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Relato de caso

Reação de hipersensibilidade ao preenchimento com ácido hialurônico, concomitante a infecção pelo coronavírus - relato de caso

Frederico França Rezende; Isadora Vilaça Carvalho; Luisa Murakami de Assis; Raquel Keller

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2024160286

Data de Submissão: 28/07/2023
Decisão final: 07/01/2024
Fonte de financiamento: Nenhuma.
Conflito de interesses: Nenhum.
Contribuição do autor: Rezende FF, Carvalho IV, Assis LM, Keller R. Reação de hipersensibilidade ao preenchimento com ácido hialurônico, concomitante a infecção pelo coronavírus - relato de caso. Surg Cosmet Dermatol. 2024;16:e20240286.


Abstract

A incidência de reações de hipersensibilidade aos preenchedores dérmicos, com ácido hialurônico, está entre 0.3 a 4.5%, mediada por linfócitos T. Doenças semelhantes à gripe podem desencadear reações imunológicas no local do preenchimento. Os autores reportam um caso de uma paciente que apresentou reação de hipersensibilidade ao preenchedor, concomitante à infecção pelo SARS-COV-2. Com o crescimento, em larga escala, dos procedimentos com preenchedores houve um aumento das reações alérgicas, tornando-se essencial a sua identificação, para o tratamento adequado, minimizando as consequências deletérias ao paciente.


Keywords: Hipersensibilidade; Ácido Hialurônico; Coronavirus.


INTRODUÇÃO

Em 2019 houve um crescimento de 15,7% no número de procedimentos realizados com preenchimento dérmico de ácido hialurônico (AH), em comparação ao ano anterior. O aumento do número de casos de pacientes com Covid-19 que apresentaram eventos adversos resultantes da aplicação de ácido hialurônico chamou a atenção da comunidade científica internacional para uma tendência alarmante da amplificação de reações de hipersensibilidade.1,2

Os efeitos adversos aos tratamentos com preenchimentos são frequentemente classificados em dois tipos, dependendo do início dos sintomas. As reações de hipersensibilidade do tipo 1 são mediadas por IgE, ocorrem minutos a horas após o procedimento e podem resultar em imagens clínicas de angioedema e anafilaxia. As reações de hipersensibilidade do tipo tardia são raras, ocorrendo entre 24 horas e semanas ou meses após o procedimento. Essas reações são mediadas por linfócitos T e apresentam clinicamente uma imagem de edema, eritema e dor local.4

O mecanismo exato das reações de início tardio não é totalmente compreendido. Contudo, fatores como infecção, propriedades de preenchimento, trauma, técnica de injeção e doenças semelhantes à gripe contribuem para o aumento da incidência, desencadeando a ativação do sistema imunológico contra o produto injetado.5

 

RELATO DE CASO

Uma paciente do sexo feminino, de 47 anos, foi submetida ao procedimento de preenchimento do sulco nasolabial com ácido hialurônico (Juvederm Ultra Plus XC com lidocaína - Allergan). O procedimento foi realizado com agulha 27G 1/2 sem intercorrências. Após 24 horas, a paciente passou a apresentar edema intenso no local da aplicação, leve prurido e dor local. Foi iniciado tratamento com prednisona 40 mg e loratadina 10 mg, com regressão do edema após algumas horas. No terceiro dia após o procedimento, a paciente começou a apresentar sintomas gripais. O corticoide foi então suspenso devido à hipótese de infecção por coronavírus e o anti-histamínico foi mantido.

A paciente realizou autoteste, que deu positivo para Covid-19. Os sintomas respiratórios foram leves, apresentando coriza e tosse, que melhoraram após 10 dias. A loratadina foi mantida por sete dias. No 15º dia após o preenchimento a paciente não apresentava edema no local, ficando satisfeita com o resultado do preenchimento do sulco nasolabial. Conforme histórico pessoal da paciente, ela nunca havia realizado procedimento com ácido hialurônico, Embora relatou quadro de urticária após ingestão de contraste, em exame realizado há três anos (Figura 1).

