Cinthia Trisóglio1; Silvia Maria de Souza Quaggio2
Fonte de financiamento: Nenhuma.
Conflito de interesses: Nenhum.
Data de Submissão: 25/10/2024
Decisão final: 30/01/2025
Como citar este artigo: Trisóglio C, Quaggio SMS. Correção secundária da orelha em abano com otoplastia fechada. Surg Cosmet Dermatol. 2025;17:e20250416.
A orelha em abano é uma deformidade congênita comum, afetando cerca de 5% da população, além de prejudicar a autoestima e o bem-estar psicológico. Relatar um caso de otoplastia fechada em uma paciente de 37 anos, insatisfeita com o resultado de uma otoplastia aberta realizada na infância, com recidiva e apagamento da anti-hélice. A técnica fechada, sem incisão, foi realizada com anestesia local e suturas percutâneas Mustardé, criando a curva anti-helicoidal sem necessidade de incisões. Procedimento realizado em ambiente ambulatorial, com suturas enterradas sob a pele e sem pontos aparentes, seguido de uso noturno de faixa para imobilização por 2 meses. A cirurgia foi concluída em cerca de 30 minutos por orelha, sem intercorrências. A paciente relatou dor leve a moderada nos primeiros dias, aliviada com analgésicos. Não foram observadas complicações, como hematomas ou queloides, nos retornos de 2 e 24 meses. A paciente apresentou alta satisfação com o resultado estético e modelação da anti-hélice. A otoplastia fechada mostrou-se uma alternativa eficaz e segura para correção de orelhas proeminentes, com benefícios estéticos e psicológicos significativos, sendo adequada para casos de deformidade leve a moderada.
Keywords: Cirurgia Plástica; Anestesia; Procedimentos Cirúrgicos Menores.
A orelha em abano representa a deformidade congênita mais comum da orelha externa, afetando aproximadamente 5% da população geral. Um rosto harmônico vai muito além do que só os cuidados com a pele, a correção da orelha em abano para sua anatomia ideal faz toda a diferença para o embelezamento da face, além de melhorar problemas psicológicos, trazendo mais autoestima e autoconfiança. Diversos autores têm descrito técnicas para o tratamento das orelhas proeminentes. A orelha proeminente é causada principalmente pela ausência de curva anti-helicoidal e/ou por hipertrofia conchal e rotação anterior do lóbulo. Para corrigir cirurgicamente a orelha proeminente, mais de 200 técnicas foram sugeridas. A existência de tantas abordagens destaca o fato de que nenhuma técnica pode corrigir todos os casos e que novas técnicas e modificações continuarão a ser desenvolvidas. Existem 3 grupos principais de técnicas cirúrgicas usadas para corrigir orelha proeminente: técnicas de corte de cartilagem (CCT), técnicas de preservação de cartilagem (CST) e técnicas sem incisão ou fechada. Destacando-se Mustardé1 e Furnas,2 que foram os pioneiros no uso de suturas concha-escafa e concha-mastoide com pouca ou nenhuma incisão de cartilagem, sendo a base da otoplastia sem incisão, que inspirou Fritsch3 e Peled4 a descreverem a técnica de otoplastia sem incisão, pela qual as suturas permanentes são usadas para recriar a anti-hélice, sendo colocadas por via percutânea e enterradas pelos orifícios das agulhas ao longo do caminho, tornando um tratamento cirúrgico mais versátil, simples e mais seguro. Nos últimos anos, tem havido crescentes pedidos de métodos minimamente invasivos de otoplastia. As razões por trás desse desenvolvimento são a busca de métodos para minimizar as técnicas cirúrgicas invasivas e, por outro lado, a redução dos riscos pós-operatórios, incluindo hematoma e aumento da cicatriz. Peled4 publicou a ideia de uma otoplastia sem incisão (knifeless otoplasty) e Fritsch3 descreveu a otoplastia sem incisão (incisionless otoplasty) em 1995. Fritsch aplicou sua técnica em orelha de abano protuberante, uma técnica apenas de sutura, criando uma nova dobra anti-hélice com suturas de colchoeiro horizontais colocadas percutaneamente e subcutaneamente. Uma modificação dessa técnica é descrita por Peled como "otoplastia sem incisão", combinando uma técnica de sutura semelhante à de Fritsch com pontuação cega da anti-hélice anterior por meio de uma pequena incisão na pele na área da cauda anterior na anti-hélice. Serdev5 afirmou que "os levantamentos Serdev Suture® transcutâneos de abordagem fechada abrangem o conceito principal de suspensão e/ou reposicionamento de sutura". Nikolay usa agulha de aneurisma Deschamps (calibre 30), que é mais traumatizante do que a agulha de seringa curva personalizada (calibre 28) usada na técnica relatada. Ambas as agulhas poderiam ser usadas para passar fios e pontuar a cartilagem. Merck6 adotou o método de Peled com modificação do fio-guia, colocação dorsal dos nós e nenhum processamento da cartilagem, mas essa técnica, 4 em 1 colchoeiro para dobrar a anti-hélice mal definida, não corrigiu outras deformidades da orelha como hipertrofia conchal ou ângulo concha-mastoide. A escolha cirúrgica da técnica deve ser personalizada para cada paciente de acordo com a avaliação pré-operatória meticulosa. Portanto, nosso objetivo é relatar o caso de uma paciente de 37 anos que já havia realizado um otoplastia aberta prévia aos 7 anos de idade. Mesmo assim, ela ainda se encontrava insatisfeita, pois com a cirurgia aberta não proporcionou a total correção da orelha de abano. Optamos por fazer uma abordagem secundária com a técnica de otoplastia fechada para o tratamento da anti-hélice.
