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Relato de caso

Ultrassom para uma melhor abordagem cirúrgica na hidradenite supurativa

Fernando Bulla-Alcala1; Claudia González2; Sara Cataño3; Juan Felipe Ochoa-Bermudez4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2025170433

Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesse: Nenhum
Data de submissão: 28/12/2024
Decisão final: 30/01/2025
Como citar este artigo: Bulla-Alcala F, González C, Cataño S, Ochoa-Bermudez JF. Ultrassom para uma melhor abordagem cirúrgica na hidradenite supurativa. Surg Cosmet Dermatol. 2025;17:e20250433.


Abstract

A hidradenite supurativa (HS) é uma doença inflamatória crônica que afeta áreas intertriginosas, caracterizada por nódulos dolorosos, abscessos, trajetos sinuosos e fístulas. A cirurgia é fundamental no tratamento, sendo potencialmente curativa e alcançando alta satisfação. Porém, avaliações pré-cirúrgicas enfrentam limitações para identificar trajetos fistulosos e nódulos profundos. O ultrassom surgiu como ferramenta para estadiamento, monitoramento, avaliação de resposta ao tratamento e planejamento pré-operatório, permitindo localizar lesões subclínicas e otimizar resultados cirúrgicos. Este estudo apresenta dois casos ilustrativos que demonstram a utilidade da ultrassonografia na avaliação pré-cirúrgica em pacientes com HS.


Keywords: Hidradenite Supurativa; Ultrassonografia Doppler; Procedimentos Cirúrgicos Ambulatórios


INTRODUÇÃO

A hidradenite supurativa (HS) é uma doença inflamatória crônica caracterizada por nódulos dolorosos, abscessos, trajetos sinuosos e fístulas, e afeta principalmente regiões intertriginosas, como as axilas e a virilha.1,2 O tratamento é abrangente, incluindo antibióticos, retinoides, antibioticoterapia e intervenções cirúrgicas.3 A cirurgia permanece fundamental, pois é a única opção potencialmente curativa e atinge altos níveis de satisfação, independentemente da gravidade da doença.4

Diversos sistemas de classificação são utilizados para avaliar a gravidade da HS. O mais amplamente reconhecido é a Escala de Hurley, que estadia a doença em três níveis.2 Contudo, as classificações tradicionais têm limitações, incluindo a avaliação imprecisa da inflamação.5,6 Para resolver essas questões, novas escalas foram desenvolvidas. A escala de Hurley Modificada avalia a área de envolvimento da superfície corporal, inflamação e lesões migratórias,7 enquanto o IHS4 (International Hidradenitis Suppurativa Severity Score System) avalia dinamicamente nódulos, abscessos e trajetos fistulosos ao longo do tempo.5,6

O exame físico de pacientes com HS tem limitações, pois trajetos fistulosos e nódulos profundos muitas vezes não podem ser detectados apenas por palpação.7 Essa limitação pode levar a tratamentos médicos e cirúrgicos inadequados.7-11 Os exames de imagem enfrentam esses desafios ao esclarecer a morfologia e gravidade da lesão, registrar a evolução da doença e auxiliar no mapeamento pré-cirúrgico.12 Os métodos de imagem incluem ultrassonografia e RM.13-15 A ultrassonografia de alta resolução com estudo de Doppler é particularmente eficaz, permitindo a detecção segura e precisa de lesões subclínicas e inflamação ativa. Hoje, ela é considerada a conduta padrão para diagnóstico, estadiamento e localização pré-operatória de lesões-alvo em HS.7,16-23

 

MÉTODO

Apresentamos dois casos de pacientes tratados em um Centro de Cirurgia Dermatológica em Bogotá, Colômbia. Ambos os pacientes, diagnosticados com HS encaminhados para intervenção cirúrgica, foram submetidos a ultrassonografia de alta frequência para localização e marcação da lesão. Foi obtido o consentimento informado.Casos Clínicos

Caso 1

Uma mulher de 25 anos com HS grave (Hurley estágio III; IHS4: 19 pontos) foi tratada com uma combinação de tratamento médico (antibióticos orais) e cirurgia. A ultrassonografia pré-operatória identificou edema dérmico isolado, dilatação folicular, nódulos císticos e fístulas nas regiões inguinais bilaterais. Uma fístula complexa tipo II se estendia da região inguinal direita distal até a coxa proximal, enquanto uma fístula tipo III foi observada na região inguinal esquerda. A marcação guiada por ultrassonografia das lesões-alvo facilitou a ressecção cirúrgica (Figura 1). Seis meses após o procedimento, a paciente apresentava cicatrização adequada, sem recorrência.

Caso 2

Uma mulher de 58 anos com HS nas regiões inguinal, interglútea e glútea tinha histórico de tratamento biológico e múltiplas ressecções cirúrgicas. A ultrassonografia pré-operatória identificou uma fístula tipo III com fibrose significativa na nádega direita proximal e uma fístula tipo II com fibrose leve e edema na dobra infraglútea. A marcação das lesões garantiu a ressecção cirúrgica precisa (Figura 2). Os desfechos pós-operatórios foram bem-sucedidos, sem complicações ou recorrência no seguimento de um ano.

