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Relato de casos

Retalho de transposição para reconstrução de feridas da pálpebra inferior adjacentes ao tarso após cirurgia micrográfica de Mohs: uma série de casos

Bruna Cabral Meira Chaves1; Luciana Ballardin2; Felipe Bochnia Cerci2,3,4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2025170379

Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses:
Nenhum
Data de Submissão: 13/06/2024
Decisão final: 25/06/2024
Como citar este artigo: Chaves BCM, Ballardin L, Cerci FB. Transposition flap for reconstruction of lower eyelid wounds adjacent to the tarsus after Mohs micrographic surgery: a case series. Surg Cosmet Dermatol. 2025;17:e20250379.


Abstract

Cânceres de pele que acometem a pálpebra podem ser um desafio para reconstrução devido à complexidade anatômica local. Além da erradicação precisa do tumor, deve-se também prezar pela conservação máxima da pele, tanto por razões funcionais quanto cosméticas. Os retalhos de transposição se destacam como ótima opção de reconstrução, pois exigem poucas incisões e, quando bem planejados, não causam ectrópio, o que é a prioridade nessa topografia. Descrevemos aqui uma série de casos de reconstrução de feridas da pálpebra inferior adjacentes ao tarso após cirurgia micrográfica de Mohs utilizando retalhos de transposição.


Keywords: Retalhos Cirúrgicos; Cirurgia de Mohs; Neoplasias Cutâneas; Pálpebras; Neoplasias Palpebrais.


INTRODUÇÃO

Um a cada dez cânceres de pele ocorrem na região periorbital. Nesta topografia, a pálpebra inferior é a subunidade com maior incidência, representando 55% dos casos.1,2 A cirurgia micrográfica de Mohs (CMM) é indicada nessa região, pois além da maior taxa de cura oncológica, também possibilita máxima preservação de pele sadia, reduzindo a morbidade cirúrgica.3 As reconstruções palpebrais têm como objetivo principal a preservação funcional associada a um bom resultado estético. Nessa área, fechamentos primários horizontais raramente são possíveis devido ao risco de ectrópio. Entre as opções de retalhos, os de transposição têm uma vantagem importante nas regiões de bordas livres, pois redirecionam os vetores de tensão do fechamento, evitando distorções da borda palpebral. Além disso, exigem menores deslocamentos quando comparados aos retalhos de avanço ou rotação, diminuindo a morbidade cirúrgica.4

 

RELATO DOS CASOS

Descrevemos uma série de casos de reconstrução de defeitos cirúrgicos da pálpebra inferior adjacentes ao tarso com acometimento da lamela anterior (espessura parcial). Algumas das feridas envolviam também uma pequena porção do tarso. Todas as reconstruções foram realizadas com retalho de transposição e incluíram casos em diferentes regiões da pálpebra inferior, demonstrando a versatilidade da técnica. Foram submetidos à CMM 12 pacientes com carcinoma basocelular, sendo 11 mulheres e 1 homem, com idade média de 55 anos (43 a 80). Todas as cirurgias foram realizadas ambulatorialmente sob anestesia local com lidocaína 1% com vasoconstritor. Nos casos com acometimento da borda ciliar, associou-se colírio anestésico cloridrato de proximetacaína 0,5% para proporcionar maior conforto do paciente, devido à proximidade da córnea. Após a obtenção de margens livres com a CMM, a reconstrução foi planejada desenhando-se o retalho de transposição de forma que o fechamento do defeito trocasse os vetores verticais de tensão por vetores horizontais, evitando ectrópio.

