Doris Hexsel1; Patrícia Caspary2; Taciana Dal Forno Dini3; Juliana Schilling-Souza4; Carolina Siega5
Keywords: MELANINAS; ERITEMA; RADIAÇÃO SOLAR; PIGMENTAÇÃO.
A cor da pele é resultado da presença de pigmentos como a hemoglobina, os carotenoides e, principalmente, a melanina.1 A qualidade e a quantidade de melanina produzida pelos melanócitos é o principal determinante da pigmentação cutânea.2 A melanina é uma proteína que tem como principal função proteger o DNA da ação danosa da radiação solar, absorvendo e difundindo os raios ultravioletas (UV).1,3 Existem dois tipos de melanina: a construtiva, determinada pelos genes e não dependente da exposição solar;4 e a facultativa, produzida pelo organismo após a exposição aos raios UV.1
O aumento na produção de melanina após a exposição aos raios UV é uma resposta de fotoproteção dos melanócitos e queratinócitos, realizada através de uma cascata de reações químicas que resulta, entre outros aspectos, no aumento da expressão de hormônios, pricipalmente o hormônio estimulador de melanócito, a melatonina.5 Quando em excesso, a exposição solar pode causar ou agravar algumas importantes alterações da pigmentação, como melasma,6 hiperpigmentação pós-inflamatória,7 lentigos solares8 e, ainda, levar ao desenvolvimento de neoplasias cutâneas.
A dose de raios UV que atinge a pele depende, entre outros fatores, da variação das estações do ano. A irradiação dos raios UVB, por exemplo, é muito maior no verão do que no inverno.9 Além disso, parâmetros como latitude também influenciam a intensidade de raios UV que atingem a superfície terrestre.9 O município de Porto Alegre, onde o estudo foi conduzido, apresenta estações do ano bastante definidas, sendo local favorável para a obtenção de resultados precisos em relação à variação sazonal dos níveis de melanina.
É sabido que a ativação dos melanócitos para a produção de melanina, causada pela exposição aos raios solares, ocorre nas regiões do corpo em que houve incidência solar direta. Não se sabe, entretanto, se a expressão cutânea da melanina permanece restrita aos locais expostos ou se ocorre também em áreas em que não houve incidência solar direta, em conseqüência ao aumento dos níveis séricos de hormônios como a melatonina.
Este estudo foi desenvolvido com o objetivo de avaliar os efeitos dos raios solares nos níveis de melanina nas áreas expostas e não expostas à radiação solar, levando-se em conta a sazonalidade.
Estudo prospectivo e observacional, realizado em 2009 e 2010. Os pacientes foram recrutados a partir de cadastro preexistente no Centro Brasileiro de Estudos em Dermatologia (CBED) e todos forneceram consentimento prévio e por escrito quanto à participação no estudo. Esse protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Moinhos de Vento de Porto Alegre.
Os principais critérios de inclusão foram indivíduos maiores de 18 anos, fototipos I a IV na classificação de Fitzpatrick e sem exposição prévia a fontes artificiais de radiação UV. Os critérios de exclusão incluíram distúrbios de pigmentação, tratamentos tópicos que pudessem interferir na pigmentação da pele ou a realização de outros tratamentos cosméticos ou cirurgias nas áreas avaliadas.
Os pacientes compareceram ao centro de pesquisa em dois momentos, sendo uma visita ao longo dos meses de março e abril (período pós-verão) e outra visita em setembro ou outubro (período pós-inverno) com intervalo entre elas de seis meses para todos os sujeitos de pesquisa. Em ambas as visitas, a pigmentação da pele foi avaliada através de um espectofotômetro (Mexameter®, Courage-Khazaka, Colônia, Alemanha), equipamento que fornece medidas objetivas dos níveis de melanina e eritema da pele.
Três áreas foram avaliadas em cada paciente:
- parte anterior do antebraço, 8cm acima do punho a partir do processo estiloide da ulna (área exposta à radiação solar somente durante o verão);
- fronte, 4cm abaixo da linha de implantação do cabelo (área exposta à radiação solar durante todo ano);
- região do sacro (área não exposta à radiação solar em nenhum período do ano), localizada 10cm abaixo do ponto médio entre as cristas ilíacas posteriores.
