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Como eu faço ?

Regra dos quatro: uma fórmula simples e segura para anestesia intumescente em procedimentos cirúrgicos dermatológicos

Alcidarta dos Reis Gadelha1, Thomázia Lima de Miranda Leão1

Recebido em 21/02/2009.
Aprovado pelo Conselho
Consultivo em 16/04/2009.
Declaramos a inexistência de conflitos de interesse

Abstract

Os autores descrevem uma regra fácil para fazer e utilizar uma solução anestésica local intumescente em procedimentos cirúrgicos dermatológicos. Atestam a segurança e a simplicidade da regra, baseados em prática cirúrgica ambulatorial superior a 20 anos e uso por 8 anos da solução em mais de mil procedimentos.

Keywords: ANESTESIA LOCAL INTUMESCENTE


INTRODUÇÃO

A solução intumescente idealizada por Klein, em 1975, para a anestesia local em lipoaspiracão, contendo lidocaína de 0,05 a 0,1% e adrenalina 1:1 milhão em 1L de soro fi siológico (SF), permitia, com segurança, a utilização de doses do anestésico com vasoconstritor 5 vezes superior à máxima recomendada, que era de 7 mg/kg de peso.1 O bicarbonato de sódio (NaHCO3) foi adicionado à fórmula de Klein com a função de diminuir a dor da infiltração e potencializar a ação microbicida da lidocaína.2,3

A técnica intumescente tem diversas vantagens, como hidrodissecar a gordura, facilitando a sua remoção, proteger os órgãos subjacentes elevando a pele, reduzir o sangramento e a possibilidade de embolia gordurosa pelo colabamento dos vasos induzidos pela própria intumescência e pela ação vasoconstritora da epinefrina, e diminuir a possibilidade de infecção, potencializando o efeito microbicida da lidocaína pelo bicarbonato.

REGRA DOS QUATROS PEQUENOS PROCEDIMENTOS

No Brasil, mesmo antes da publicação da técnica intumescente de Klein, em 1987, já se utilizavam soluções de lidocaína e adrenalina em SF, na realização de procedimentos cirúrgicos dermatológicos, prática difundida por Ival Peres Rosa, chefe à época do setor de Dermatologia do Hospital Municipal de São Paulo. Os objetivos básicos eram diminuir o sangramento e proteger estruturas nobres subjacentes

Uma das soluções mais utilizadas em cirurgia dermatológica é a seguinte:
Lidocaína a 2% ............................10,0 mL
Adrenalina 1:1.000 ......................0,4 mL
NaHCO3 8,4%.............................4,0 mL
SF................................................40,0 mL

A fórmula para o cálculo das concentrações dos componentes é a seguinte: concentração final da substância (CF) = concentração da substância (CS) x volume da substância (VS) / volume da solução (VSOL).

Na fórmula acima, a concentração final da lidocaína seria: 2 x 10/54,4 = 0,367%, e a CF da adrenalina: 1/1.000 x 0,4/54.4 = 0,735/100.000. Nessa fórmula, é difícil calcular a CF e a dose total dos componentes, principalmente quando se empregam volumes maiores ou menores de solução anestésica. Aproveitando a fórmula clássica (que já continha três números 4), reduzimos a quantidade de anestésico e empregamos quantidades baseadas no número 4 ou em seus múltiplos, com os seguintes objetivos:

1- Tornar a solução mais segura, reduzindo a concentração do anestésico, porém mantendo sua eficácia.
2- Facilitar a memorização das quantidades e simplificar o preparo da solução.
3- Obter concentrações finais das substâncias mais precisas e mais fáceis de calcular.

Para contornar a dificuldade de medir 31,6 mL de soro, utilizamos um becker autoclavável e com escala milimetrada (Figura 1), no qual são colocados 4 mL de lidocaína a 2%; 4 gotas de adrenalina 1:1.000; 4 mL de NaHCO3 a 8,4% e SF até completar a marca de 40 mL (Quadro 1).

A eficácia da solução (regra dos 4) na redução do sangramento, a ação anestésica e a segurança quanto à estabilidade da pressão arterial durante e após a cirurgia foram comprovadas em mais de 1.000 procedimentos em várias regiões corporais. Foi utilizada na excisão de neoplasias com fechamento direto ou por meio de retalhos, dermobrasão, elevação e retiradas de cicatrizes de acne e criocirurgia após curetagem e eletrocoagulação ou vaporização com laser de CO2 (Figura 2-4).