O retalho de transposição romboidal clássico, descrito por Limberg, é utilizado para reparar defeitos primários romboidais com ângulos internos iguais a 60º e 120º. DuFourmentel modificou o retalho de Limberg, diminuindo os ângulos internos dos defeitos rômbicos para posições entre 60º e 90º, aumentando sua versatilidade e reduzindo os triângulos de compensação removidos.4 Devido à acentuada elasticidade do tecido periocular, a modificação do retalho para um formato triangular ou em bandeira (banner flap) com ângulos internos agudos entre 30º e 60º, sem a conversão dos defeitos para o formato romboidal, preserva o tecido sadio e tem a vantagem adicional de permitir inúmeras variações na posição do retalho doador, que é desenhado na posição mais adequada em relação à tensão local.5 De uma forma prática, deve-se desenhar o lobo do retalho de transposição imaginando o que ocorrerá com o fechamento da área doadora. Ou seja, o vetor de fechamento da área doadora do retalho não pode gerar tração inferior na pálpebra.

Após planejamento adequado, o retalho foi descolado no plano subdérmico ou subcutâneo, quando a área doadora se estendia para a região malar. Sempre que possível, manteve-se a área doadora dentro da subunidade palpebral, devido à semelhança da pele. O defeito secundário foi suturado nos planos subcutâneo e dérmico com Poliglecaprone 5.0, e no plano superficial com Polipropileno 6.0. Devido à escassez de derme na região palpebral, o retalho foi, em sua maior parte, suturado apenas no plano superficial. Quando a ferida acometia a borda ciliar, o fechamento foi realizado com o mínimo de suturas possível para evitar contato com a córnea. Nesses casos, os fios foram cortados mais longos e tracionados inferiormente, diminuindo o desconforto ocular. Todos os casos evoluíram satisfatoriamente, com função e cosmética palpebrais preservadas. Não houve complicações intra ou pós-operatórias e não foram necessárias revisões cirúrgicas. As Figuras 1 a 6 ilustram algumas dessas reconstruções.

 

DISCUSSÃO

Na topografia palpebral, além da erradicação precisa do tumor, deve-se prezar pela conservação máxima da pele e tecidos moles, tanto por razões funcionais quanto cosméticas.1,3 Entretanto, devido à escassez de tecido redundante nessas áreas, pode surgir a tentação de minimizar as margens ao realizar a cirurgia sem controle de margens intraoperatórias, o que aumenta o risco de uma excisão inadequada.

A CMM é o tratamento preconizado para o câncer de pele da pálpebra. Essa técnica permite a excisão completa da lesão por meio do controle histológico preciso das margens cirúrgicas, resultando num maior índice de cura.4 Ao mesmo tempo, essa técnica preserva tecido saudável, reduzindo o tamanho da ferida e facilitando a reconstrução. Além disso, a CMM pode evitar uma excisão de espessura total nas lesões menores, remover com segurança tumores mal delimitados e poupar a enucleação ou exenteração para lesões complexas.1-8

Há diversas opções de reconstrução após CMM nesta área. A escolha do reparo e o resultado cirúrgico dependem, em parte, do conhecimento do cirurgião sobre a anatomia palpebral e de sua capacidade de avaliar os requisitos de reparo do defeito após CMM.2 Em casos complexos de espessura total, a abordagem multidisciplinar pode ser necessária. Os retalhos de transposição se destacam como uma opção segura, pois exigem poucas incisões e, quando bem planejados, não causam ectrópio, o que é a prioridade nessa topografia. Além disso, são rápidos e simples de serem executados e, quando bem planejados, geram ótimos resultados.

Retalhos de transposição geralmente recrutam a pele da mesma subunidade palpebral e, devido à movimentação característica desse método, promovem a alteração do vetor de tensão no fechamento. A borda principal do retalho deve ser posicionada perpendicularmente à borda palpebral, pois com a movimentação do retalho para o defeito primário, há uma mudança dos vetores de tensão, distribuindo as forças tensoras para o defeito secundário (Figura 1). Para o fechamento do retalho, a primeira sutura é realizada na porção proximal da área doadora, fazendo com que o retalho seja projetado para o defeito primário. Para evitar ectrópio, o vetor de tensão primário deve estar posicionado paralelamente à borda livre palpebral, na horizontal.4 A preparação do retalho deve ser minuciosa para manter uma vascularização adequada, mas o afinamento é essencial para um bom resultado. Retalhos espessos podem evoluir com trapdoor, e caso não regrida após alguns meses, pode ser necessário tratamento com infiltração intralesional de corticoide ou mesmo revisão cirúrgica.