 

DISCUSSÃO

O mecanismo fisiopatológico exato das reações de hipersensibilidade do tipo tardio, que ocorrem após o preenchimento, não é totalmente compreendido. Porém, acredita-se que o desencadeamento dessas reações possa estar relacionado ao padrão de resposta imunológica do paciente a um quadro infeccioso, semelhante ao que ocorre com o vírus influenza, mas neste caso, o SARS-COV-2. Essa resposta é iniciada pela ativação de linfócitos T via CD44 e mediada por células CD4+ associadas à consolidação da memória macrófaga.2,6

O ácido hialurônico (AH) é um glicosaminoglicano não sulfatado de ocorrência natural com alto peso molecular de 4.000 a 20.000.000 daltons. Sua estrutura consiste em unidades dissacarídicas polianiônicas de ácido glicurônico e N-acetilglucosamina conectadas por ligações alternadas b1-3 e b1-4. É um polissacarídeo linear da matriz extracelular do tecido conjuntivo, líquido sinovial, mesênquima embrionário, humor vítreo, pele e muitos outros órgãos e tecidos do corpo. O AH tem importantes funções imunológicas, atuando como principal ligante do CD44, uma glicoproteína expressa em células de mamíferos envolvida no recrutamento e direcionamento de linfócitos.2

O AH ocupa vários papéis na sinalização celular, dependendo do seu peso molecular. Sabe-se que o AH de alto peso molecular (HMW) tem efeitos anti-inflamatórios, enquanto o AH de baixo peso molecular (LMW), inferior a 500 kDA, é pró-inflamatório. AH de baixo peso molecular ativa células dendríticas e macrófagos, fornecendo co-sinais estimuladores às células T através de receptores de superfície celular CD44 que alteram a produção ou degradação de AH através de sintetases ou hialuronidase, respectivamente.3

Preenchimentos dérmicos com ácido hialurônico podem introduzir dois tipos de AH de baixo peso molecular: durante a degradação do produto e como agentes de reticulação. Beleznay et al. (2015)7 sugeriram que respostas inflamatórias sistêmicas, semelhantes àquelas que ocorrem em condições semelhantes à gripe, podem desencadear degradação acelerada do preenchimento dérmico de AH devido à produção de radicais livres, resultando em fragmentos de AH de baixo peso molecular levando à sinalização irregular prolongada de CD44-HA, assemelhando-se assim como a mesma fisiopatologia descrita no caso relatado.

Outra consequência da produção de AH de baixo peso molecular é recrutar linfócitos para o local de preenchimento, onde há maior concentração de AH. Portanto, o preenchimento dérmico de AH é um fator de risco no desenvolvimento de reações de hipersensibilidade na presença de infecção sistêmica, sendo esta a provável causa de edema no preenchimento dérmico de AH após infecção por SARS-COV-2. Sem modificação, a meia-vida do AH nos tecidos é de 24 a 48 horas, o que o tornaria inadequado para uso como preenchimento dérmico. Para superar isso, agentes de reticulação são usados para produzir um gel viscoelástico e estável para uso cosmético, cuja tecnologia exata muitas vezes permanece desconhecida pelos fabricantes de preenchimentos dérmicos. Acredita-se que esses agentes de reticulação também possam ativar o sistema imunológico.7

Bitterman-Deutsch et al. (2015)9 relatam que glicosaminoglicanos como o AH podem atuar como um superantígeno e desencadear diretamente uma resposta imune, ao contrário de outras teorias que sugerem a degradação do AH em fragmentos de baixo peso molecular resultando em moléculas com atividade pró-inflamatória.

Turkmani et al. (2019)6 destacam que a infecção por influenza ou o uso de medicamentos como antibióticos, anti-inflamatórios não esteroides e antitérmicos, neutralizando agentes infecciosos, poderiam instigar reações de hipersensibilidade retardada pela ativação de linfócitos através de células CD4+.