A técnica da otoplastia fechada consiste em uma abordagem cirúrgica fechada para corrigir as orelhas proeminentes. Realizamos uma anestesia tumescente promovendo um deslocamento anterior e posterior das cartilagens, realizando suturas horizontais subcutâneas permanentes percutâneas, com fios inabsorvíveis por via anterior sem incisão. As suturas Mustardé percutâneas em colchão são apropriadamente colocadas formando então a curva anti-helicoidal. Para garantir que cada sutura seja enterrada sob a pele, a agulha deve reentrar na pele a partir do mesmo ponto exato em que sai. (Figura 1) A indicação principal foi corrigir as alterações que provocaram o apagamento da anti-hélice do pavilhão auricular sem a necessidade de incisões. Após passar por anamnese, a paciente selecionada, em ambiente ambulatorial, sem necessidade de sedação ou anestesia geral, foi submetida a uma antissepsia rigorosa e colocação de campos estéreis descartáveis. Na demarcação da nova anti-hélice foi utilizada uma caneta cirúrgica de azul de metileno de ponta dupla fina/grossa, sendo realizada 3 marcações. A anestesia injetada na anti-hélice foi uma solução de lidocaína a 1% com adrenalina 1/200.000, obtendo branqueamento e distribuição adequada da solução no aspecto anterior e posterior da orelha, como um dos objetivos a expansão e deslocamento da pele da cartilagem. Foram aguardados 10 minutos entre a aplicação anestésica com finalidade de aumentar a eficiência de ação vasoconstritora. Agulhas hipodérmicas 22G são utilizadas nas marcações prévias para marcar percutaneamente a cartilagem no nível onde a dobra anti-hélice deve ser criada, sendo colocadas percutaneamente seguindo um tipo de sutura de colchão horizontal Mustardé, onde enumeramos pontos 1-2-3-4 para recriar a dobra da anti-hélice e reduzir a parte da proeminência conchal. O primeiro ponto foi transfixado na pele da face posterior do pavilhão auricular no ponto 1, passando pelo tecido subcutâneo e saindo na pele na marcação 2, entrando novamente nesse mesmo orifício, agora para transfixar a cartilagem profundamente, indo até o ponto 3, onde emerge e entra novamente no mesmo orifício e vai até o ponto 4 no subcutâneo, saindo no ponto 4, passando a sutura profundamente transfixando a cartilagem, sem sair na pele anteriormente, seguindo até o ponto 1, fechando a sutura, finalizando com amputação do nó. Transfixando apenas a pele retorna a região inicial formando um "desenho retangular", suturas em U de Mustardé (Figura 2) e (Figura 3). Lembrando sempre que a agulha de sutura sempre entra e sai da pele entre a superfície e o pericôndrio através do mesmo orifício e trato da agulha (Figura 1). Transfixação da agulha subdérmica para ocultar o ponto e cortar bem rente a pele. Observação do posicionamento e deslocamento posterior do pavilhão auricular e formação da nova anti-hélice. Foram realizadas de 2 a 3 suturas na região posterior e na região anterior ao longo da anti-hélice apagada. No curativo foram inseridas gaze compressiva e fita de micropore esterilizada. Nessa técnica, não há ressecção de pele, raspagem ou incisões na cartilagem, nem pontos aparentes e nem necessidade de retirada de pontos. Recomenda-se, no pós-operatório, o uso de faixa, para imobilizar a orelha junto à cabeça para evitar dobras acidentais, somente no período noturno por 2 meses. O acompanhamento foi realizado por meio de fotos e retorno da paciente para avaliar alterações e complicações, como recidiva e infecções, em 15 dias, 2 meses e 24 meses. Todo procedimento é realizado por agulha minimamente invasiva. Por esta razão, complicações são minimizadas, pois não há planos de dissecção ou criados retalhos cutâneos, nem ressecção de pele, raspagem ou incisões na cartilagem, nem pontos aparentes e não há necessidade de retirada de pontos. Recomenda-se, no pós-operatório, o uso de faixa, para imobilizar a orelha junto à cabeça para evitar dobras acidentais, somente no período noturno por 2 meses. Por essa razão, no pós-operatório os cuidados são mínimos.
