Flávia Alvim Sant'Anna Addor1, Patricia Camarano Pinto Bombarda1, Felipe Fernandes de Abreu1
Keywords: QUEIMADURAS, OSMOSE, SINTOMAS LOCAIS
As queimaduras cutâneas são lesões traumáticas resultantes de efeito térmico (quente ou frio), químico, elétrico ou radioativo. A injúria determinada assume variadas proporções, dependendo do tempo de exposição e do tipo do agente causal, da extensão e profundidade da área lesada. 1
As queimaduras podem ser classificadas em quatro graus, de acordo com sua profundidade. 2,3
Na queimadura de primeiro grau, o local acometido é a epiderme, camada superficial da pele, e, devido à ausência de vascularização, não há sangramento. Pode ocorrer dor e hipersensibilidade, mas não existe a formação de bolhas. A reparação tecidual ocorre entre dois e sete dias, com descamação da epiderme.
O tratamento é basicamente sintomático, visando reduzir o desconforto dos sinais e sintomas, bem como promover a reparação cutânea.
Na queimadura de segundo grau a epiderme e parte da derme são destruídas, restando algumas ilhas epiteliais com folículos pilosos e glândulas sebáceas que servirão de base para a regeneração cutânea. Em geral, a cicatrização dos tecidos nesses dois tipos de queimadura ocorre entre 10 e 14 dias nas queimaduras de segundo grau superficial e entre três e cinco semanas nas de segundo grau profundo, em condições normais e sem ocorrência de infecção. O tratamento envolve cuidados locais, analgésicos, anti-inflamatórios e eventualmente antibióticos.
Na queimadura de terceiro grau a lesão atinge toda a espessura da epiderme, derme e o tecido celular subcutâneo, com eventual acometimento muscular. A úlcera será rígida e inelástica, denominada escara. A resolução ocorre apenas pelo crescimento epitelial a partir das bordas da ferida; a utilização de várias técnicas cirúrgicas de enxerto de pele de áreas não queimadas do corpo ou de banco de pele são os tratamentos de escolha, em ambiente hospitalar.
Na queimadura de quarto grau a lesão estende-se além da camada gordurosa subcutânea para outros tecidos subjacentes. Os limites entre as queimaduras de terceiro e quarto grau às vezes são de difícil definição, principalmente quando há infecção.
Outro índice usado para classificar as queimaduras é a extensão em porcentagem da superfície corporal da lesão, havendo mapas específicos para esse fim.
As queimaduras atingem indivíduos de todas as idades e de ambos os sexos, e a maior parte delas decorre de pequenos acidentes domésticos, em geral de primeiro grau e em pequenas áreas, acometendo, por exemplo, os membros superiores ou outras áreas expostas.
Alguns estudos vêm sendo desenvolvidos para avaliar aspectos físicos dos mecanismos de ação osmótica no processo inflamatório. Formulações com ação osmótica têm a capacidade de reduzir o exsudato inflamatório, diminuindo a sintomatologia e o risco de infecções. 4,5
Este estudo avaliou a ação de um hidrogel de ação osmótica (Osmogel ®) de uso tópico na diminuição da sintomatologia da queimadura superficial, considerada de primeiro grau.
Trata-se de estudo prospectivo, aberto.
Foram avaliados 35 pacientes de ambos os sexos com idade
entre 18 e 60 anos, com quadro de queimadura de primeiro
grau de qualquer etiologia ocorrida nas últimas 72 horas, atendidos entre agosto e setembro de 2011 no Serviço de
Dermatologia do Medcin Instituto da Pele (Osasco, São Paulo).
Pacientes com queimaduras com presença de exulceração, bolhas ou infecção secundária foram excluídos do estudo. Gestantes, nutrizes e pacientes com outras dermatoses concomitantes na área de estudo também não foram incluídos. Todos os pacientes foram avaliados por médico dermatologista para comprovação do diagnóstico de queimadura de primeiro grau, e nenhuma das lesões ultrapassou 9% da área tegumentar; foram então orientados a aplicar o produto teste na área lesada como monoterapia, com leve massagem, duas a três vezes ao dia; os pacientes foram também informados de que seriam contatados em cinco dias para avaliação da sintomatologia (ardência e/ou queimação) e sinais (eritema e edema), devendo também relatar alguma regressão dos sinais e sintomas de acordo com a seguinte classificação (0 = sem regressão; 1 = regressão parcial; 2 = regressão importante; 3 = regressão total). Após a inicial, duas avaliações dermatológicas foram realizadas: em 15 e em 30 dias depois do procedimento. Nessas avaliações, foram analisados os sinais de eritema e edema, de acordo com escala de quatro pontos: (0 = ausente, 1 = leve, 2 = moderado, 3 = intenso).