 

RESULTADOS

Desfechos pós-operatórios satisfatórios foram obtidos para ambas as pacientes, o que demonstra a eficácia da ressecção cirúrgica guiada por ultrassonografia em melhorar a precisão cirúrgica e reduzir a recorrência.

 

DISCUSSÃO

O planejamento pré-cirúrgico baseado exclusivamente em parâmetros clínicos muitas vezes subestima a extensão e a gravidade das lesões de HS.22 O exame visual e a palpação não conseguem identificar lesões profundas ou subclínicas, o que resulta em margens cirúrgicas incompletas e maior risco de recorrência.7,23 Os exames de imagem, especialmente a ultrassonografia, tratam essas limitações por meio do fornecimento de informações detalhadas sobre os limites, atividades subclínicas e gravidade das lesões.7,18 A ultrassonografia de alta resolução com estudo de Doppler é particularmente útil para o estadiamento da doença, monitoramento da resposta ao tratamento e orientação do planejamento pré-operatório.7,18,24-26

A modified Sonographic Scoring of Hidradenitis Suppurativa (mSOS-HS) é uma ferramenta validada para o estadiamento de HS com base em achados ultrassonográficos27:

O Estágio I inclui uma coleta de fluido e alterações na derme, como pseudocistos ou dilatações foliculares.

O Estágio II envolve duas a quatro coletas de fluidos ou um trajeto fistuloso com alterações dérmicas que afetam até dois segmentos corporais.

O Estágio IIIA envolve cinco ou mais coletas de fluido ou múltiplos trajetos fistulosos, enquanto o Estágio IIIB envolve fístulas extensas, bilaterais ou interconectadas.

A ultrassonografia também categoriza as fístulas em três tipos, com base em fibrose e edema25:

1. Tipo I: Fibrose mínima e edema baixo.
2. Tipo II: Fibrose moderada e edema baixo.
3. Tipo II: Fibrose grave e edema significativo.

Detectar a fibrose é particularmente importante, pois lesões fibróticas têm menor probabilidade de resposta à terapia medicamentosa.25,28 Esses casos muitas vezes requerem uma combinação de tratamento médico e cirúrgico.18 Ao delimitar as lesões subclínicas e determinar a profundidade da fístula, a ultrassonografia melhora significativamente a precisão cirúrgica.7,17,18,24-27

Determinados fatores do paciente aumentam a probabilidade de margens cirúrgicas inadequadas, incluindo obesidade, sexo masculino, doença Hurley Estágio II e escores IHS4 elevados.23 Esses pacientes são os que mais se beneficiam da ultrassonografia pré-operatória, pois esta melhora a localização da lesão, reduz os índices de recorrência e otimiza os desfechos cirúrgicos.7,18,24-26 Estudos mostram que procedimentos cirúrgicos guiados por ultrassonografia melhoram a delimitação da margem e reduzem a recorrência até 24 semanas de pós-operatório.23

Nos casos apresentados neste relato, ressecções locais amplas guiadas por ultrassonografia garantiram a remoção total da lesão e a cicatrização bem-sucedida no pós-operatório. A ultrassonografia forneceu informações pré-operatórias detalhadas, detectando lesões subclínicas e orientando a ressecção precisa, o que minimizou a recorrência e melhorou os desfechos.

 

CONCLUSÃO

A HS é uma doença crônica que gera demandas significativas para o médico assistente devido ao seu manejo complexo. A cirurgia é fundamental, sendo a única intervenção potencialmente curativa. A ultrassonografia de alta frequência tem um papel inestimável no planejamento pré-operatório, permitindo a detecção de lesões subclínicas, o mapeamento preciso das lesões e a melhoria dos desfechos cirúrgicos. Incorporar a ultrassonografia ao manejo padrão da HS aumenta a eficácia do tratamento, reduz a recorrência e garante o melhor atendimento ao paciente.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Fernando Bulla-Alcala
ORCID:
0000-0001-6013-8608
Aprovação da versão final do manuscrito; Concepção e planejamento do estudo; Elaboração e redação do manuscrito; Participação efetiva na orientação da pesquisa; Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; Revisão crítica da literatura; Revisão crítica do manuscrito
Claudia González
ORCID:
0000-0003-2618-308X
Aprovação da versão final do manuscrito; Concepção e planejamento do estudo; Elaboração e redação do manuscrito; Participação efetiva na orientação da pesquisa; Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; Revisão crítica da literatura; Revisão crítica do manuscrito
Sara Cataño
ORCID:
0000-0001-5183-6973
Aprovação da versão final do manuscrito; Concepção e planejamento do estudo; Elaboração e redação do manuscrito; Participação efetiva na orientação da pesquisa; Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; Revisão crítica da literatura; Revisão crítica do manuscrito
Juan Felipe Ochoa-Bermudez
ORCID:
0000-0003-0038-4692
Aprovação da versão final do manuscrito; Elaboração e redação do manuscrito; Obtenção, análise e interpretação dos dados; Participação efetiva na orientação da pesquisa; Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; Revisão crítica da literatura; Revisão crítica do manuscrito

 

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