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Artigo Original

Enxerto autólogo de melanócitos por técnica de micropunch em pacientes com vitiligo estável: estudo piloto em um hospital terciário no Brasil

Carlos Gabriel Sánchez Urresta; Vivian Nunes Arruda; Ana Cristina Fortes Alves; Nelson Marcos Ferrari; Maria Victória Quaresma

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2025170424

Fonte de financiamento: Nenhuma.
Conflito de interesses: Nenhum.
Data de Submissão: 18/11/2024
Decisão final: 16/01/2025
Como citar este artigo: Urresta CGS, Arruda VN, Alves ACF, Ferrari NM, Quaresma MV. Enxerto autólogo de melanócitos por técnica de micropunch em pacientes com vitiligo estável: estudo piloto em um hospital terciário no Brasil. Surg Cosmet Dermatol. 2025;17:e20250424.


Abstract

INTRODUÇÃO: O vitiligo é uma condição dermatológica que causa a perda de pigmentação da pele, afetando significativamente a qualidade de vida dos pacientes devido ao estigma social. Apesar das várias abordagens terapêuticas, incluindo tratamentos tópicos, sistêmicos e fototerapia, muitos casos permanecem refratários.
OBJETIVO: Relatar uma série de casos para avaliar a eficácia do enxerto autólogo de melanócitos utilizando a técnica de micropunch.
Métodos e RESULTADOS: Foram selecionados 9 pacientes com vitiligo estável e refratário, totalizando 15 cirurgias. Desses, 93,3% apresentaram algum grau de repigmentação na área tratada, com formação de um halo de pigmentação ao redor dos enxertos, conforme observado no seguimento fotográfico pós-cirúrgico. A face interna do braço foi a área doadora mais utilizada (60%). As complicações foram mínimas: 1 paciente (6,7%) apresentou cicatriz hipertrófica na área doadora; 3 pacientes (20%) desenvolveram o "efeito de pedra em calçamento" na área receptora, sendo que, em 1 dos casos, a condição se resolveu espontaneamente após 6 meses. Também houve perda parcial dos enxertos em 1 paciente (6,7% das cirurgias).
CONCLUSÃO: Os resultados indicam que a técnica de micropunch é uma alternativa viável e segura para o manejo do vitiligo estável, oferecendo uma nova opção terapêutica para casos resistentes aos tratamentos convencionais.


Keywords: Vitiligo; Transplante de Pele; Pigmentação da Pele; Transplante Autólogo.


INTRODUÇÃO

O vitiligo é um distúrbio de pigmentação autoimune caracterizado pela destruição seletiva dos melanócitos, resultando em manchas acrômicas na pele que podem afetar qualquer região do corpo, incluindo mucosas.1,2 A prevalência global do vitiligo varia entre 0,5% e 2,3%, e a condição é conhecida por impactar significativamente a qualidade de vida dos indivíduos devido ao estigma social associado às lesões visíveis.3,4 O vitiligo é classificado em 2 variantes principais: vitiligo segmentar (VS), que acomete uma única área ou segue um dermátomo, e vitiligo não segmentar (VNS), que apresenta lesões dispersas em várias regiões.5,6 Estudos indicam que o VS tende a responder de forma mais favorável a intervenções cirúrgicas devido à sua distribuição restrita, em contraste com o VNS, que costuma ter uma evolução mais imprevisível.7 Os tratamentos para o vitiligo incluem abordagens farmacológicas (tópicas e sistêmicas), terapias físicas (laser e fototerapia) e intervenções cirúrgicas, cada uma com suas limitações e indicações específicas.8,9 No entanto, muitos pacientes não alcançam resultados satisfatórios com essas abordagens convencionais, especialmente aqueles com VS e lesões estáveis. Dada essa limitação, o microenxerto por punch tem sido explorado como uma alternativa viável para a repigmentação cutânea, oferecendo uma opção de fácil execução e com potencial de bons resultados estéticos.1,10 O objetivo deste estudo é avaliar o grau de repigmentação do transplante autólogo de melanócitos com a técnica de micropunch no tratamento de áreas acrômicas em pacientes com vitiligo estável com histórico de resistência a abordagens clínicas convencionais.

