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Relato de casos

Uso de hialuronidase em complicações causadas por ácido hialurônico para volumização da face: relato de caso

Simone Ramos Nogueira Guerra Neri1; Flávia Alvim Sant'Anna Addor2; Meire Brasil Parada3; Sergio Schalka4

Data de recebimento: 13/05/2013
Data de aprovação: 30/11/2013
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

O uso do ácido hialurônico (AH) injetável no preenchimento de rugas e volumização facial está consagrado na prática dermatológica. O manejo de suas complicações, embora raras, deve ser do conhecimento do dermatologista. No uso dos preenchedores de aplicação mais profunda, a formação de nódulos pode ocorrer, e a conduta é similar à utilizada para preenchedores mais superficiais e menos viscosos. O uso da cânula mais fina possivelmente reduz esse risco, sobretudo em áreas de derme mais fina.

Keywords: ÁCIDO HIALURÔNICO; ACIDENTES; DERME.


INTRODUÇÃO

Os preenchedores de ácido hialurônico (AH) têm sido os mais utilizados nos últimos anos no tratamento de sulcos e rugas, devido a sua praticidade de aplicação e boa margem de segurança, além dos efeitos visíveis imediatamente após aplicação e longa duração. Sua biocompatibilidade e técnica de aprendizado relativamente simples o tornaram escolha frequente na abordagem das rugas e outras alterações do relevo cutâneo, sobretudo na face, mas também em outras áreas, como o dorso das mãos.1

Mais modernamente, o AH é utilizado na volumização facial, para corrigir a perda dos coxins gordurosos decorrentes do envelhecimento, sobretudo nas áreas malar e mandibular. Nessas indicações, o AH de escolha tem algumas particularidades que o diferenciam do utilizado para simples preenchimento, tais como o tamanho da partícula, mais viscoelasticidade, diferente comprimento de cadeia dos polímeros, e tipo e densidade de crosslinker, com o objetivo de obter o melhor resultado na acomodação do produto na pele, sem risco de migração do local da injeção.

A aplicação deve ser feita nos planos supraperiostal ou subcutâneo profundo, podendo ser utilizadas cânulas, que reduzem o risco de sangramento.2

Embora todas as opções de AH para volumização no mercado apresentem boa tolerância, não há disponibilidade de preenchedor totalmente desprovido de riscos, e mesmo profissionais experientes se deparam eventualmente com reações imediatas, como eritema e sangramentos, ou observadas um pouco mais tarde, como a nodulação.3

A abordagem das complicações deve ser bem conhecida do especialista, pois, embora também possam ser decorrência de má técnica, acidentes na aplicação e variações anatômicas podem contribuir para seu aparecimento.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, de 35 anos, foi submetida a preenchimento com ácido hialurônico (Juverderm Voluma®, Allergan) visando à volumização facial através de técnica de retroinjeção no plano na região do arco zigomático, com cânula 18G, de 70mm, sem intercorrências imediatas (eritema ou equimose) e aparência sem particularidades, tendo sido orientada a retornar dentro de 15 dias.

Após esse período, a paciente retornou apresentando nódulo perlado de 3cm de diâmetro, que se estendia do arco zigomático até a região infraorbitária do lado esquerdo, bem como nódulo mais profundo em região infraorbitária de 1cm de diâmetro do lado direito. A paciente referia dor de leve intensidade à palpação em ambos os nódulos, mas não havia sinais flogísticos.

A hipótese diagnóstica foi de nódulos por acúmulo do preenchedor propriamente dito, sendo que o do lado esquerdo, mais medialmente, apresentava sinais compatíveis com efeito Tyndall (blue bump). (Figura 1)

A paciente foi orientada a usar Prednisona 10mg de 12 em 12 horas durante três dias e aplicar compressas frias e mornas alternadas durante 15 dias. Após esse período foi reavaliada, e, por não apresentar melhora, optou-se pela aplicação de hialuronidase liofilizada (HYALOZIMA® 2.000UTR) diluída em 5ml, que resultou em doses de hialuronidase de 400UTR/ml; foram aplicados 0,3ml no lado esquerdo e 0,1ml no lado direito da face da paciente. A injeção foi feita exatamente dentro dos nódulos, pinçando-os e isolando-os com os dedos polegar e indicador.

