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Relato de casos

Reação nodular ao preenchedor e neuralgia do trigêmeo ipsilateral: acaso ou novo efeito colateral ao preenchedor permanente?

Violeta Duarte Tortelly Costa1; Monica Jidid Mateus Tarazona2; Tassiana Esposito Simão3; Bruno Eduardo Nunes Moraes4; Fabiano Gualtiero Portugal5; Roberto Souto da Silva6; João Carlos Fonseca7

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2015731383

Data de recebimento: 12/08/2013
Data de aprovação: 17/08/2015
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Relata-se caso de paciente do sexo feminino que recebeu preenchimento facial com polimetilmetacrilato e evoluiu com formação tardia de nódulo e neuralgia do trigêmeo ipsilateral. Questiona-se possível relação entre as duas morbidades, que poderiam ter desencadeantes comuns ou relação causal entre si.


Keywords: GRANULOMA; POLIMETILMETACRILATO; NEURALGIA DO TRIGÊMEO


INTRODUÇÃO

Há crescimento contínuo da procura de procedimentos estéticos em todo o mundo. Índices recentes da American Society for Aesthesic Plastic Surgery mostram que, nos Estados Unidos, mais de nove milhões e 500 mil procedimentos estéticos não cirúrgicos foram feitos, constando entre eles os preenchimentos cutâneos.1 A diversidade de opções, segurança dos produtos e o medo de cirurgias invasivas atrelados ao culto à beleza são os principais impulsionadores desses procedimentos ambulatoriais. Consequentemente, têm sido cada vez mais frequentes os efeitos colaterais inerentes ao material utilizado - principalmente os referentes a produtos permanentes - ou à má técnica.2 Relata-se o caso de paciente que recebeu preenchimento facial com polimetilmetacrilato (PMMA) e evoluiu com formação de nódulo e neuralgia do trigêmeo ipsilateral.

 

CASO CLÍNICO

Mulher, 47 anos, refere sentir há três anos dor lancinante e paroxística na hemiface direita. Acompanhada pela Clínica de Neurologia, realizou ressonância magnética e eletroneuromiografia,que não revelaram alterações. As sorologias foram negativas, exceto para o herpes vírus tipo 1. Foi também avaliada pelo Setor de Odontologia, que revelou ausência de alterações dentárias, recebendo então o diagnóstico de neuralgia do trigêmeo. Há dois anos vem notando aumento de volume da região malar e perioral, somente no lado da neuralgia, com piora progressiva nos últimos quatro meses (Figura 1), palpando-se nódulo regional de aproximadamente 2cm de diâmetro (Figura 2). Referiu realização, há quatro anos, de preenchimento do sulco nasogeniano e região malar com PMMA. Foi solicitada ultrassonografia de partes moles da face, que revelou material amorfo na região. Devido ao desgaste psicológico da paciente, não foi possível coletar material para biópsia. Por meio de elementos clínicos, história atual e prévia, e achados da ultrassonografia, inferiu-se o diagnóstico de granuloma de corpo estranho ao PMMA. Iniciou-se tratamento com prednisona 1mg/kg/dia e doxiciclina 100mg/dia com melhora parcial em três semanas (Figura 3).

 

DISCUSSÃO

Os preenchedores cutâneos permanentes, mais especificamente o PMMA, têm baixo índice de complicações, variando de 0,01% a 3%.3 Em se tratando, porém, de quadro clínico muitas vezes deformante, as complicações são de difícil aceitação pelo paciente e podem trazer repercussões legais para o médico. Os efeitos adversos aos preenchedores podem ser classificados em precoces e tardios.4 Os relacionados com a técnica, tais como o plano de injeção e volume inadequados, tipo e qualidade do material, podem ser evitados. Os efeitos agudos são inúmeros e frequentes (Quadro 1), ainda que costumeiramente leves e transitórios. Dentre eles ressaltamos a importância da infecção por bactérias, que pode ser grave, mais comumente por staphylococcus e streptococcus, e relacionada sobretudo à contaminação durante o procedimento.5

Mais temidas são as complicações tardias, entre elas os nódulos inflamatórios ou não, representados histologicamente em sua maioria por granulomas de corpo estranho, que podem ser deformantes e de difícil tratamento, cursando muitas vezes com desconhecimento pelo paciente de qual produto foi utilizado no local. São frequentemente atribuídos a fenômenos de hipersensibilidade, infecção local, trauma ou drogas. As infecções podem ser virais, sendo o influenza relatado em alguns casos; micobacterianas, frequentemente causadas por Mycobacterium furtuitum ou Mycobacterium marinum; ou ainda ser resultado da formação de biofilmes. Estes últimos são constituídos por bactérias em estado dormente que podem ser ativadas por fatores externos e cuja estrutura as protege dos antibióticos e das reações imunes do hospedeiro. Esses microrganismos são de difícil identificação, com frequência só possível pela reação de polimerase de cadeia.5,6 Entre as drogas relatadas estaria o interferon.6 Esse tipo de reação costuma ocorrer a partir de seis meses e pode ter resolução espontânea; a conduta, porém, dificilmente é expectante, dado o incômodo do paciente.