Para a avaliação do efeito restaurador da barreira cutânea, foram realizadas medidas de perda de água transepidérmica na área queimada, no início, em 15 dias e no final do estudo, em 30 dias. O equipamento utilizado foi o Tewameter TM 300 (Courage & Khazaka Berlim, Alemanha). 6
Os possíveis eventos adversos seriam classificados e acompanhados quanto à evolução de acordo com escala também de quatro pontos (0 = ausente, 1 = leve, 2 = moderado, 3 = intenso).
Este estudo foi conduzido de acordo com as normas internacionais de pesquisa para seres humanos (Declaração de Helsinque) e a resolução n. 196 de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde e suas atualizações.
Foi aplicado o teste de T-Student para dados pareados. O nível de significância considerado para testar a eficácia na redução dos critérios foi de 95%, e o poder do teste de 80%, com amostra de 35 voluntários considerando um drop out. Foi considerado desvio-padrão de 1,5 que foi calculado utilizando resultados de estudos de banco de dados em que foi medida a mesma variável com a mesma escala. A diferença entre medianas considerada para rejeitar a hipótese nula foi de 0,75 pontos.
Dos 35 pacientes que iniciaram o tratamento, 33 terminaram o estudo. Um dos dois pacientes excluídos evoluiu rapidamente com vesiculação, caracterizando queimadura de segundo grau e saindo, portanto, do critério de inclusão; o outro por não adesão às visitas.
Todos os pacientes finalizaram o estudo sem apresentar qualquer reação adversa, constatada clinicamente ou referida. Na amostra avaliada, houve predomínio do sexo feminino (90% da amostra);com relação à faixa etária, observa-se predomínio da ocorrência de queimaduras em adultos jovens, conforme demonstra o gráfico 1.
Com relação à etiologia da queimadura, em 100% da amostra avaliada tratou-se de queimadura de origem térmica (chama de fogão, água ou óleo quente, etc.) Com relação à avaliação clínica de eficácia, foram consideradas as médias do grau de eritema e edema.
Eritema
Embora o eritema em sua fase inicial fosse de leve a moderado, houve melhora significativa das médias de notas em 15 dias
(p<0,001) e em 30 dias (p<0,001).
Com relação ao contato telefônico em sete dias, 94% da amostra relatou regressão total do eritema, e 6% não obteve regressão significativa.
Edema
O edema foi considerado leve na maioria dos pacientes,
também alcançando redução significativa (<0,001) em ambos os
tempos experimentais.
No contato telefônico em sete dias, os mesmos pacientes que obtiveram melhora total do eritema relataram melhora total do edema. Dois pacientes não observaram melhora significativa desse sinal.
O gráfico 2 exibe as médias obtidas na visita inicial (T0), visita intermediária (T15d) e no final do estudo (T30d); nele, a redução da média representa melhora dos sinais avaliados.
Ardência e/ou queimação
De acordo com as médias obtidas, esse sintoma era predominantemente de intensidade leve nos pacientes avaliados.
No contato telefônico de sete dias, cinco pacientes relataram
melhora total da ardência (15%); 18 pacientes (54%) perceberam
regressão parcial, e 10 (30%) não observaram regressão do sintoma.
Na visita ao médico em 15 dias, 100% dos pacientes referiram o sintoma como ausente, assim como na visita final (T30); a diferença das médias foi considerada significativa (<0,001), conforme demonstra o gráfico 3.
Perda de água transepidérmica: avaliação instrumental A perda de água transepidérmica (TEWL) encontrava-se aumentada em 100% dos pacientes no início do estudo. Houve redução da média das medidas na avaliação de 15 dias (T15), mas sem significância estatística. A melhora significativa (p = 0, 0014), cuja média estava mais próxima das medidas obtidas em pele íntegra, foi obtida na medida de 30 dias (T30). Os resultados estão detalhados no gráfico 4.
A osmose é fenômeno de difusão ativa que ocorre com a influência da agitação molecular, quando duas soluções de diferentes concentrações estão divididas por membrana semipermeável, que deixa passar o solvente, mas não o soluto, devido à hipertonicidade, conforme demonstra a Figure 1.
Ao exercer efeito osmótico em um tecido inflamado, o sequestro do exsudato permite redução do ambiente inflamatório, com redução do edema e de outros sinais flogísticos como eritema e dor. 7
Essa propriedade osmótica provoca ação microbiocida indireta, por desidratação de micro-organismos como bactérias e fungos, detendo sua proliferação.
