 75 anos de idade. É doença multifatorial e está relacionada principalmente com exposição à radiação ultravioleta B (UVB), queimaduras na infância, radiação ionizante, pele clara, genodermatoses, infecção por cepas oncogênicas do papiloma vírus humano (HPV), imunossupressão, agentes químicos e lesões cutâneas crônicas.2 A foliculite decalvante (FD) constitui subgrupo raro das alopecias cicatriciais e apresenta curso crônico e recidivante. Embora a causa exata seja desconhecida, a associação com o Staphylococcus aureus e mecanismos imunes têm sido postulada para justificar a destruição folicular. O quadro clínico clássico da FD, descrito por Quinquaud em 1888, caracteriza-se por pústulas foliculares associadas com áreas centrais cicatriciais sem pelos, secundárias à agressão do agente etiológico e/ou processo inflamatório.3 Na literatura, são escassos os casos de pacientes com foliculite decalvante que desenvolveram CEC. Essa rara associação motivou o relato desse caso.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 66 anos, branco, portador de foliculite decalvante com diagnóstico histopatológico feito há 26 anos em serviço de referência. Relata apresentar essas lesões desde a infância. Já fez uso de diversos tratamentos com antibióticos, entre eles tetraciclina e dapsona, com melhora parcial. Encontrava-se sem seguimento ambulatorial há 10 anos. Retornou em abril de 2014, queixando-se de lesões de crescimento progressivo no vértex, sobre a área de alopecia. Não sabia precisar o tempo de evolução. Ao exame dermatológico, apresentava placa de alopecia na referida região do couro cabeludo com politriquia na periferia. No centro dessa área, observavam-se duas lesões: uma exulceração circunferencial de aproximadamente 4cm com borda eritêmato-descamativa encimada por crosta sero-hemática e nódulo de aproximadamente 3cm com superfície recoberta por corno cutâneo (Figura 1). Com esses achados clínicos, aventou-se a hipótese diagnóstica de CEC sobre área de foliculite decalvante. Foram, então, realizadas três biopsias, uma em cada lesão e outra englobando a área de politriquia. Esta última evidenciou "couro cabeludo com fibrose densa, rarefação de folículos pilosos e infiltrado linfoplasmocitário com focos supurativos compatível com foliculite decalvante" (Figura 2), e as outras evidenciaram CEC (Figura 3). O paciente foi encaminhado à avaliação cirúrgica e mantém seguimento no serviço.

 

DISCUSSÃO

A transformação maligna em cicatrizes de queimadura foi descrita pela primeira vez por Jean-Nicholas Marjolin, em 1828.4 Atualmente, a expressão "úlcera de Marjolin" é usada quando neoplasias malignas, especialmente CEC, ocorrem sobre úlceras crônicas, fístulas e cicatrizes de várias etiologias, incluídas as infecciosas, como hanseníase, tuberculose e lobomicose.5,6 Há na literatura um caso descrito de paciente com foliculite decalvante de longa evolução que desenvolveu CEC. A constante produção de citocinas pró-inflamatórias e remodelação do tecido em distúrbios inflamatórios crônicos proporcionam ambiente propício para a transformação maligna. A contribuição relativa de radiação ultravioleta é de difícil avaliação. No entanto, é pertinente a orientação de fotoproteção contínua, bem como a manutenção de seguimento ambulatorial desses pacientes. Dessa forma, o aparecimento de nódulo ou úlcera dentro de uma área de foliculite decalvante requer avaliação clínica cuidadosa e biopsia se houver suspeita de neoplasia.7

 

Referências

1. BRASIL. Ministério da Saúde. Incidência de Câncer no Brasil: estimativa 2014. Rio de Janeiro: INCA; 2015.

2. Terzian LR, Festa Neto C, Pimenta ERA. Fatores preditivos do maior número de estádios na cirurgia micrográfica de Mohs para o tratamento do carcinoma espinocelular da cabeça. An Bras Dermatol. 2008;83(3):221-6.

3. Bunagan MJ, Banka N, Shapiro J. Retrospective Review of Folliculitis Decalvans in 23 Patients with Course and Treatment Analysis of Long-standing Cases. J Cutan Med Surg. 2015;19(1):45-9.

4. Bauk VOZ, Assunção AM, Domingues RF, Fernandes NC, Maya TC, Maceira JP. Úlcera de Marjolin: relato de 12 casos. An Bras Dermatol. 2006;81(4):355-8.

5. Gontijo GMA, Nogueira L, Mendes L, Rodrigues CAC, Santos M, Talhari S, Talhari C. Lobomicose e carcinoma espinocelular. An Bras Dermatol. 2013;88(2):297-9.

6. Maclean GM, Coleman DJ. Three fatal cases of squamous cell carcinoma arising in chronic perineal hidradenitis supurativa. Ann R Coll Surg Engl. 2007;8997):709-12.

7. Yip L, Ryan A, R. Sinclairs R. Squamous cell carcinoma arising within folliculitis decalvans. Br J Dermatol. 2008;159(2):481-2.

 

Trabalho realizado no Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL) - Bauru (SP), Brasil.


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