 

MÉTODOS

Esta pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) em 09/02/2024, parecer Nº 6.644.970 e CAAE Nº 76811824.6.0000.0068. Foi realizado um estudo piloto em série de casos, visando avaliar o grau de repigmentação nas áreas tratadas com a técnica de microenxerto por punch em pacientes adultos com 18 anos ou mais, diagnosticados com vitiligo estável. Os pacientes foram atendidos no Ambulatório de Inestética do Departamento de Dermatologia do HCFMUSP de novembro de 2023 a dezembro de 2024. Os critérios de inclusão foram: pacientes com 18 anos ou mais; diagnóstico clínico de vitiligo estável; presença de manchas com área igual ou superior a 2 cm2, medidas previamente com régua milimetrada; estabilidade da doença por no mínimo 1 ano, caracterizada pela ausência de novas lesões, aumento da despigmentação nas lesões existentes ou fenômeno de Koebner; e casos refratários a terapias convencionais, incluindo medicamentos tópicos, sistêmicos e fototerapia, com uso dessas terapias por pelo menos 6 meses. Os critérios de exclusão foram: pacientes em uso atual de terapias físicas ou de corticoterapia tópica ou sistêmica, bem como aqueles que utilizaram essas terapias nos últimos 3 meses; gestantes; indivíduos com histórico de cicatrizes hipertróficas e/ou queloides; e pacientes que não concordaram em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

Técnica cirúrgica

Antes da cirurgia, foi realizada a marcação das áreas doadoras e receptoras, seguida de antissepsia com solução de clorexidina alcoólica a 2% (Figura 1 - A). A anestesia local foi administrada com lidocaína a 2% e adrenalina na diluição de 1:200.000. A técnica de microenxerto por punch, descrita pela primeira vez por Falabella em 1978,1 consiste em transplantar tecido epidérmico e dérmico de uma área doadora para uma área receptora utilizando punches de diâmetro reduzido (1 a 2 mm).1,7,10 Para este estudo, foi utilizado um punch de 2 mm para a obtenção dos microenxertos (Figura 1 - B, C). Após a coleta, os enxertos foram armazenados em solução salina a 0,9%. Na área receptora, foi utilizado um punch de menor diâmetro (1 mm) para a criação dos leitos receptores dos enxertos (Figura 1 - D). As áreas doadoras foram protegidas com vaselina e curativos de gaze e micropore® (Figura 1 - E, F). A quantidade de enxertos retirados e leitos criados variou conforme a extensão da área a ser repigmentada, com um espaçamento entre leitos de aproximadamente 0,5 a 1,0 cm, permitindo a fusão dos halos pigmentares gerados por cada enxerto (Figura 1 - D). Os enxertos foram colocados de forma delicada com a ajuda de uma pinça Adson curva, sempre procurando deixar o lado dérmico do enxerto em contato com o leito (Figura 1 - E). Após a colocação de todos os enxertos, foi realizado um curativo em 2 camadas: o curativo interno, logo acima dos enxertos, feito com vaselina e micropore®, e o curativo externo, com gaze e esparadrapo (Figura 1 - F). O paciente foi orientado, logo após o término do procedimento cirúrgico, a manter o curativo externo da área receptora e o curativo da área doadora por 48 horas. Após esse período, o paciente foi instruído a realizar diariamente em casa a higienização, remoção de crostas hemáticas e troca de curativos. O curativo interno da área receptora foi mantido e removido 14 dias após o procedimento (Figuras 2 e 3), quando se iniciou a avaliação dos resultados conforme o protocolo estabelecido, acompanhando a evolução e o grau de repigmentação por meio de registro fotográfico no dia 14 do pós-operatório e, posteriormente, mensalmente (Figuras 2 e 3).

 

RESULTADOS

Um total de 9 pacientes foi incluído no estudo, sendo 6 mulheres (66,7%) e 3 homens (33,3%), com idade média de 33,6 anos. A variante VS foi predominante na amostra, presente em 8 pacientes (88,9%), enquanto apenas 1 paciente (11,1%) apresentou VNS. Todos os participantes apresentavam histórico de estabilidade da doença, com tempo médio de 5,5 anos, variando de 2 a 11 anos. Além disso, todos haviam recebido tratamentos prévios, como corticosteroides tópicos, inibidores de calcineurina, fototerapia e corticoterapia sistêmica há mais de 3 anos antes da cirurgia. No entanto, esses tratamentos não resultaram em repigmentação satisfatória, o que os qualificou como candidatos ao transplante autólogo de melanócitos. No total, foram realizadas 15 cirurgias (100%) entre os 9 pacientes. Desses, 1 paciente foi submetido a 3 cirurgias, 4 pacientes realizaram 2 cirurgias cada, e os outros 4 pacientes passaram por apenas 1 cirurgia. Entre as 15 intervenções realizadas, 14 (93,3%) demonstraram algum grau de repigmentação na área tratada, evidenciada pela formação de um halo pigmentado ao redor dos enxertos, conforme registrado durante o acompanhamento fotográfico. A face interna do braço foi a área doadora mais frequentemente utilizada, sendo escolhida em 9 cirurgias (60%), seguida pelo glúteo em 2 ocasiões (13,3%), a região lombossacral em 1 (6,7%), a região retroauricular em 1 (6,7%) e a face interna da coxa em 1 (6,7%). Foram registradas poucas complicações nas áreas doadoras e receptoras. Na área doadora, apenas 1 paciente (6,7% das cirurgias) desenvolveu cicatriz hipertrófica (Figura 4 - A), o que evidencia a segurança do procedimento na maioria dos casos. Na área receptora, 3 pacientes (20% das cirurgias) apresentaram o "efeito pedra de calçamento" (Figura 4 - C), caracterizado por uma textura irregular da pele enxertada, com pequenas elevações semelhantes a pedras. Em 1 dos casos (6,7% das cirurgias), essa condição se resolveu espontaneamente após 6 meses de seguimento. Além disso, 1 paciente (6,7% das cirurgias) apresentou enxertos que não geraram repigmentação (Figura 4 - B), uma complicação conhecida como enxertos estáticos. Por fim, 1 paciente (6,7% das cirurgias) teve perda significativa de enxertos, com mais de 50% na primeira cirurgia (Figura 4 - D) e menos de 50% na segunda.