Esse efeito, sendo físico, não traz nenhum risco de resistência bacteriana ou fúngica. 8
De acordo com a osmolaridade do gel (efeito osmótico) um efeito molecular é observado: a captura de água e glicerina. Esse mecanismo atrai água (higroscopia) e, portanto, exerce efeito hidratante; então, quando aplicado na superficie da pele, auxilia no restabelecimento da barreira cutânea em sua porção hídricaEssa atividade também é coadjuvante na redução da resposta inflamatória local, além de oferecer alívio dos sintomas pelo efeito refrescante. 9
Produtos com efeito osmótico vêm sendo empregados em úlceras crônicas por auxiliar no controle da exsudação, além de desfavorecer a proliferação de micro-organismos. 10
O produto avaliado é composto de moléculas de glicerina, polietilenoglicol, octilenoglicol, carbopol, hidróxido de sódio e água, em balanço que confere níveis de osmolaridade muito elevados, estabelecidos em 1.277mosmol/kg H2O (osmolaridade medida através do microsmômetro Roebling e comparada a solução osmótica de cloreto de sódio a 0,9%). Esse efeito osmótico confere à substância sua força osmótica característica, de onde decorrem suas demais propriedades.
Esse mecanismo físico se mostra efetivo em processos inflamatórios cutâneos de leve a moderada intensidade; como não contém nenhum ativo farmacológico, o risco de efeitos adversos é mínimo.Também se mostrou eficiente no reparo da barreira cutânea, o que ficou demonstrado na melhora da perda de água transepidérmica de maneira progressiva, mesmo quando clinicamente a queimadura não era mais evidente.
As queimaduras de primeiro grau são as mais comuns, e embora não deixem sequelas e tenham resolução espontânea, trazem desconforto sobretudo quando acometem áreas mais extensas, como as queimaduras solares. 11
Os resultados obtidos no presente estudo demonstram que o uso diário da substância testada foi capaz de reduzir significativamente os sinais flogísticos, assim como os sintomas relacionados. Evidenciou-se também que, embora a intensidade dos sinais regrida rapidamente, a recuperação da barreira cutânea pode ser um pouco mais prolongada, o que talvez explique a maior duração da ardência ou queimação relatada, embora leve.
Os cuidados com esses pacientes são basicamente promover o alívio dos sintomas e restaurar a integridade cutânea através da redução do processo inflamatório. Embora compressas úmidas confiram alívio momentâneo, não são capazes de reduzir efetivamente a inflamação, colaborando apenas para a redução de temperatura, além de ser pouco práticas. 12
Este estudo se prestou a comprovar a segurança e eficácia de uma formulação com efeito osmótico na pele inflamada. Estudos posteriores devem ser conduzidos comparando-a com outras modalidades de tratamento ou mesmo em queimaduras de segundo grau ou outras dermatoses com inflamação leve a moderada, como picadas de inseto ou eritema solar.
A formulação estudada demonstrou efeito favorável na redução de sinais e sintomas decorrentes de queimaduras superficiais, possivelmente por seu efeito osmótico potente, demonstrando no grupo estudado perfil de tolerabilidade e segurança adequadas.
1 . Machado THS, Lobo JA, Pimentel PCM, Serra MCVF. Rev Bras Queimaduras. 2009; 8(1): 3-8.
2 . Marchesan WG; Barros, MEPM Initial burn therapy Medicina (Ribeiräo Preto). 1995;28(4):753-6.
3 . Gragnani A, Ferreira LM. Research in Burns. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(3):91-6.
4 . Vloemans AFPM, Soesmana AM, Suijkera M, Kreis RW, Middelkoop E. A randomised clinical trial comparing a hydrocolloid-derived dressing and glycerol preserved allograft skin in the management of partial thickness Burns. Burns. 2003;28(7):702-10.
5 . Jeong HS, Kim KS, Lee HK. Hydrocolloid Dressings in Skin Grafting for Immobilization and Compression. Dermatol Surg. 2011; 37(3): 320-324.
6 . Jonathan Hadgraft, Majella E. Lane. Transepidermal water loss and skin site: A hypothesis Int J Pharm. 2009; 373(1-2):1-3.
7 . Thomas S. Hydrocolloid dressings in the management of acute wounds: a review of the literature. Int Wound J. 2008;5(5):602-13.
8 . Edward I. Stout and Angie McKessor. Adv Wound Care. 2012; 1(1): 48-51.
9 . De Paepe K, Wibaux A, Ward C, Rogiers V. Skin Efficacy and Biophysical Assessment of Glycerol-Containing Hydrocolloid Patches. Skin Pharmacol Physiol. 2009;22:258-265.
10 . Weller C, Sussman G. Wound Dressings Update. J Pharm Pract Res. 2006; 36(4): 318-24.
11 . Thomas SS, Lawrence JC, Thomas A. Evaluation of hydrocolloids and topical medication in minor burns. J Wound Care. 1995;4(5):218-20.
12 . Edwards J. Hydrogels and their potential uses in burn wound management. Br J Nurs. 2010;19(11):s12, s14-6.