Lorena Rodrigues Teixeira E. Silva1; Ana Maria Quinteiro Ribeiro2; Luiz Fernando Fróes Fleury Júnior3
Keywords: CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS; COURO CABELUDO; CICATRIZAÇÃO
Aproximadamente 90% das neoplasias cutâneas ocorrem na região de cabeça e pescoço por consequência do dano cumulativo de radiação ultravioleta.1 O carcinoma espinocelular (CEC) é o segundo tumor maligno de pele mais frequente, representando cerca de 20% dos tumores cutâneos não melanoma.2 A maioria ocorre nas áreas fotoexpostas com importante dano actínico. Essa neoplasia pode contribuir substancialmente para morbidade e mortalidade em pacientes idosos.2 Tem o risco de recorrência local de 3% a 16% e de metástase inferior a 5%, porcentagem que, entretanto, pode ser maior nos tumores de alto risco, atingindo 15% a 38%.1-6
São considerados de alto risco tumores maiores, a partir de dois centímetros de diâmetro ou espessura superior a dois milímetros, subtipos histológicos mais agressivos, invasão perineural e localização em lábios e orelhas.
Os autores apresentam a abordagem cirúrgica de CEC no couro cabeludo de pacientes portadores de tumores avançados com história de fotoexposição crônica, tratados no Departamento de Dermatologia, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Goiás.
Serão descritos quatro casos de CEC no couro cabeludo, observados no período de dois anos. Os pacientes apresentavam entre 72 e 92 anos de idade, sendo três homens e uma mulher. Foram fotografados antes e após a ressecção do tumor. As cirurgias foram realizadas sob anestesia local com solução tumescente, associando sedação quando necessária.
Caso 1
Homem, 78 anos, com lesão ulcerada na região frontal medindo 2cm de diâmetro (Figura 1A). Foi realizada excisão com margem de 0,5cm e fechamento com retalho O-Z (Figura 1B). O exame anatomopatológico revelou CEC bem diferenciado, com espessura de 0,5cm, margens livres, porém exíguas na profundidade, sem invasão perineural. Houve recidiva sob a cicatriz cirúrgica quatro meses após (Figura 1c). A tomografia de crânio não evidenciou invasão óssea. Nova excisão foi realizada incluindo periósteo, sem fechamento da ferida operatória. Houve cicatrização por segunda intenção no prazo de três meses (Figura 2). Sem recidiva no seguimento de 13 meses.
Caso 2
Homem, 72 anos, com tumoração de 5,5 x 5cm na fronte (Figura 3). A tomografia mostrava espessura de 2cm, sem invasão do periósteo. Foi realizada a excisão da lesão com margem de 0,5cm. O exame anatomopatológico revelou CEC moderadamente diferenciado, com espessura de 2,5cm, margens livres, porém exíguas na profundidade, sem invasão perineural. Foi realizado enxerto após um mês, sobre área com boa granulação (Figura 4). O seguimento de 28 meses não demonstrou recorrência.
Caso 3
Mulher, 77 anos, com lesão vegetante na fronte (Figura 5). A tomografia de crânio descartou a possibilidade de invasão óssea. Foram realizados excisão e, após um mês, enxerto sobre área com boa granulação (Figura 6). O exame anatomopatológico demonstrou CEC moderadamente diferenciado, com espessura de 2,4cm, margens livres, sem invasão perineural. Houve recidiva na borda do enxerto após um ano, tendo sido realizada nova excisão local. O seguimento de 14 meses não registra recorrência.
Caso 4
Homem, 92 anos, com tumoração temporal esquerda medindo 7cm de diâmetro (Figura 7). Tomografia de crânio sem invasão óssea. Foi realizada a excisão com margem de 0,5cm tendo sido ampliada a margem profunda por acometimento do periósteo constatado clinicamente. Houve cicatrização completa por segunda intenção em três meses. O paciente faleceu seis meses após, devido a pneumonia.
Foram operados quatro pacientes com CEC no couro cabeludo. Observou-se que todos apresentavam história de fotoexposição crônica. Os homens também apresentavam certo grau de alopecia androgenética. As lesões eram de grandes dimensões, e espessas (0,5-2,4cm); a opção preferencial foi fazer a excisão ampla com fechamento em segundo tempo. Nenhum paciente apresentou comprometimento da calota craniana. Em um paciente, foi realizado retalho na lesão primária, com recorrência sob a cicatriz cirúrgica em quatro meses. Porém, na reabordagem, a lesão era ainda maior, e a preferência foi pela cicatrização por segunda intenção. Devido à anatomia local, todos apresentaram margens profundas exíguas, apesar de excisão até periósteo, e dois apresentaram recorrência local no período observado.
Foram relatados quatro casos de CEC no couro cabeludo, que apresentavam em comum, tumores de grandes diâmetros e espessuras. A escolha do método cirúrgico foi um desafio para a equipe médica. A maioria dos casos de CEC reportados na literatura ocorre na cabeça e no pescoço, sendo que destes, 8,3% a 25,2% acomete o couro cabeludo.3,4 Em recente estudo na Austrália, 10% dos pacientes com metástase nodal apresentaram lesão primária no couro cabeludo.7 Os principais sítios de metástases são linfonodos cervicais e parótidas.5,6
Foram estudadas características do CEC primário que podem servir como preditores de neoplasia de pior prognóstico. O American Joint Comittee on Cancer (AJCC) estabeleceu critérios para estadiamento de tumores primários de alto risco e considera: o diâmetro (> 2cm), a espessura (> 2mm ou nível de Clark > IV), a invasão perineural, a localização (orelha e lábio), e a diferenciação (pouco diferenciado ou indiferenciado).5,7 Os tumores recorrentes são biologicamente mais agressivos. Assim, a escolha terapêutica deve levar em conta os fatores prognósticos. De acordo com tais critérios, os quatro pacientes descritos apresentaram CEC de alto risco.
