Luciane Francisca Fernandes Botelho1; Raquel P.R. Castro2; Juliana Casagrande Tavoloni Braga3; Sergio Henrique Hirata4; João Pedreira Duprat Neto5; Gisele Gargantini Rezze6
Introdução: A microscopia confocal in vivo é método diagnóstico não invasivo auxiliar no diagnóstico de lesões hiperpigmentadas em cicatrizes. Objetivos: Avaliar através do exame de microscopia confocal a hiperpigmentação em cicatrizes de lesões melanocíticas benignas e malignas. Métodos: Avaliamos imagens clínicas, dermatoscópicas e de microscopia confocal de 14 pacientes com hiperpigmentação em cicatrizes de melanomas adequadamente tratados e nevos melanocíticos excisados. Resultados: Dos oito pacientes com hiperpigmentação em cicatrizes de melanomas, quatro não apresentaram estruturas suspeitas ao exame de microscopia confocal, e quatro apresentaram estruturas suspeitas. Entre os seis pacientes com hiperpigmentação em área de cicatriz de nevo melanocítico excisado, três apresentavam estruturas atípicas, como células dendríticas e papilas não demarcadas. Os pacientes com estruturas suspeitas realizaram exame histológico, e em um caso de hiperpigmentação em cicatriz de lentigo maligno foi evidenciado recidiva. Conclusões: O exame permitiu evitar a biópsia para confirmação diagnóstica em seis dos 14 pacientes avaliados. O achado de células com padrão dendrítico ou pagetoide no exame de microscopia confocal é um desafio diagnóstico, pois pode representar melanócitos ou células de Langerhans na camada espinhosa. Portanto, lesões que apresentam tais estruturas devem ser removidas para exame histológico e diagnóstico diferencial.
Keywords: MELANOMA, NEVO, DERMATOSCOPIA, MICROSCOPIA CONFOCAL.
A hiperpigmentação em cicatrizes de lesão melanocítica é um desafio diagnóstico para o dermatologista, pois frequentemente apresenta características clínicas e dermatoscópicas inespecíficas.1 Pode ser classificada clínica e histologicamente em: pigmentação cicatricial reacional, nevo recorrente, melanoma incompletamente excisado ou melanoma metastático (metástase cutânea locorregional).2 Recentemente, diferentes tecnologias estão sendo desenvolvidas no sentido de fornecer informação microscópica cutânea dinâmica adicional, sem morbidade.1-10 Elas possibilitam tanto o diagnóstico in vivo quanto a avaliação da evolução da doença em tempo real.1-10 A microscopia confocal (MC) destaca-se como nova ferramenta diagnóstica não invasiva que permite a aquisição de imagens microscópicas e a visualização em tempo real da morfologia celular e nuclear in vivo.1-10 Dessa forma, essa técnica tem ganhado destaque no diagnóstico diferencial dos tumores cutâneos melanocíticos e não melanocíticos, podendo ser utilizada nos casos de hiperpigmentação em cicatrizes.1,3,9,10 A MC correlaciona-se tanto com a dermatoscopia quanto com a histopatologia.1-7 O fato de a MC avaliar o tecido no plano horizontal, como a dermatoscopia, e apresentar alta magnificação com resolução celular, como a histopatologia, faz com que essa técnica seja uma ponte entre esses dois métodos e represente importante área de pesquisa clínica.1,9,10 Essa tecnologia representa para o médico treinado ferramenta sensível e específica na detecção precoce do melanoma e de outros tumores cutâneos.1,9,10 Realizando-se o exame de forma metódica e utilizando-se algoritmos diagnósticos já descritos na literatura, a MC permite avaliação arquitetural global da epiderme, junção dermoepidérmica e porção superior da derme, bem como avaliação citoarquitetural.9 Atipias celulares e pleomorfismos, incluindo certas morfologias nucleares, também podem ser visualizados in vivo e auxiliar no diagnóstico.1,2,9
O objetivo deste estudo foi avaliar de forma não invasiva, através da MC, casos clínicos de hiperpigmentação em cicatrizes de lesões melanocíticas benignas e malignas.
Trata-se de estudo retrospectivo e descritivo, realizado no AC Camargo Cancer Center, em São Paulo, Brasil, no qual foram incluídos 14 pacientes: oito com hiperpigmentação em cicatrizes de melanomas adequadamente tratados, e seis com hiperpigmentação em cicatrizes de nevos melanocíticos previamente excisados. As imagens dermatoscópicas e da microscopia confocal foram avaliadas por dois dermatologistas experientes(G.G.R. e J.C.T.B.).
As imagens dermatoscópicas foram obtidas através de uma câmera digital Sony® Cyber Shot DSC-W290 12.1 MP acoplada ao dermatoscópio Dermlite II Pro HR (DermLite®) com uso do adaptador (DermLite® II/III adapters). O exame de microscopia confocal foi realizado com o microscópio VivaScope® 1500 e 3000 (Lucid-Tech, Rochester, New York, EUA), dependendo da localização da lesão a ser estudada. O microscópio confocal e os métodos de aquisição das imagens já foram descritos previamente na literatura.6-8 Para cada lesão analisada pelo VivaScope® 1500, três mosaicos foram obtidos em diferentes níveis da pele: epiderme superficial, junção dermoepidérmica e derme papilar, com base na utilização de um protocolo para lesões pigmentadas.9 Nas lesões examinadas pelo VivaScope® 3000, imagens individuais (0,5 x 0,5mm) foram capturadas em sequência (Z stacks) desde a superfície (camada córnea) até a profundidade (derme reticular superficial), nas determinadas áreas de interesse.