 

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo piloto sugerem que a técnica de microenxerto por punch pode ser uma alternativa viável para o tratamento do vitiligo estável e refratário. A predominância de VS na amostra (88,9%) está alinhada com outras pesquisas que indicam uma resposta mais favorável desse subtipo de vitiligo às intervenções cirúrgicas devido à menor extensão e distribuição das lesões.1,7 O tempo médio de estabilidade da doença (5,5 anos no nosso estudo) reforça a importância da seleção criteriosa dos candidatos à cirurgia. Pacientes com vitiligo estável por um longo período têm menor risco de desenvolvimento de novas lesões após a intervenção, fator essencial para o sucesso do tratamento.3,6 Em relação às complicações, a ocorrência de cicatriz hipertrófica na área doadora em apenas 1 paciente reforça a segurança da técnica na maioria dos casos. As complicações na área receptora, como o "efeito pedra de calçamento" e a perda parcial dos enxertos, são consistentes com os achados de outros estudos, que indicam que esses efeitos são relativamente comuns em procedimentos de microenxerto. No entanto, esses problemas podem ser minimizados com o aprimoramento das técnicas de aplicação, como o uso de micropunches com diâmetro inferior a 2 mm, a confecção de enxertos finos compostos apenas pela epiderme e derme superficial, o uso de instrumental adequado e o monitoramento pós-operatório rigoroso.8,9 O uso predominante da face interna do braço como área doadora (60%) demonstra sua adequação para o procedimento, considerando a acessibilidade e a compatibilidade com as características da área receptora. Outras áreas, como o glúteo e a região retroauricular, foram escolhidas para pacientes com necessidades específicas, o que sugere que a seleção da área doadora deve ser personalizada conforme as características anatômicas e estéticas de cada caso.4,5 Este estudo possui limitações, incluindo o pequeno tamanho da amostra e a ausência de grupo controle, o que dificulta a generalização dos resultados. No entanto, os dados obtidos fornecem uma base importante para estudos futuros e reforçam o potencial da técnica de microenxerto por punch como opção terapêutica para o VS estável e refratário.

 

CONCLUSÃO

O vitiligo é uma condição dermatológica com prevalência significativa, especialmente em um país como o Brasil. Embora não seja fisicamente incapacitante, suas lesões são altamente estigmatizantes, impactando profundamente a qualidade de vida dos pacientes. Apesar da variedade de tratamentos clínicos disponíveis, muitos casos permanecem refratários a terapias convencionais. Neste contexto, a técnica de enxerto de melanócitos por micropunch surge como uma alternativa promissora, combinando eficácia e facilidade de execução. Esse procedimento pode trazer benefícios substanciais para a qualidade de vida de pacientes com vitiligo estável, oferecendo uma opção terapêutica para aqueles que não respondem adequadamente aos tratamentos tradicionais.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Carlos Gabriel Sánchez Urresta
ORCID:
0000-0002-7332-9435
Concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do manuscrito, obtenção, análise e interpretação dos dados, revisão crítica da literatura, revisão crítica do manuscrito.
Vivian Nunes Arruda
ORCID:
0000-0002-7114-1869
Aprovação da versão final do manuscrito, participação efetiva na orientação da pesquisa, revisão crítica do manuscrito.
Ana Cristina Fortes Alves
ORCID:
0009-0009-0485-6205
Aprovação da versão final do manuscrito, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Nelson Marcos Ferrari
ORCID:
0009-0008-3556-4611
Participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Maria Victória Quaresma
ORCID:
0000-0003-2891-1650
Aprovação da versão final do manuscrito, concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do manuscrito, participação efetiva na orientação da pesquisa, revisão crítica da literatura, revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS:

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