Recomendam-se margens cirúrgicas de 4mm para CEC de "baixo risco" e de 6mm para CEC de "alto risco" a fim de obter 95% de margens livres histologicamente.1,7 A cirurgia micrográfica de Mohs é considerada primeira linha de tratamento nos tumores maiores.2,7 Nas lesões do couro cabeludo a margem profunda é difícil de ser atingida, pois fica restrita à espessura anatômica. Essa região tem as maiores taxas de excisão incompleta.1,4 Após a cirurgia o paciente deve ser seguido regularmente a intervalos de quatro a seis meses.7 Noventa por cento das recorrências e metástases ocorrem nos primeiros cinco anos.2 Não há estudos suficientes para formar consenso quanto à realização de radioterapia adjuvante, biópsia de linfonodo sentinela e linfadenectomia profilática.7
Sem disponibilidade para realizar cirurgia de Mohs no serviço em que foi realizado o estudo, optou-se por não corrigir o defeito no primeiro tempo cirúrgico e aguardar o resultado anatomopatológico com a avaliação das margens.
O couro cabeludo é região anatômica de tecido espesso e sem elasticidade. Os retalhos, comumente utilizados para a correção de defeitos de espessura total nessa região, podem ser desvantajosos em defeitos extensos devido à inelasticidade da pele regional.8 Nos quatro casos estudados, tratando-se de tumores de alto risco, a realização de retalhos dificultaria a reabordagem se houvesse margens comprometidas ou recidiva, por distorção do sítio cirúrgico. Também não foi o método de escolha devido à idade avançada dos pacientes, pois aumentaria o tempo cirúrgico.
Em dois pacientes a cicatrização completa ocorreu por segunda intenção em três meses, e nos outros dois foi realizado enxerto cutâneo autólogo após granulação completa. Nos pacientes que necessitaram excisão do periósteo, realizou-se a curetagem da camada externa do crânio. O objetivo é atingir o espaço diploico, que é bastante vascularizado, permitindo a granulação que viabiliza a recomposição do epitélio ou um enxerto de pele.8 Os resultados estéticos e funcionais foram satisfatórios, principalmente por se tratar de pacientes calvos. A não realização de retalhos facilitou o seguimento de recidivas locais, como no caso 3.
O tratamento de CEC no couro cabeludo com ampla excisão sem fechamento com retalhos no primeiro tempo é opção para tumores de alto risco. Essa técnica permite avaliar recorrências locais sem distorção anatômica do leito, uma vez que se recomenda o seguimento por longo período. Também permite tempo cirúrgico curto e menor morbidade no pósoperatório, o que pode ser decisivo tratando-se de pacientes com idade avançada. Como ponto negativo, o cuidado da ferida operatória é trabalhoso, podendo levar várias semanas até a cicatrização completa. A área da cicatriz ficará sem cabelos e com a pele mais fina, sendo frágil e, portanto, mais susceptível a traumatismos.
1. Jenkins G, Smith AB, Kanatas AN, Houghton DR, Telfer MR. Anatomical restrictions in the surgical excision of scalp squamous cell carcinomas: does this affect local recurrence and regional nodal metastases? Int J Oral Maxillofac Surg. 2014;43(2):142-6.
2. Alam M, Ratner D. Cutaneous Squamous Cell Carcinoma. N Engl J Med. 2011;344(13):975-83.
3. Clayman GL, Lee JJ, Holsinger FC, Zhou X, Duvic M, El-Naggar AK, et al. Mortality risk from squamous cell skin cancer. J Clin Oncol. 2005;23(4):759-65.
4. Baker NJ, Webb AA, Macpherson D. Surgical management of cutaneous squamous cell carcinoma of the head and neck. Br J Oral Maxillofac Surg. 2001;39(2):87-90.
5. Ch'ng S, Clark JR, Brunner M, Palme CE, Morgan GJ, Veness MJ. Relevance of the primary lesion in the prognosis of metastatic cutaneous squamous cell carcinoma. Head Neck. 2013;35(2):190-4.
6. Vauterin TJ, Veness MJ, Morgan GJ, Poulsen MG, O'Brien CJ. Patterns of lymph node spread of cutaneous squamous cell carcinoma of the head and neck. Head Neck. 2006;28(9):785-91.
7. Nuño-González A, Vicente-Martín FJ, Pinedo-Moraleda F, López-Estebaranza JL. High-Risk Cutaneous Squamous Cell Carcinoma. Actas Dermosifiliogr. 2012;103(7):567-78.
8. Hoffmann JF. Reconstrução do escalpo. In: Baker SR. Retalhos Locais em Reconstrução Facial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Di Livros; 2009. p. 641-67.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Goiás - Goiânia (GO), Brasil.