Suellen Ramos de Oliveira1; Thiago Jeunon1; Carolina Fechine2
Data de submissão: 27/04/2023
Decisão final: 03/07/2023
Fonte de financiamento: Nenhuma.
Conflito de interesses: Nenhum.
Como citar este artigo: Oliveira SR, Jeunon T, Fechine C. Pilomatricoma no couro cabeludo: apresentação peculiar possivelmente relacionada à topografia. Surg Cosmet Dermatol. 2023;15:e20230257.
Pilomatricoma é um tumor benigno com diferenciação para a matriz do pelo, que pode acometer diferentes regiões da pele. Relatamos o caso de paciente com apresentação incomum em couro cabeludo, com sinais de alerta para possibilidade de uma variante maligna do tumor. Ressaltamos a importância de documentação dos quadros atípicos que podem permear a prática dos dermatologistas e a necessidade de se descartarem malignidades em vigência de mudança de padrão de lesões cutâneas, exulcerações e sangramentos, dentre outros sinais. O papel da histopatologia é fundamental para definição diagnóstica e conduta terapêutica.
Keywords: Pilomatrixoma; Neoplasias cutâneas; Doenças do cabelo.
O pilomatricoma é uma neoplasia cutânea benigna com diferenciação para a matriz do pelo, também conhecida como epitelioma calcificante de Malherbe. As principais localizações são na face, pescoço e membros superiores, embora possa ser encontrado com menor frequência em outras regiões corpóreas.1 Áreas de mucosa, regiões palmares e plantares não são acometidas.2 Em geral, surge nas primeiras décadas de vida, sendo muito comum na faixa etária pediátrica, quando frequentemente é confundido com outros acometimentos cutâneos.1,3
Clinicamente, embora múltiplos nódulos possam estar presentes, em geral são tumores solitários, assintomáticos, com limites bem definidos. A coloração da pele sobre a neoplasia pode estar sem alterações ou variar em tons avermelhados ou azulados.4,5 A confirmação diagnóstica ocorre por meio da análise anatomopatológica, caracterizada por nodulação redonda ou oval na derme profunda, bem demarcada e circunscrita por cápsula estromal.2 As células epiteliais têm núcleos vesiculosos médios e citoplasma escasso e se organizam em massas irregulares basofílicas, sendo acompanhadas por agregados de células queratinizadas conhecidas como "células-fantasmas" ou "células-sombra".4
Os principais diagnósticos diferenciais são cistos foliculares, reações a corpo estranho, adenopatias, histiocitoses e outros tumores anexiais.6 O tratamento do pilomatricoma é realizado com a completa excisão cirúrgica da lesão, sendo rara a ocorrência de recidiva.1
Relatamos caso de paciente com apresentação atípica de pilomatricoma no couro cabeludo, com sinais de alerta para a possibilidade de se tratar de uma variante maligna do tumor.
Paciente do sexo masculino, 56 anos, apresentando lesão nodular no couro cabeludo, na região parietal, e perda de pelos no local há aproximadamente um ano. Referia aumento gradativo da lesão neste período, sendo mais acentuado nos últimos três meses. A pele que recobria a lesão apresentava-se com alopecia, eritema, área de erosão, com sangramento e crosta central. À palpação, possuía consistência endurecida, porém móvel em relação a planos profundos, medindo cerca de 3cm (Figura 1).
Realizada biópsia incisional, que indicou o diagnóstico de pilomatricoma. Posteriormente, paciente foi submetido à exérese completa da lesão, sob anestesia local, com fechamento pela técnica de retalho em O-Z (Figura 2). O tumor apresentava-se amarelado e endurecido, medindo 2,8 x 2,0cm (Figura 3). Onovo exame histopatológico confirmou o diagnóstico anterior,sem demonstrar evidências de malignidade (Figura 4).
Pilomatricoma representa aproximadamente 1% dos tumores benignos da pele. Em geral, cursa com evolução lenta e assintomática.7 O caso relatado demonstra uma apresentação atípica do pilomatricoma, com um período de aumento de volu
A variante maligna do pilomatricoma é rara e recebe diferentes denominações, como pilomatrix carcinoma, epiteliocarcinoma calcificado de Malherbe, pilomatricoma maligno ou carcinoma tricomatrical. Tem característica de ser localmente agressiva, com altas taxas de recorrência, ou apresentar metástases. O diagnóstico histológico é difícil, sendo, por vezes, observadas anormalidades citológicas, como desorganização celular, com atividade mitótica atípica e aumentada.1 O tratamento nesses casos é baseado em excisão cirúrgica associada à radioterapia como modalidade adjuvante local e, em presença de metástases, avaliação de tratamento quimioterápico.9 No nosso caso, não havia nenhum indício de malignidade na análise histopatológica do tumor em sua totalidade.
Na literatura, encontram-se outros casos em que o pilomatricoma apresenta-se com aparência não usual, de aspecto exofítico, como ocorreu com nosso paciente. Chen et al., em análise clinicopatológica de 22 casos de pilomatricoma, descreveram particularidades clínicas de acordo com a localização anatômica das lesões. Aquelas encontradas nos membros superiores eram rígidas, de consistência endurecida, profundas e recobertas por pele aparentemente normal. Já as localizadas nas pálpebras e na face apresentavam coloração em tons azul-avermelhados e consistência firme ou elástica. Lesões em couro cabeludo apresentavam-se de forma mais proeminente, como nódulos e tumores exofíticos, endurecidos e de coloração eritematosa.10 Essas características se reproduziram nos casos relatados por Kondo et al. e Mendes et al. com lesões de pilomatricoma localizadas sobre a tábua óssea do crânio, respectivamente nas regiões supra-auricular e superciliar.1,7
Sugerimos que a localização dos pilomatricomas no couro cabeludo, sobre a tábua óssea do crânio, não permitiria a acomodação tecidual ao redor de um nódulo expansivo, fazendo com que a lesão assuma um caráter exofítico e mais eritematoso, levantando a suspeita de uma neoplasia primária ou metastática.
O pilomatricoma pode ter apresentação clínica atípica dependendo de sua localização, e o dermatologista deve estar ciente das particularidades clínicas que a lesão pode assumir. Além disso, chamamos a atenção para os sinais de alerta quanto à variante maligna do tumor que, apesar de rara, não pode ser descartada sem estudo histopatológico.
Suellen Ramos de Oliveira
ORCID: 0000-0002-6925-8785
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Thiago Jeunon
ORCID: 0000-0003-1750-438X
Concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito.
Carolina Fechine
ORCID: 0000-0002-2873-8379
Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito.
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