Análise estatística
Os dados foram descritos como média e desvio padrão para as variáveis contínuas e, como porcentagem para os dados categóricos. Os dados de melanina e eritema foram comparados ao longo do tempo por teste t pareado. A correlação entre os valores dos níveis de melanina e eritema foi calculada pelo coeficiente de correlação de Pearson. As análises estatísticas foram feitas no programa SPSS 16.0 (Chicago, IL).
Trinta e quatro pacientes, todas do sexo feminino, foram incluídos nesse estudo. A maioria das pacientes foi classificada como fototipo III (38,2%), e a média de idade foi de 38,4±11,6 anos.
As avaliações objetivas da pigmentação indicaram que os níveis de melanina reduziram após o inverno em comparação aos verificados após o verão, em todas as áreas (Gráfico 1). Essa redução, porém, só foi estatisticamente significativa no antebraço (p<0,0001), área exposta ao sol sobretudo no verão.
No que diz respeito aos níveis de eritema, também se observou diminuição estatisticamente significativa no antebraço e na fronte (p<0,0001 e p=0,002, respectivamente) quando se compararam os resultados obtidos após verão e após inverno. A região do sacro apresentou leve aumento de eritema após o inverno, embora sem diferença significativa quando comparado esse valor ao apresentado após o verão (Gráfico 2).
Após o verão, verificaram-se correlação positiva entre os valores de melanina e eritema na fronte (r=0,512; p=0,002) e correlação positiva forte entre os valores de melanina e eritema no antebraço e no sacro (r=0,744; p<0,0001 e r=0,835; p<0,0001, respectivamente). Após o inverno, o mesmo padrão de correlação foi observado, houve correlação positiva entre os valores de melanina e eritema na fronte (r=0,485; p=0,004) e forte correlação positiva entre os valores de melanina e eritema no antebraço e no sacro (r=0,809; p<0,0001 e r=0,719; p<0,0001, respectivamente).
Estudos avaliando as respostas na produção de melanina após a exposição a raios UV já foram realizados.10-12 Porém, esse é o primeiro estudo que avaliou objetivamente através de espectrofotometria se há expressão sistêmica da melanina após ou na ausência da exposição solar direta, levando-se em conta a sazonalidade.
Esse estudo mostrou, conforme esperado, valores menores nos níveis de melanina após o inverno, em comparação aos valores observados após o verão, tendo-se mostrado esses valores significativamente menores no antebraço, região que fica exposta ao sol no verão e protegida no inverno. Dado interessante, apesar de a face também ter apresentado níveis menores de melanina após o inverno (177 vs. 168,1), essa redução não foi estatisticamente significativa. Isso pode dever-se ao fato de o rosto ser sempre exposto ao sol e as pacientes manterem os mesmos hábitos de uso ou não de filtro solar ao longo de todo o ano. Esses resultados são semelhantes aos verificados por Roh e colaboradores,10 que também observaram significativa variação sazonal da melanina no braço, assim como Lock-Andersen e Wulf,11 que verificaram considerável variação sazonal na pigmentação da pele em áreas expostas ao sol.
Outro dado relevante foi que não houve variação significativa nos níveis de melanina na região do sacro, área usualmente não exposta aos raios solares em qualquer período do ano. Isso confirma a ideia de que o aumento nos níveis da melanina é sobretudo efeito predominantemente local dos raios solares.
Em relação aos níveis de eritema, houve redução significativa ao final do inverno no antebraço e na fronte, áreas de maior exposição sazonal. Os níveis de melanina e eritema foram positivamente correlacionados nesse estudo, indicando que quanto maiores os valores de melanina, maiores também eram os valores observados para as medidas de eritema.
O equipamento utilizado nas avaliações (Mexameter®) permitiu a verificação dos níveis de melanina e eritema de forma objetiva, uma vez que quantifica esses dois componentes responsáveis pela cor da pele em uma escala de 0-999. A espectrofotometria de reflectância narrow-band é método sensível, reprodutível e específico para a tomada de medidas objetivas da cor da pele, que permite a quantificação de pequenas diferenças.13,14
O aumento da produção de melanina é diretamente relacionado à exposição local aos raios solares. Não foi observado o mesmo efeito na área não exposta ao sol diretamente.
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Trabalho realizado no Centro Brasileiro de Estudos em Dermatologia - Porto Alegre (RS), Brasil.