No caso aqui relatado, a paciente, após o preenchimento cutâneo com PMMA, desenvolveu neuralgia do trigêmeo, evoluindo com nódulo ipsilateral. Essa dor neuropática é caracterizada por ser lancinante, paroxística e constatada na região de distribuição de um ou mais ramos do nervo trigêmeo. A dor é disparada por estímulos originados na pele, mucosa ou dentes inervados por esse par craniano. O lado direito é cinco vezes mais acometido, principalmente os ramos V2 e V3 (mandibular e maxilar). Acredita-se ser a etiologia multifatorial e ainda não bem estabelecida,7 dividindo-se academicamente em idiopática e secundária. A secundária costuma estar associada a deficit focal e a causas como tumores, esclerose múltipla, amiloidose, herpes-zóster ou anormalidades de base de crânio. A principal hipótese da forma idiopática seria o contato de uma artéria com o nervo, provocando lesão no local e consequente hiperexcitabilidade das fibras nociceptivas levando à dor. Outra hipótese seria a presença crônica do herpes vírus 1, o que teria como causa de base uma enfermidade de canal iônico decorrente da ativação do genoma do HSV-1 latente nos núcleos de neurônios infectados em fibras nociceptivas do trigêmeo.8 Diante dessa etiologia, questionamos se o herpes vírus também poderia estar atuando como reativador desse granuloma, já que há relatos de infecções virais desencadeando o processo. Nesse caso, as duas doenças teriam igual origem, sem relação de causa e consequência. Porém, a própria reação inflamatória inicial normal advinda do PMMA levaria ao estímulo das fibras trigeminais, gerando dor neuropática, o que posteriormente levaria à inflamação crônica e formação de granulomas. A aplicação do preenchedor mais profundamente, em geral no plano subcutâneo ou supraperiosteal, pode favorecer a inflamação por contiguidade, já que o nervo tem trajeto intraósseo em sua maior parte, e desencadear a cascata inflamatória culminando na dor neuropática. Não há como comprovar tais hipóteses, porém existe uma associação temporal das duas patologias, corroborando a relação.

Como tratamento, existem algumas opções terapêuticas, entre elas os corticosteroides, por via oral e intralesional.5,9 O 5-fluoracil (5 FU) deve ser aplicado associado ao corticosteroide, mas com o intuito de diminuir a dose deste último e consequentemente diminuir o risco de atrofia. Como limitação prática, ocorre, porém, aumento da dor à infiltração. O 5FU é antagonista pirimidínico que funcionaria com dois metabólitos ativos, o 5Fd UMP, que interfere na síntese do DNA, e o 5FdUTP, que inibe a síntese de RNA e consequentemente a proliferação e formação de colágeno. O alopurinol também entra no arsenal terapêutico, pois, apesar de não elucidado, parece atuar como catalisador de superóxidos ou como sequestrador de radicais livres. A tetracicliona e seus derivados são boas opções em função de seu efeito anti-inflamatório e imunomodulador, e de suas propriedades antigranulomatosas. Existem também relatos do uso de hidroxicloroquina, imiquimod e ciclosporina. A cirurgia é opção extrema, porque, se o material estiver muito disperso, há risco de cicatrizes e fístulas. Se for possível, o acesso pela mucosa deverá ser o escolhido.

É de suma importância ter em mente os possíveis efeitos colaterais aos preenchimentos cutâneos.10 O amplo conhecimento da técnica e da anatomia, incluindo as variações anatômicas, a qualidade do produto usado e sua quantidade, pode evitar surpresas desagradáveis no seguimento desses pacientes. Dessa forma, é necessário, no exercício da cosmiatria, uma anamnese cuidadosa abordando outros procedimentos estéticos já realizados, comorbidades e drogas em uso.

 

Referências

1. American Society for Aesthetic Plastic Surgery- Statistics, Surveys & Trends, www.surgery.org

2. Lemperle G. Complications from Artecoll are treatable. Aesthetic Surg J. 2003;23(6):469-70.

3. Conejo-Mir JS, Sanz Guirado S, Angel Muñoz M. Adverse granulomatous reaction to Artecoll treated by intralesional 5-fluorouracil and triamcinolone injections. Dermatol Surg. 2006;32(8):1079-81.

4. Lowe, N J, Maxwell, C A, Patnaik R. Adverse Reactions to Dermal Fillers: Review. Dermatol Surg. 2005;31(11 Pt 2):1616-25.

5. Alijotas-Reig j, Figueras-Fernandez MT, Puig L. Late-Onset inflammatory Adverse reactions Related of Soft tissue Filler Injections. Clin Rev Allergy Immunol. 2013;45(1):97-108.

6. Bringel DM, Bomm L, Azevedo AC, Souto R, Fonseca JC. Dermal filling complication after hepatitis C treatment with interferon and ribavirin. Surg Cosmet Dermatol. 2012;4(3):271-3.

7. Frizzo HM, Hasse PN, Veronese RM. Trigeminal Neuralgia: na analytic review of the literature. Rev Cir Traumatol Buco-Maxilo-Facial. 2004;4(4):204-57.

8. Ecker AD, Smith JE. Are Latent, Immediate-Early Genes of Herpes Simplex Virus 1 Essencial in Causing Trigeminal Neurlagia? Medical Hypotheses. 2002;59(5):603-6.

9. Boulle KD. Management of complications after implantation of fillers. J Cosmet Dermatol. 2004;3(1):2-15.

10. Crocco EI, Alves RO, Alessi C Eventos adversos do ácido hialurônico injetável. Surg Cosmet Dermatol. 2012;4(3):259-63.

 

Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.


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