A paciente foi reavaliada 15 dias depois, com regressão total dos nódulos e com aspecto satisfatório, sem sinais de atrofia ou assimetria (Figura 2).

 

DISCUSSÃO

A formação de nódulos após a injeção de preenchedores de AH, por seu acúmulo, é descrita como complicação precoce e relativamente rara, entre outros efeitos adversos observados, pois o total de complicações descritas com preenchedores com AH já é baixo, inferior a 1%.4

Embora o nódulo em si, por acúmulo do produto, não configure necessariamente complicação grave, é todavia indesejável esteticamente, e seu tratamento deve ser ágil e cuidadoso, no intuito de preservar o resultado estético, sobretudo quando apresenta o efeito Tyndall (blue bump).

Os nódulos devem ser diferenciados das reações granulomatosas, que são na maioria das vezes mais tardias; isso pode, entretanto, tornar-se difícil clinicamente, sobretudo em casos de nódulos profundos, demandando biópsia do nódulo, com exame anatomopatológico para a diferenciação do tipo de reação adversa que ocorreu.5,6

Como os preenchimentos para volumização são aplicados mais profundamente, em tese haveria redução do risco de nódulos superficiais, mas em áreas de derme muito fina, como as regiões periorbital e malar superior, o risco de formação de nódulos pode aumentar. O uso de cânulas mais finas, como as de 21 ou 22G também podem auxiliar no aspecto homogêneo do preenchedor, ou o uso de preenchedores menos denso, com menos visco-elasticidade ou menor tamanho de partículas.7

A tindalização é descrita em alusão ao efeito Tyndall, que ocorre quando o preenchedor foi aplicado muito superficialmente e, pela transparência da pele fina, verifica-se tom azulado na pele suprajacente. O resultado é inestético, podendo ser evidente mesmo sem palpação.

Para a correção dos nódulos e granulomas, a aplicação local da hialuronidase é o tratamento de escolha; sua utilização leva a resultados mais rápidos e superiores aos obtidos com uso de corticoides orais ou injetáveis.

A hialuronidase age despolimerizando reversivelmente o ácido hialurônico existente ao redor das células do tecido conjuntivo, reduzindo assim temporariamente a viscosidade desse tecido e tornando-o mais permeável à difusão de líquidos. Com base nesse mecanismo de ação, a hialuronidase passou a ser utilizada para promover a degradação do AH injetado, nos casos de complicações e/ou reações adversas, como forma de tratamento, com decorrente melhora. No Brasil, temos Hyalozima® 20.000UTR (Apsen) que, após diluída no solvente que acompanha o produto, apresenta 4.000UTR por 1ml.8,9

Seu uso, entretanto, deve ser muito cuidadoso, para evitar a hidrólise excessiva do ácido hialurônico, o que resultaria clinicamente em aspecto atrófico e depressivo; portanto, todo dermatologista que faz preenchimento deve dominar a técnica de aplicação.10

O preparo deve ser feito da seguinte forma: no frascoampola misturar todo o conteúdo do diluente (5ml) com o pó liófilo. Após completar a dissolução, aspirar o conteúdo e aplicar a mínima dose possível (0,1 a 0,2ml por ponto), na área em que se deseja degradar o AH. Repetir a aplicação, se necessário, 10 a 15 dias depois. A sobra deve ser totalmente descartada, não devendo ser guardada e aplicada em hipótese alguma.

