Luiz Roberto Dal Bem Pires Júnior1; Fernanda Nomoto Fujii1; Rafaella Castilho1; Waleska Ramos Alvim Lescowicz1; Rodolfo Barros Leite1; Anna Victoria Valiente Engelhorn2
Fonte de financiamento: Nenhuma.
Conflito de interesses: Nenhum.
Data de submissão: 04/11/2024
Decisão final: 13/02/2025
Como citar este artigo: Pires Júnior LRDB, Fujii FN, Castilho R, Lescowicz WRA, Leite RB, Engelhorn AVV. Lobuloplastia bilateral com técnica 'Snail' invertida para correção de lóbulos deformados por uso prolongado de alargadores. Surg Cosmet Dermatol. 2025;17:e20250418.
O alargamento dos lóbulos das orelhas remonta a diversas culturas ancestrais, nas quais simbolizava status social, identidade cultural e espiritualidade. A partir da década de 1970, popularizou-se no Ocidente como forma de autoexpressão. No entanto, o uso de alargadores pode resultar em deformidades que necessitam de correção cirúrgica. Diversas técnicas foram desenvolvidas ao longo do último século para esse fim. Este relato descreve o uso da técnica "snail" invertida, que utiliza dois retalhos, dobrando o retalho medial em espiral e possibilitando um ajuste harmonioso e simétrico, uma alternativa viável para correção de deformidades extensas e assimetrias.
Keywords: Modificação Corporal não Terapêutica; Deformidades Adquiridas da Orelha; Estética; Procedimentos de Cirurgia Plástica.
A prática de alargar lóbulos das orelhas remonta a diversas culturas ancestrais. No Egito Antigo, por exemplo, o faraó Tutancâmon usava alargadores, uma prática comum entre as elites, que simbolizava posição e poder.1 Na África, tribos como os Maasai, no Quênia, e os Mursi, na Etiópia, preservam essa prática até hoje, associando o tamanho do alargador à idade, sabedoria e respeito do indivíduo dentro da comunidade. O alargamento dos lóbulos também possui significado espiritual em algumas tribos da América do Sul e entre os povos indígenas da Ásia, que acreditam que abre "portais" ou "conexões" com o mundo espiritual.2 No Ocidente contemporâneo, os alargadores começaram a se popularizar nas décadas de 1970 e 1980, como parte de movimentos contraculturais, e se consolidaram nos anos 1990 e 2000, quando se tornaram uma forma de expressão pessoal e se associaram a subculturas e grupos alternativos. A prática passou a ser vista como uma modificação corporal ligada à individualidade e à autoexpressão, desvinculada de tradições e inserida no contexto urbano moderno.3 Embora os alargadores sejam historicamente empregados em muitas culturas para simbolizar status social, identidade cultural e espiritualidade, seu uso prolongado pode causar deformidades do lóbulo da orelha, que podem, por sua vez, necessitar correção cirúrgica. A busca por abordagens que garantam resultados estéticos e funcionais, preservando a anatomia natural do lóbulo e promovendo cicatrizes discretas, tem incentivado o desenvolvimento de novas técnicas de reparo. Neste relato de caso, descrevemos a utilização da técnica "snail" invertida para a reconstrução de lóbulos bilaterais deformados pelo uso prolongado de alargadores, diferindo da técnica descrita previamente em relação ao local de secção do ramo alargado do lóbulo.4
O paciente, de 29 anos, masculino, sem comorbidades, procurou atendimento especializado para correção de deformidades em ambos os lóbulos das orelhas decorrentes do uso prolongado de alargadores, com aumento gradual desde a adolescência. A apresentação clínica incluía lóbulos com orifícios de grande diâmetro e margens irregulares, além de assimetria entre os dois lados, o que tornava a correção um desafio estético (Figura 1). Após uma avaliação cuidadosa, foi indicada uma lobuloplastia bilateral utilizando a inovadora técnica "snail" invertida, escolhida pela sua capacidade de recriar o contorno natural do lóbulo, minimizando as cicatrizes visíveis e restaurando a simetria. Em ambiente ambulatorial, o procedimento teve início com a marcação da pele em torno da circunferência do ramo alargado do lóbulo (Figura 2A), com pontos específicos nas regiões medial e lateral. Após assepsia e antissepsia, foi realizada infiltração local com solução de Klein modificada, promovendo anestesia e vasoconstrição adequadas. Em seguida, o ramo alargado foi seccionado em sua porção lateral (Figura 2B), resultando em um retalho medial mais longo e um retalho lateral mais curto (Figura 2C). Para garantir a harmonização do novo lóbulo, procedeu-se à escarificação de todo o retalho lateral na superfície interna e na superfície externa do retalho medial, preservando parte da superfície externa do retalho lateral para formar a borda inferior do novo lóbulo. O retalho medial foi então dobrado sobre seu próprio eixo, assumindo um formato em espiral, o "snail" ou "caracol", e unindo-se às áreas cruentas dos dois retalhos. A estabilização foi feita com pontos simples de vicryl 4.0 entre as áreas escarificadas, seguidos por uma sutura contínua com nylon 5.0 em toda a extensão para fechamento da pele (Figura 2D). No pós-operatório, o paciente evoluiu de forma favorável, sem complicações, dor ou sinais de infecção (Figura 3). Apresentou cicatrização adequada e resultado estético satisfatório, com lóbulos simétricos e contorno harmonioso, em contraste com as assimetrias e deformidades observadas anteriormente (Figura 4).