A injeção de preenchimentos de AH causa eritema, edema, hematomas, dor e coceira devido a perturbações na vasculatura e nas estruturas dérmicas, bem como retenção excessiva de água devido à natureza hidrofílica do AH. Uma reação inflamatória leve é normal, caracterizada pela infiltração de macrófagos residentes e ativação de fibroblastos levando à produção de colágeno que ancora o gel ao tecido. Esses eventos são geralmente resolvidos em poucos dias. No entanto, com o aumento exponencial no uso de preenchedores, foi demonstrado que os compostos de AH podem desencadear reações agudas de hipersensibilidade local, precoce e tardiamente, com a taxa de incidência global sendo de 0,8%. Mais recentemente, foi relatada a incidência de nódulos de início tardio utilizando preenchimentos com tecnologia VYcross, variando de 0,5% a 4,25%. As classificações mais relevantes dessas reações de hipersensibilidade são as de Rohrich et al. (2007)3, que propuseram que as complicações fossem nomeadas como precoces e tardias (menos de 14 dias, 14 dias a um ano e mais de um ano, respectivamente); no entanto, essa classificação abrange todos os tipos de eventos adversos e todos os tipos de preenchimentos e, com o tempo, surgiu a necessidade de novos algoritmos. Mikkilineni et al. (2020)4 propuseram um novo esquema de classificação que correlaciona o momento do processo inflamatório apenas para o ácido hialurônico. Durante o processo inflamatório, neutrófilos e monócitos predominam durante a primeira semana. Então, entre a primeira e a quarta semanas, a resposta inflamatória é leve e os monócitos se diferenciam em macrófagos que ativam e interagem com os linfócitos T, a maioria deles CD4+ e em menor grau CD8+, e linfócitos B, seguidos por macrófagos que engolfam partículas do material injetado. Posteriormente, a infiltração de fibroblastos dependente de macrófagos leva a um estado de perpetuação crônica e deposição de colágeno. Diante disso, os eventos adversos de hipersensibilidade podem ser precoces (até uma semana), intermediários (uma semana a um mês) e tardios (um mês a anos)9,10 Determinar a causa exata da fisiopatologia do vírus SARS-COV-2 com o processo de hipersensibilidade requer investigação adicional; numerosas hipóteses determinam coletivamente uma ampla combinação de propriedades imunorreguladoras do HA, associadas ao background genético do hospedeiro suscetível. Outros fatores, como a despolimerização de fragmentos de alto peso molecular em fragmentos de baixo peso molecular por degradação enzimática, causam efeitos biológicos que induzem a ativação imunológica em um microambiente local, dependendo da genética do hospedeiro.10

 

CONCLUSÃO

Com o uso crescente de tratamentos de preenchimento, a incidência de reações de hipersensibilidade aumentará consequentemente. Reconhecer, classificar e tratar as reações de hipersensibilidade é fundamental e exige que o médico tenha um conhecimento fisiopatológico e bioquímico preciso desse procedimento, para que, através do registro da história clínica, possa identificar a predisposição do paciente às reações de hipersensibilidade, para prevenção e promoção do melhor prognóstico. O aprimoramento da técnica de infiltração, bem como o reconhecimento precoce das complicações e o domínio do manejo, são essenciais para todos que realizam o procedimento, reduzindo assim as consequências deletérias ao paciente.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Frederico França Rezende
ORCID:
0009-0001-7882-825X
Análise estatística, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação efetiva na orientação da pesquisa, Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito.
Isadora Vilaça Carvalho
ORCID:
0009-0007-3056-1211
Aprovação da versão final do manuscrito, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação efetiva na orientação da pesquisa, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito.
Luisa Murakami de Assis
ORCID:
0009-0004-1397-5867
Aprovação da versão final do manuscrito, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação efetiva na orientação da pesquisa, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito
Raquel Keller
ORCID:
0009-0003-0808-1896
Análise estatística, Aprovação da versão final do manuscrito, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação efetiva na orientação da pesquisa, Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÉNCIAS:

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3. Rohrich RJ, Ghavami A, Crosby MA. The role of hyaluronic acid fillers (Restylane) in facial cosmetic surgery: review and technical considerations. Plast Reconstr Surg. 2007;120(6 Suppl):41S-54S.

4. Mikkilineni R, Wipf A, Farah R, Sadick N. New classification scheme for hypersensitivity adverse effects after hyaluronic acid injections: pathophysiology, treatment algorithm, and prevention. Dermatol Surg. 2020;46(11):1404-1409.

5. Decates T, Kadouch J, Velthuis P, Rustemeyer T. Hypersensitivity of the immediate or late type has changed a role in late physiological reactions after hyaluronic acid filler injections. Clin Cosmet Investig Dermatol. 2021;14:581-589.

6. Turkmani MG, De Boulle K, Philipp-Dormston WG. Delayed hypersensitivity reaction to hyaluronic acid dermal fillers after influenza-like illness. Clin Cosmet Investig Dermatol. 2019;12:277-283.

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8. Bhojani-Lynch T. Late onset inflammatory response to hyaluronic acid dermal fillers. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2017;5(12):e1532.

9. Bitterman-Deutsch O, Kogan L, Nasser F. Delayed immune-mediated adverse effects to hyaluronic acid fillers: report of five cases and review of the literature. Dermatol Rep. 2015;7(1):5851.

10. Ofir A, Loizides C, Landau M. Resistant and recurrent late reaction to hyaluronic acid-based gel. Dermatol Surg. 2016;42(1):31-37.

11. Rohrich RJ, Ghavami A, Crosby MA. The role of hyaluronic acid fillers (Restylane) in facial cosmetic surgery: review and technical considerations. Plast Reconstr Surg. 2007;120(6 Suppl):41S-54S.


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