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Caso Clínico

Doença de Paget perianal extramamária: relato de caso raro e revisão da literatura

Gabriela Alfier1; Srecko Budi2; Zrinka Sudar-Magas3; Milan Miocinovic4; Saida Rezakovic5

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2024160262

Submitted on: 13/05/2023
Approved on: 24/10/2023
Financial support: None.
Conflict of interest: None.
How to cite this article: Alfier G, Budi S, Sudar-Magas Z, Miocinovic M, Rezakovic S. Perianal extramammary Paget’s disease: a rare case report and review of the literature. Surg Cosmet Dermatol. 2024;16:e20240262.


Abstract

A doença de Paget extramamária (DPEM) é uma doença maligna rara e bastante difícil de ser diagnosticada. Relatamos o caso de uma paciente de 51 anos com DPEM perianal. Como a experiência com esta doença ainda é muito limitada, pesquisamos artigos similares em bases de dados internacionais. Após consulta com oncologista, o tratamento foi excisão ampla sem terapia adjuvante. Essa opção de tratamento foi curativa.


Keywords: Doença de Paget Extramamária; Cirurgia Plástica; Neoplasias das Glândulas Anais


INTRODUÇÃO COM REVISÃO DA LITERATURA

A DPEM é uma malignidade intraepitelial rara relatada na literatura médica mundial.1 É considerada um adenocarcinoma que pode invadir a derme e se disseminar através de vasos linfáticos.2 A doença foi originalmente descrita por Darre e Coulillaud em 1893. Os primeiros casos foram descritos na região perianal (Crocke,1889), na vulva e na axila (Satani, 1920).3 Independentemente das aparências clínicas e histopatológicas semelhantes com a doença de Paget do mamilo e do ânus, a doença de Paget mamária está indubitavelmente ligada ao carcinoma ductal subjacente, enquanto a doença de Paget perianal pode ou não estar relacionada à malignidade subjacente (33% a 86%).4 Os cânceres mais comuns relacionados à DPEM são o colorretal e o tubo-ovariano.5 Em relação à literatura, grandes séries recentes mostraram que a DPEM perianal estava associada a um adenocarcinoma anexial em 7% dos casos e a uma malignidade interna em 14%.6 No entanto, a DPEM surge principalmente como uma neoplasia intraepidérmica na maioria dos casos.7 O que é característico é que as áreas da pele ricas em glândulas apócrinas, como a região genital, são os locais mais comuns da DPEM. Devido à sua raridade e natureza multicêntrica, o diagnóstico e o tratamento representam um verdadeiro desafio. Por isso, este relato de caso pretende apresentar um caso clínico de uma mulher de 51 anos admitida em nossa emergência e sintetizar as evidências mais recentes sobre a DPEM.

 

RELATO DE CASO E MÉTODOS

Neste artigo, apresentamos uma paciente obesa de 51 anos admitida em nossa emergência. A paciente não apresentava nenhum outro sintoma além de prurido ao redor do ânus. Ela não fazia nenhum tratamento contínuo e não tenha outras comorbidades. Demorou um ano até que se chegasse ao diagnóstico correto. A paciente não apresentava dor associada ou qualquer outro sintoma gastrointestinal. O exame clínico revelou uma lesão elevada, branca e exsudativa localizada as duas horas na região glútea direita, medindo 3,5 x 2,0 x 0,7 cm. O exame retal e a proctosigmoidoscopia resultaram negativo. Não haviam linfonodos palpáveis ou aumentados. Antes da cirurgia a dermatoscopia foi realizada por dermatologista para delimitar o tumor, esta mostrava área com pontos e vasos lineares curtos. Após consulta com o dermatologista e o oncologista, o tratamento foi a excisão ampla e se confirmou o diagnóstico. A pele perianal foi excisada juntamente com a mucosa anal até o nível da linha dentada (pectínea), preservando o esfíncter interno. O defeito cirúrgico foi fechado com sucesso. Sem evidência de outro carcinoma subjacente, tumor ou metástases distantes. O diagnóstico final foi doença de Paget com margens da ressecção livres. Do ponto de vista histopatológico, no epitélio escamoso foram descritos ninhos de células de Paget atípicas produtoras de muco com citoplasma grande e pálido e núcleos hipercromáticos na epiderme hiperplásica. A paciente recebeu alta no mesmo dia. Após consultar o radioterapeuta, não houve necessidade de continuar com nenhuma terapia adjuvante, apenas seguimento regular a cada 3 meses durante o primeiro ano. Até o momento, ela permanece livre de doença por 1 ano após o tratamento cirúrgico. (Figura 1) (Figura 2).