A deformidade dos lóbulos das orelhas causada pelo uso prolongado de alargadores tem impulsionado a busca por técnicas cirúrgicas que possibilitem uma correção estética e funcional eficaz, visto que indivíduos com defeitos nos lóbulos das orelhas causados por piercings são mais propensos a sofrer efeitos negativos de imagem.5 A correção dessas deformidades requer um cuidado especial devido à complexidade anatômica e às exigências estéticas envolvidas, incluindo a preservação do contorno natural do lóbulo e a minimização de cicatrizes visíveis. Dadas as possibilidades cirúrgicas existentes, em geral se escolhe a técnica que deixará o lóbulo mais semelhante ao original, com forma arredondada e sem entalhes ou desníveis.6,7 Ao longo da história, várias técnicas foram desenvolvidas, desde a simples excisão em cunha de Miller em 1925 até técnicas mais complexas como a zetaplastia proposta por Hamilton e La Rossa em 1975. A evolução das técnicas de lobuloplastia reflete o esforço constante no sentido de melhorar os resultados estéticos e funcionais para os pacientes.6,8 Técnicas como a de Pardue, que busca preservar o orifício do lóbulo, podem gerar um desnível na borda inferior,8 enquanto métodos como o retalho em "V" de Kalimuthu e a técnica do retalho em "L" de Fatah e Fearon não preservam o orifício do lóbulo.9-11 Apesar disso, a taxa de satisfação relacionada aos resultados da lobuloplastia é de cerca de 92 a 100%,12,13 e a taxa de complicações pós-operatórias é baixa, variando de 0 a 33,3%. As complicações relatadas incluem cicatrizes hipertróficas, deprimidas ou largas, recorrência da fenda e infecções da ferida operatória.14,15 Neste caso, a técnica "snail" demonstrou sua eficácia ao utilizar o retalho medial dobrado em espiral para formar a nova borda do lóbulo, permitindo que o lóbulo recupere um contorno harmonioso e simétrico. A criação de retalhos de tamanhos distintos, com escarificação seletiva, contribui para um ajuste preciso entre os retalhos medial e lateral. Isso possibilita a correção de assimetrias, mantém boa vascularização, garante a suavidade do novo contorno e favorece a cicatrização sem tensão excessiva, o que minimiza a formação de cicatrizes inestéticas. Portanto, a técnica é uma alternativa para pacientes com deformidades significativas causadas por alargadores de grande diâmetro e longa duração. Este relato de caso contribui para a literatura ao apresentar uma técnica com resultado esteticamente adequado, ampliando as opções de tratamento para correção de deformidades extensas e com alta demanda estética. l
Luiz Roberto Dal Bem Pires Júnior
ORCID: 0009-0001-6728-420X
Aprovação da versão final do manuscrito, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Participação efetiva na orientação da pesquisa, Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito.
Fernanda Nomoto Fujii
ORCID: 0000-0001-5421-5865
Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados
Rafaella Castilho
ORCID:0009-0003-1437-2024
Revisão crítica do manuscrito
Waleska Ramos Alvim Lescowicz
ORCID: 0000-0002-0106-1097
Revisão crítica do manuscrito
Rodolfo Barros Leite
ORCID: 0009-0008-0854-3030
Revisão crítica do manuscrito
Anna Victoria Valiente Engelhorn
ORCID: 0000-0002-9427-6459
Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito
1. Tarlow S, Stutz LN, editors. The Oxford handbook of the archaeology of death and burial. Oxford: Oxford University Press; 2013.
2. Krutak L. Spiritual skin: magical tattoos and scarification. Edition Reuss; 2012.
3. Pitts V. In the flesh: the cultural politics of body modification. New York: Palgrave Macmillan; 2003.
4. Loureiro RS, Caropreso CA, Barboza Junior LCM, Ciancio IHL, Silva JLR, Sin SY. Snail Technique: Correção de Lóbulo Pós-Alargador.
5. Fung N, Hallock G, Kuzon W, Munshi J, Morrison C, Zins J, et al. Stretched earlobe piercings negatively impact casual observer perceptions. Facial Plast Surg. 2019;35(3):299-305.
6. Arasaratnam RBS, Halliday LA, Carr JS, Parkin I, Zoysa N. Repair of large holes in stretched earlobes. Clin Otolaryngol. 2011;36(6):588-98.
7. Maiolini VM, Sbroglio LL, Marques RB, Silva RT, D'Elia MLN. Proposal of a new surgical technique to repair gauge earlobe defect. Surg Cosmet Dermatol. 2020;12(4):374-81.
8. Patrocínio LG, Morais RM, Pereira JE, Patrocínio JA. Earlobe cleft reconstructive surgery. Rev Bras Otorrinolaringol. 2006;72(4):447-51.
9. Kalimuthu R, Larson BJ, Lewis N. Earlobe repair: a new technique. Plast Reconstr Surg. 1984;74(2):299-300.
10. Fatah MF. L-plasty technique in the repair of split earlobe. Br J Plast Surg. 1985;38(3):410-4.
11. Fearon J, Cuadros CL. Cleft earlobe repair. Ann Plast Surg. 1990;24(3):252-7.
12. Miller TR, Eisbach KJ. Repair of enlarged pierced-ear openings. Ear Nose Throat J. 2005;84(5):276-7.
13. Reiter D, Alford EL. Torn earlobe: a new approach to management with a review of 68 cases. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1994;103(11):879-84.
14. Ribeiro AA, Lourenço L, Matsuda TMHB, Ferrari NM. Split earlobe repair: literature review and new technique proposal. Surg Cosmet Dermatol. 2009;1(3):141-4.
15. Sharma R, Krishna S, Kumar S, Verma M. Rotation flap lobuloplasty: technique and experience with 24 partially torn earlobes. Int J Oral Maxillofac Surg. 2014;43(10):1206-10.