Cicatrização por segunda intenção pode ser útil em defeitos pequenos, principalmente quando próximos ao canto medial. Em outros locais da pálpebra, deve-se optar cuidadosamente por essa opção, pois a contração da ferida pode causar ectrópio. O fechamento primário, por sua vez, pode ser usado para defeitos pequenos a médios se o vetor de tensão estiver orientado paralelamente (ou até oblíquo) à margem palpebral; caso contrário, é relativamente contra-indicado pelo risco de ectrópio.2

Outra opção de reconstrução é o enxerto de pele de espessura total, porém a contração no processo de cicatrização pode gerar ectrópio.2,8 Opções adicionais incluem retalhos de avanço e rotação que,2,6,7,9 devido à dinâmica de vetores, exigem maiores incisões e descolamentos para recrutar a pele da lateral da face, aumentando a complexidade cirúrgica e o risco de complicações pós-operatórias, como hematomas e sangramentos, principalmente em pacientes anticoagulados.

 

CONCLUSÃO

Os retalhos de transposição são uma importante opção para o reparo de feridas palpebrais de espessura parcial adjacentes ao tarso e devem ser de amplo conhecimento dos cirurgiões dermatológicos. Esses são retalhos seguros, de fácil execução e, quando bem planejados, evitam grandes descolamentos teciduais, fornecem vascularização adequada e bons resultados estéticos e funcionais, como demonstrado no presente estudo.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Bruna Cabral Meira Chaves
ORCID:
00009-0009-8158-2017
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Luciana Ballardin
ORCID:
00009-0000-2015-0629
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.
Felipe Bochnia Cerci
ORCID:
0000-0001-9605-0798
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS:

1. Blumenthal SR, Swick M, Bayan CA, Ramanathan D, Maher I. Complex eyelid reconstruction: a practical guide for the Mohs surgeon. Dermatol Surg. 2022;48(9):916-23.

2. Archibald LK, Gupta R, Shahwan KT, Swick M, Bakker C, Mattox AR, et al. Periorbital reconstructive techniques following Mohs micrographic surgery or excisions: a systematic review. Arch Dermatol Res. 2023;315(7):1853-61.

3. Bittner GC, Cerci FB, Kubo EM, Tolkachjov SN. Mohs micrographic surgery: a review of indications, technique, outcomes, and considerations. An Bras Dermatol. 2021;96(3):263-77.

4. Scott JF, Bordeaux JS. A conceptual approach to designing transposition flaps. Dermatol Surg. 2020;46(1):9-19.

5. Teske SA, Kersten RC, Devoto MH, Kulwin DR. The modified rhomboid transposition flap in periocular reconstruction. Ophthalmic Plast Reconstr Surg. 1998;14(5):360-6.

6. Harvey DT, Taylor RS, Itani KM, Loewinger RJ. Mohs micrographic surgery of the eyelid: an overview of anatomy, pathophysiology, and reconstruction options. Dermatol Surg. 2013;39(5):673-97. 

7. Monheit G, Hrynewycz K. Mohs surgery for periocular tumors. Dermatol Surg. 2019;45 Suppl 2:S70-S8.

8. Sanchez FH, Lerner E. Mohs micrographic surgery in periocular tumors. Surg Cosmet Dermatol 2014;6(4):226-32

9. Yüce S, Demir Z, Selçuk CT, Celebioğlu S. Reconstruction of periorbital region defects: a retrospective study. Ann Maxillofac Surg. 2014;4(1):45-50.


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