Essa técnica é semelhante à de Brody, que sugere intervalo de cinco minutos entre uma aplicação e outra para observar eventual edema, decorrente de hipersensibilidade à droga, rara porém possível. Em nosso meio, Crocco e colaboradores corroboraram esse uso em recente artigo revisando as complicações dos preenchimentos.11

São questionáveis a necessidade e utilidade do teste cutâneo, por seu poder alergênico.12

Nos Estados Unidos há várias marcas de hialuronidase disponíveis, mas com concentrações diferentes (Liporase®, Inno TDS®, Hydase®). No Brasil há apenas uma (Hyalozima®), e seu uso aqui exposto é off label.

 

CONCLUSÃO

A hialuronidase firmou-se na prática médica como medicamento eficaz no manejo de nódulos e granulomas decorrentes da aplicação do AH, desde que utilizada cuidadosamente, tanto nos casos de preenchedores superficiais como no uso dos volumizadores.

Exige que o dermatologista tenha boa prática e manejo no uso da enzima para degradação do AH, sendo esse o principal foco dos autores neste artigo, com o intuito de colaborar com informações a esse respeito, uma vez que não há consenso na utilização da hialuronidase.

Esse tipo de complicação, aparentemente mais frequente do que se encontra na literatura, deve ser prontamente combatida pelo dermatologista, tendo evolução favorável na maioria dos casos.

 

Referências

1. Bowman PH, Narins RS. Hialinos e Técnicas de Preenchimento. In: Carruthers J, Carruthers A. Técnicas de Preenchimento. New York: Elsevier; 2005. p. 35-56.

2. Requena L, Requena C, Christensen L, Zimmermann US, Kutzner H, Cerroni L.. Adverse reactions to injectable soft tissue fillers. J Am Acad Dermatol. 2011;64(1):5-7.

3. Junkins-Hopkins JM. Filler complications. J Am Acad Dermatol. 2010;63(4):703-5.

4. Carruthers J, Carruthers A. A prospective, randomized, parallel group study analyzing the effect of BTX-A and nonanimal sourced hyaluronic acid in combination compared with NASHA alone in severe glabellar rhytides in adult female subjects. Dermatol Surg.2003;29(8):802-9.

5. Dadzie O, Mahalingam M, Parada M, El Helou T, Philips T, Bhawan J .Adverse cutaneous reactions to soft tissue fillers - a review of the histological features. J Cutan Pathol. 2008; 35(6): 536-48.

6. Parada M, Michalany N, Hassun K, Bagatin E, Talarico S. A Histologic Study of Adverse Effects of Different Cosmetic Skin Fillers. New York: SkinMed; 2005. p. 345-49.

7. Braz AV, Sakuma TH. Preenchimentos e técnicas para o terço inferior da face. In: Kadunc B, Palermo E, Addor F, Metsavaht L, Rabello L, Mattos R, et al. Tratado de cirurgia dermatológica, cosmiatria e laser da Sociedade Brasileira de Dermatologia. Rio de Janeiro: Elsevier; 2012.

8. Soparkar CN, Patrinely JR, Tschen J.Erasing restylane. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2004;20(4):317-8.

9. Sclafani AP, Fagien S.Treatment of injectable soft tissue filler complications. Dermatol Surg. 2009;35 (Suppl 2):1672-80.

10. Hirsch RJ, Brody HJ, Carruthers JD Hyaluronidase in the office: a necessity for every dermasurgeon that injects hyaluronic acid. J Cosmet Laser Ther. 2007;9(3):182-5.

11. Harold J. Brody. Use of Hyaluronidase in the Treatment of Granulomatous Hyaluronic Acid Reactions or Unwanted Hyaluronic Acid Misplacement. Dermatol Surg. 2005; 31(8): 893-7.

12. Crocco EI, Alves RO, Alessi C. Eventos adversos do ácido hialurônico injetável. Surg Cosmet Dermatol 2012;4(3):259-63.

 

Trabalho realizado no Medcin Instituto da Pele - São Paulo (SP), Brasil


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