 

DISCUSSÃO

Pesquisamos artigos relacionados ao nosso tópico em bancos de dados bibliográficos eletrônicos internacionais. Os termos selecionados foram extramamary Paget’s disease e extramammary perianal Paget’s disease, excluindo outras possíveis localizações da doença de Paget extramamária, como períneo, vulva, escroto e pênis. A busca foi limitada a estudos relatados na língua inglesa. A doença afeta pacientes entre 50 e 80 anos de idade, especialmente brancos caucasianos, com um pico de idade de 65 anos, mas a verdadeira incidência é difícil de ser medida devido à sua raridade.4,8 Em geral, os pacientes são mais frequentemente mulheres (proporção de 1,4:1 entre mulheres e homens). Sua patogênese não é clara, mas acredita-se que a maioria dos casos surja como uma neoplasia intraepidérmica primária de origem glandular.7,9,10 Clinicamente, as lesões geralmente se apresentam como placas eritematosas ou brancas não cicatrizantes, bem definidas e elevadas, com diâmetro médio de 6 a 12 cm, acompanhadas de irritação e dor anal.1,11,12 Elas também podem se apresentar como placas anulares ou hipopigmentadas com escamas, escoriações ou erosões.13 Os sintomas típicos são erupção cutânea e irritação anal. Outros sintomas incluem dor anal, sangramento, secreção mucoide, nódulos e dificuldade para defecar.14 Os locais mais comumente afetados são a vulva, o períneo, o perianal, o escroto e o pênis. Os locais raros incluem coxas, nádegas, axila, pálpebras e canal auditivo externo. A DPEM também foi relatada em teratomas ovarianos e no epitélio brônquico.15,16,17 O termo DPEM ectópica refere-se aos casos em que as glândulas apócrinas não podem ser encontradas normalmente, como na face lateral do dorso ou na parte inferior do tórax. O diagnóstico diferencial inclui muitas condições, como psoríase, dermatite de contato, infecção fúngica, líquen escleroso, histiocitose, carcinoma basocelular pagetoide, micose fungóide e hemorroidas.18,19 Em comparação com todos os artigos que encontramos, uma vez diagnosticada como DPEM, o próximo passo é excluir metástases. Em um estudo de Williams et al.,7 pacientes apresentaram DPEM e em nenhum deles foi feito um diagnóstico clinicamente correto.20 Quando há diagnóstico de malignidade subjacente, até 50% das lesões cutâneas de DPEM já apresentavam metástases. Nesses casos, a sobrevida média é limitada a 3 anos.19 Por esse motivo, os procedimentos diagnósticos adequados para excluir outros carcinomas subjacentes incluem: ultrassonografia pélvica, histeroscopia, laparoscopia e/ou ressonância magnética da pelve; colonoscopia, sigmoidoscopia e/ou enema de bário; cistoscopia e pielograma intravenoso; mamografia e exame de imagens de tórax.21 Uma modalidade de tratamento ideal deve oferecer destruição mínima do tecido e baixas taxas de recorrência. Essa modalidade também deve evitar as características incômodas da DPEM, a multicentricidade e as margens histológicas irregulares que se estendem muito além das lesões clinicamente visíveis. A excisão local ampla com margens de 2 cm ou a cirurgia micrográfica de Mohs é a abordagem preferida para doenças não invasivas e localmente confinadas.22 As seções intraoperatórias congeladas podem ser enganosas.23 Além disso, a excisão local ampla exige biópsias em quatro quadrantes, incluindo pele grosseiramente normal. Em um estudo realizado no Roswell Park Cancer Institute entre 1970 e 1998, concluiu-se que a cirurgia oferece uma chance moderada de cura em casos avançados, portanto, há necessidade de abordagens multimodais de longo prazo.13 No entanto, a biópsia cirúrgica é fundamental para confirmar o diagnóstico correto.21 A remoção cirúrgica de tumores é considerada curativa se for possível realizar uma ressecção radical que resulte em margens histologicamente claras. No entanto, muitos pacientes apresentam tumores primários avançados, de modo que a cirurgia curativa não pode ser realizada. Como a excisão radical geralmente resulta em uma perda significativa de tecido, o defeito frequentemente precisa ser coberto com retalhos locais ou enxertos de pele. Quando a doença está associada a um carcinoma subjacente do ânus ou do reto, o procedimento de escolha é uma ressecção abdominoperineal com ampla excisão da lesão cutânea.24 Outros métodos de tratamento incluem radioterapia, terapia a laser, quimioterapia tópica e sistêmica e terapia fotodinâmica como a nova e promissora terapia. No estudo de Besa et al. e no estudo de Burrows et al., a radioterapia como modalidade de tratamento pode ser apropriada para pacientes com DPEM não invasivo e que não são candidatos à cirurgia.26,27 Por outro lado, Thirlby mostrou que a radioterapia isolada não é um tratamento adequado.23,24,25 Alguns casos mostraram que somente a quimiorradioterapia combinada apresentou resposta completa no seguimento a longo prazo. Zampogna et al. apresentaram dois casos tratados com creme de imiquimode, que só pode ser usado em um cenário de DPEM cutânea primária limitada.11 Finalmente, o clínico deve manter um índice elevado de suspeita, especialmente em casos com lesões características que não respondem à terapia dermatológica convencional. Diante de tudo isso, ainda é um desafio de tratamento entre cirurgiões, patologistas e dermatologistas. Devido ao potencial maligno da DPEM, muitos estudos sugerem que ela deve ser agrupada com outros carcinomas cutâneos. O seguimento cuidadoso de pelo menos 8 anos deve ser obrigatório para todos os pacientes que apresentem essa doença rara. Bech et al. sugeriram um programa de seguimento que inclui pelo menos um exame físico completo, proctosigmoidoscopia e uma biópsia aleatória da região perianal uma vez por ano. A colonoscopia deve ser realizada em intervalos de 2 a 3 anos.5