A otoplastia foi realizada sem incisões e, portanto, sem cicatrizes, com tempo médio cirúrgico de 30 minutos por orelha. Todo o procedimento foi realizado com anestesia local sem sedação. A paciente relatou dor leve a moderada nos primeiros 3 dias de pós-operatório, que atenuou com uso de analgésicos. Foram utilizados nos orifícios de entrada do fio, pomada cicatrizante por 15 dias e solicitado uso de antibiótico oral por 7 dias. Não apresentou após retorno de 2 meses nenhuma complicação ou intercorrência como equimose, edema, necrose, hiperestesia, queloide, recidiva, exposição de pontos ou assimetrias. Observou-se boa modelação da anti-hélice mesmo após 24 meses, e a paciente mostrou-se muito satisfeita.
Existem mais de 200 técnicas para correção das orelhas proeminentes. O seu principal tratamento é corrigir a concha hipertrófica e fazer a curvatura da anti-hélice. Em 1992, Fritsch modificou as técnicas de otoplastia abertas para fechadas. Esse tratamento cirúrgico traz muitas vantagens para os pacientes e para os cirurgiões pelo seu menor risco de complicações e pela abordagem minimamente invasiva para corrigir as orelhas. Esta nova abordagem cirúrgica veio para simplificar a otoplastia e torná-la mais versátil no tratamento de uma ampla gama de deformidades de orelhas, principalmente nas que necessitam de correção da anti-hélice. Neste trabalho, buscou-se relatar um caso cirúrgico secundário utilizando a técnica da otoplastia fechada em uma paciente de 37 anos, com cirurgia prévia de otoplastia aberta sem sucesso. A paciente não buscou na época o reparo da cirurgia da otoplastia aberta, pois teve trauma da cirurgia na infância, apresentou muitas dores por um longo período de 3 meses e edema na orelha. Ficou sabendo dessa nova abordagem e nos procurou para tirar suas dúvidas. Durante a consulta, a paciente estava receosa da nova abordagem cirúrgica, mas como o problema ainda a incomodava, foi-lhe explicado que seria uma abordagem por uma técnica diferente, o que a tranquilizou, deixando-a segura e satisfeita. Foi agendada uma nova cirurgia, agora secundária com abordagem fechada. Durante o procedimento cirúrgico, não ocorreram intercorrências e no pós-cirúrgico somente dor nas 24 horas do procedimento, que melhorou com uso de analgésicos. A avaliação dos resultados foi feita de uma forma subjetiva após o retorno de 15 dias, 2 meses e 24 meses por meio de fotos pré-operatórias e pós-operatórias (Figuras 4, 5 e 6), e a paciente mostrou-se muito satisfeita. (Figura 7)
Acreditamos que diferentes deformidades de orelha devam ser corrigidas por técnicas diversas, levando assim a maior naturalidade e harmonia do conjunto. A técnica de otoplastia fechada não é a solução para todos os tipos de orelha "em abano", mas sim para a correção do apagamento da anti-hélice, principalmente em cartilagens maleáveis sem hipertrofia conchal. Este é um procedimento conservador, de fácil execução, reproduzível com facilidade, com baixo desconforto ao paciente e relativamente livre de grandes complicações. Apresenta excelente aplicabilidade em todas as faixas etárias. A otoplastia vai além da estética facial. É um procedimento que promove o bem-estar do paciente, restaurando sua autoestima, autoconfiança e qualidade de vida. Ao considerar os benefícios do pós-operatório rápido e pouco doloroso, torna-se evidente que a otoplastia sem incisão representa uma ferramenta valiosa para a promoção da saúde integral do indivíduo. Essa técnica pretende ser mais um trunfo dentro do arsenal da cirurgia dermatológica.
Cinthia Trisóglio
ORCID: 0000-0001-8288-2518
Aprovação da versão final do manuscrito, concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do manuscrito, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica da literatura, revisão crítica do manuscrito.
Silvia Maria de Souza Quaggio
ORCID: 0000-0001-8199-3961
Aprovação da versão final do manuscrito, concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do manuscrito, obtenção, análise e interpretação dos dados, participação efetiva na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, revisão crítica da literatura, revisão crítica do manuscrito.
1. Mustardé JC. The correction of prominent ears using simple mattress sutures. Br J Plast Surg 1963;16:170-8.
2. Furnas DW. Correction of prominent ears by concha-mastoid sutures. Plast Reconstr Surg. 1968;42(3):189–93.
3. Fritsch MH. Incisionless Otoplasty. Otolaryngol Clin N Am. 2009; 42(6):1199-208.
4. Peled IJ. Knifeless otoplasty: how simple can it be? Aesth Plast Surg. 1995;19(3):253-5.
5. Serdev NP. Scarless serdev suture method in prominent ears. Int J Cosmet Surg. 2006;6(2):184–90.
6. Merck W. Ohrmuschelkorrektur ohne hautschnitt – die Fadenmethode von Merck. Korrektur und Rekonstruktion der Ohrmuschel. Berlim: Springer; 2017. p.153–69.