TÉCNICA EMPREGADA

Os pacientes devem evitar a ingestão de ácido acetilsalicílico, anti-inflamatórios, Vitamina E e ginko-biloba, por um período prévio à cirurgia de 15 dias. Esta solução não é empregada em pacientes medicados com anticoagulantes. A pressão arterial é aferida antes, durante, ao término da cirurgia e 4 horas após.

1- Fazer botão anestésico com lidocaína com epinefrina a 1:200.000, utilizando uma seringa tipo carpule e agulha 30G curta e, através desse botão, injetar até um quarto do tubete, ao redor da lesão, para assegurar uma anestesia superficial.

2- Introduzir a solução no subcutâneo, através de um pequeno pertuito feito com a ponta da lâmina de bisturi n.11, utilizando-se uma cânula com ponta romba, para evitar injeção acidental intravascular, acoplada a uma seringa de rosca, até provocar a intumescência desejada.

3- Aguardar 15 minutos para alcançar o efeito anestésico e a ação vasoconstritora adequados.

RESULTADOS

Em todos os pacientes não houve sangramento e dor significativos no intra ou no pós-operatório, embora, ocasionalmente, tenha sido necessário complementar a anestesia em algumas áreas, com a própria solução ou com pequenas quantidades de lidocaína a 2% com epinefrina a 1:200.000 (tubetes) em injeções mais superficiais.

COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES

A regra dos 4 permite a realização de diferentes procedimentos em diversas áreas do corpo com mínimo sangramento e sem alteração detectável da pressão arterial, mesmo em hipertensos. É fácil de memorizar, pode ser ajustada ao tamanho e ao local da lesão, aumentando-se ou diminuindo-se as concentrações da adrenalina, sem alterar muito a quantidade final de anestésico.

É crucial respeitar a dose máxima de 7 mg/kg de peso de lidocaína associada à adrenalina em adulto e 3,5 mg/kg em crianças. Em locais de maior sangramento, é possível intensificar a intumescência, injetando, além da solução, SF puro ou com adrenalina, sempre em quantidades precisamente controladas, variando a concentração entre 1:50.000 e 1:200.000. Também é possível, conscientemente, elevar ou reduzir a concentração da adrenalina na solução da regra dos 4. Colocando-se 8 gotas na solução, obtém-se uma concentração de 1:100.000 e 16 gotas, uma concentração de 1:50.000.

Quarenta mL da solução da regra dos 4 são suficientes para a execução da maioria dos pequenos procedimentos, completando-se a anestesia com ¼ (0,45 mL) a ½ (0,9 mL) do tubete de lidocaína a 2%, sem ou com epinefrina a 1: 200.000, injetados superficialmente, ou aumentando a intumescência com SF puro ou com adrenalina a 1:100.000 ou 1:200.000, introduzido na hipoderme. Lembrar de somar sempre a quantidade de anestésico injetada do carpule (1,8 mL = 36 mg de lidocaína a 2%) com a da solução (40,0 mL = 80 mg).

Não se deve guardar a solução intumescente, pois a adição da adrenalina e a elevação do pH pelo NaHCO3 diminuem a estabilidade da lidocaína. Recomendamos preparar no ato do procedimento a solução a ser utilizada.

Às vezes, é necessário completar a hemostasia ligando ou cauterizando os vasos mais calibrosos. Porém, utilizando-se a concentração adequada da adrenalina e fazendo-se uma significativa intumescência, isso costuma ser desnecessário.

É prudente aferir a pressão arterial antes de infiltrar a solução, mesmo em pacientes que não referem hipertensão.

É aconselhável fazer um curativo compressivo, para evitar sangramento tardio, e rever o paciente no dia seguinte para verificar possível hematoma, infrequente nos procedimentos feitos com a regra dos 4.

Referências

1 . Klein JA.Tumescent Technique.Philadelphia. Mosby;2000.470p

2 . Stewart JH; Cole GW; Klein JA. Neutralized lidocaine with epinephrine for local anesthesia. J. Dermatol Surg Oncol.1989;15:1081-3

3 . Thompson KD; Welyky S; Massa MC. Antibacterial activity of lidocaine in combination with a bicarbonate buffer. J Dermatol Surg Oncol 1993;19(3):216-20


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