 

CONCLUSÃO

Esta revisão de casos chama a atenção para condições raras e deve ser sempre lembrada no diagnóstico diferencial de distúrbios perianais. Deve-se observar que geralmente há um atraso no estabelecimento do diagnóstico correto. O tratamento e o prognóstico para tudo o que foi mencionado acima dependem principalmente da presença do carcinoma subjacente. Portanto, é fundamental ter um grupo de especialistas que inclua dermatologista, cirurgião, patologista e oncologista. Concluímos que, nesse caso, a excisão ampla foi curativa. Em outros casos avançados, o uso de quimioterapia ou radioterapia adjuvante provavelmente seria recomendado. É fundamental uma avaliação adequada e um seguimento de longo prazo dessa doença para identificar a recorrência e o desenvolvimento de outras malignidades.

Disponibilidade de dados e materiais

Os conjuntos de dados gerados e/ou analisados durante o presente estudo estão à disposição com a autora correspondente, mediante solicitação razoável.

Conformidade com padrões éticos

Qualquer aspecto do trabalho abordado neste manuscrito foi conduzido com a aprovação ética de todos os órgãos relevantes e essas aprovações são reconhecidas no manuscrito.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Gabriela Alfier
ORCID:
0000-0001-8225-6429
Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação efetiva na orientação da pesquisa
Srecko Budi
ORCID:
0009-0009-7452-621X
Aprovação da versão final do manuscrito, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação efetiva na orientação da pesquisa, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito
Zrinka Sudar-Magas
ORCID:
0000-0003-0380-2239
Aprovação da versão final do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados
Milan Miocinovic
ORCID:
0009-0003-0213-9970
Aprovação da versão final do manuscrito, Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados
Saida Rezakovic
ORCID:
0000-0002-5065-637X
A participação consiste na aprovação da versão final do manuscrito, obtenção, análise e interpretação dos dados

 

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