Os pacientes que apresentaram estruturas suspeitas na microscopia confocal (células pagetoides, células dendríticas, células nucleadas arredondadas, papilas não demarcadas e ninhos atípicos na junção dermoepidérmica) foram submetidos a biópsia cutânea da área pigmentada.Após exérese cirúrgica, o tecido foi encaminhado para exame anatomopatológico, seguindo a rotina do Departamento de Anatomia Patológica do AC Camargo Cancer Center. Os pacientes que não apresentaram estruturas suspeitas permaneceram em seguimento dermatológico periódico.
Este estudo avaliou 14 casos de hiperpigmentação em cicatrizes de lesões melanocíticas benignas e malignas. Dos oito pacientes com hiperpigmentação em cicatrizes de melanomas, quatro apresentaram estruturas suspeitas ao exame de microscopia confocal e foram submetidos a biópsia cutânea com resultado histopatológico de lentigo solar, nevo melanocítico juncional, ceratose actínica e lentigo maligno (Quadro 1). Os pacientes que não apresentaram estruturas suspeitas permaneceram em seguimento periódico.
Dos seis pacientes com hiperpigmentação em cicatrizes de nevo melanocítico excisado, três apresentaram estruturas suspeitas ao exame de microscopia confocal: células dendríticas intraepidérmicas e papilas não demarcadas. Esses três pacientes foram submetidos a biópsia cutânea, e o exame histológico evidenciou fibrose dérmica associada a depósito de pigmento exógeno na derme superficial e profunda em um paciente e nevo melanocítico composto em dois pacientes (Quadro 2).A paciente número 13, apesar de não apresentar estruturas suspeitas ao exame de microscopia confocal, solicitou que fosse realizado exérese do nevo recorrente.
A figura 1 exemplifica um caso de hiperpigmentação em área de nevo melanocítico previamente excisado (nevo recorrente). Ao exame dermatoscópico, observa-se a presença de estrias radiadas nos limites da cicatriz. À microscopia confocal, notou-se a presença de células dendríticas em grande quantidade na epiderme superficial. Apesar da visualização dessas estruturas suspeitas ao exame de microscopia confocal, o exame histopatológico confirmou o diagnóstico de nevo melanocítico composto.
A figura 2 demonstra um caso de recidiva de lentigo maligno em lábio superior, previamente tratado com margens cirúrgicas adequadas. À dermatoscopia, observa-se a presença de hiperpigmentação homogênea focal em área pericicatricial. Ao exame de microscopia confocal, notou-se epiderme com padrão favo de mel atípico e algumas células dendríticas e na junção dermoepidérmica, a presença de células dendríticas e nucleadas arredondadas, suspeitas de melanócitos atípicos. O exame histológico confirmou o diagnóstico de recidiva de lentigo maligno.
A pigmentação em cicatrizes de lesões melanocíticas pode ser secundária a fenômeno reativo relacionado ao processo de cicatrização ou consequente à recorrência da lesão melanocítica excisada.1,2 Os nevos recorrentes são lesões benignas, porém podem apresentar características morfológicas que simulam o melanoma.1,2 O surgimento de pigmentação em cicatrizes de melanomas não é incomum e pode gerar dúvidas quanto à persistência do tumor.1,2 A MC é método não invasivo e confiável que pode auxilliar nessa diferenciação.2,4
As células de Langerhans intraepidérmicas são visualizadas ao exame de MC como células dendríticas, apresentando dendritos finos e longos. Essas células, muitas vezes, são de difícil diferenciação dos melanócitos atípicos presentes nas lesões melanocíticas suspeitas, que também são visualizados como células dendríticas ou nucleadas arredondadas em disseminação pagetoide na epiderme.5 Portanto, a presença dessas células dendríticas em cicatrizes de lesões melanocíticas só pode indicar um fenômeno inflamatório reacional ou proliferação de melanócitos atípicos.1,2 Provavelmente, as células visualizadas ao exame de microscopia confocal do nevo recorrente, exemplificado na figura 1, são células de Langerhans intraepidérmicas secundárias ao processo cicatricial. Em estudos futuros, uma possibilidade de documentar a presença dessas células seria a utilização da imunoistoquímica através do marcador CD1a, principal marcador de células de Langerhans.
Um critério que pode auxiliar no diagnóstico de recidivas de lesões melanocíticas em cicatriz é o fato de as células dendríticas, nos casos de nevos recorrentes, não se estenderem além da cicatriz, diferentemente dos casos de recidiva de melanoma.1 Na figura 2, o exame de MC da área de hiperpigmentação pericicatricial evidenciou células pagetoides intraepidérmicas e células dendríticas e nucleadas arredondadas na junção dermoepidérmica que se estendiam além da cicatriz, sugerindo o diagnóstico de lentigo maligno que foi confirmado pelo exame anatomopatológico.
Outros autores que avaliaram áreas de hiperpigmentação em cicatrizes de lesões melanocíticas, realizaram biópsias cutâneas em todos os casos analisados, mesmo que os achados da microscopia confocal não evidenciassem estruturas suspeitas.1 Diferentemente, neste estudo, só foram removidas as lesões que apresentaram células dendríticas intraepidérmicas, pois, como discutido anteriormente, o achado dessas células pode representar tanto melanócitos atípicos quanto células de Langerhans. A MC evitou biópsia cutânea em seis dos 14 pacientes avaliados que permanecem em seguimento dermatológico periódico. A limitação desse trabalho foi o número reduzido de pacientes incluídos na amostra.
A MC é ferramenta auxiliar útil na avaliação da hiperpigmentação em cicatrizes de melanomas e nevos melanocíticos, evitando a exérese desnecessária de lesões benignas e fornecendo segurança ao dermatologista no seguimento desses casos.
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