Liza Castro Rego; Nathalia Calado Melges; José Matheus Frizzo Lopes Moço; Thais Teixeira Libonati; José Antonio Jabur da Cunha
Submitted on: 31/01/2023
Approved on: 23/02/2023
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Como citar este artigo: Rego LC, Melges NC, Moço JMFL, Libonati TT, Cunha JAJ. Combinando duas técnicas de fácil execução para reconstrução de defeitos de lábio inferior: retalho de avanço miomucoso e M-plastia. Surg Cosmet Dermatol. 2023;15:e20230219.
Defeitos cirúrgicos pequenos do lábio inferior podem ser reconstruídos por meio do fechamento direto. Já defeitos de espessura total e com mais de 30% de acometimento requerem reconstruções complexas e de alta morbidade. Relatamos o caso de uma paciente com diagnóstico de carcinoma de células escamosas em lábio inferior, cuja ressecção resultou em defeito cirúrgico de 45% do lábio inferior. Foi realizada reconstrução por meio da associação de duas técnicas já consagradas: retalho de avanço miomucoso unilateral e M-plastia. Esta associação atuou de forma sinérgica possibilitando o fechamento do defeito cirúrgico com fácil execução, baixa morbidade e ótimo resultado estético e funcional.
Keywords: Retalhos cirúrgicos; Lábio; Neoplasias labiais; Carcinoma de células escamosas
Os tumores malignos dos lábios ocorrem com mais frequência no lábio inferior e aproximadamente 2/3 deles são carcinomas de células escamosas (CCE). São mais frequentes na quinta, sexta e sétima décadas de vida, prevalecendo na raça branca e no sexo masculino na proporção de 5:1. A exposição crônica ao sol, tabagismo e etilismo são os principais fatores de risco associados a esta neoplasia.1
Se diagnosticados precocemente, os CCEs labiais apresentam bom prognóstico, com índice de cura em torno de 90% em cinco anos, sendo a remoção cirúrgica o tratamento de escolha. Apesar disso, metástases podem ocorrer em linfonodos cervicais em 5 a 20% dos casos.2
A escolha da técnica usada para a reconstrução do lábio após a remoção cirúrgica deve ser adequada e individualizada para cada tipo de defeito, levando-se em consideração localização, tamanho, elasticidade cutânea e condições gerais do paciente.1
No caso de defeitos cirúrgicos localizados no lábio inferior, as técnicas de reconstrução são habitualmente categorizadas conforme a porcentagem de acometimento do local, sendo divididos em defeitos pequenos (30% ou menos), médios (30 a 70%) ou grandes (70% ou mais).3 Defeitos cirúrgicos pequenos do lábio inferior podem ser reconstruídos por meio do fechamento direto. Já defeitos de espessura total e com mais de 30% de acometimento requerem reconstruções complexas e de alta morbidade.
Diante da complexidade das inúmeras técnicas já descritas, relatamos uma combinação de duas técnicas já consagradas, de fácil execução, que foi adequada para a reconstrução de defeito cirúrgico do lábio inferior com acometimento de 45% da extensão.
Paciente de 81 anos, sexo feminino, fototipo II de Fitzpatrick, trabalhadora rural, apresentou-se ao Serviço de Dermatologia com lesão tumoral de crescimento progressivo acometendo o lábio inferior há seis meses. De antecedentes pessoais apresentava hipertensão arterial em uso de atenolol e hidroclorotiazida, ex-tabagista, com carga tabágica de 65 maços/ano. Ao exame dermatológico, notava-se tumor ulcerado, medindo 40 x 30mm, sem acometimento das comissuras labiais (Figura 1).
Ao exame físico, não se identificaram linfadenopatias em cadeias cervicais e parotídeas. O exame anatomopatológico da biópsia incisional evidenciou CCE bem diferenciado. A paciente foi encaminhada para tratamento cirúrgico.
O procedimento foi realizado sob anestesia local. Inicialmente, foram posicionados dois pontos hemostáticos com fio de nylon 2-0 no lábio inferior, adjacente a cada comissura labial, com o objetivo de comprimir a artéria labial inferior.
Procedeu-se à remoção do tumor resultando em um defeito cirúrgico de espessura total que correspondia a 45% da extensão do lábio inferior (Figura 2). Optamos por reconstrução com retalho de avanço miomucoso unilateral associado à M-plastia na linha média do lábio inferior (Figura 3).
Foi feita incisão na pele seguindo a borda inferior do defeito cirúrgico, próxima à prega mentoniana até a comissura labial esquerda. Em seguida, foi realizada incisão da mucosa labial respeitando-se a altura da incisão cutânea, de modo a delimitar o retalho miomucoso de espessura total. Cuidado foi tomado para que a artéria labial inferior estivesse contida dentro do retalho preservando sua irrigação. Não foi realizada qualquer incisão no lado contralateral (Figura 4).
Em seguida, foi removido triângulo de compensação de espessura total na porção média da prega mentoniana que foi reconstruído com M-plastia de modo a não invadir a unidade anatômica do mento (Figura 5). A reconstrução subsequente se deu por planos, respeitando-se os planos mucoso, muscular e cutâneo, nesta ordem. Foi primeiramente reconstruído o triângulo de compensação e, em seguida, procedeu-se ao avanço e à sutura do retalho miomucoso. Foi utilizado na reconstrução da mucosa Vicryl® 5-0 e, no músculo orbicular da boca, Vicryl® 3-0. A pele foi suturada com fio de nylon 5-0 (Figura 6).
Paciente apresentou boa evolução, com pouca dor, pouco edema e pouca equimose, além de ótima adaptação funcional já nos primeiros dias após a cirurgia. No pós-operatório de três meses, a paciente já apresentava perfeita adequação à reconstrução sem qualquer prejuízo estético e funcional (Figuras 7 e 8).
A reconstrução do lábio inferior tem como o principal objetivo a máxima preservação da funcionalidade associada a mínimo comprometimento estético. Neste sentido, alguns princípios devem ser considerados: reconstrução correta dos planos mucoso, muscular e cutâneo; preservação dos feixes vasculares e nervosos locais; respeito às unidades e subunidades anatômicas; manutenção da proporção entre os lábios superior e inferior e alinhamento perfeito da zona de transição entre o vermelhão e a pele.4
Diversas técnicas para reconstrução do lábio inferior com defeitos de espessura total foram descritas e classificadas de acordo com a proporção de comprometimento do local. Defeitos cirúrgicos que não ultrapassem 30% de acometimento são tratados de forma simples por fechamento primário como ressecção em cunha, zetaplastia ou M-plastia.2 Já defeitos cirúrgicos maiores que 30% necessitam de reconstruções mais complexas a fim de se evitarem complicações estéticas e funcionais relevantes, e os retalhos locais são as melhores alternativas. Em pacientes com perda tecidual de espessura total ao redor de 45%, como o caso apresentado, as técnicas cirúrgicas classicamente descritas são os retalhos de avanço bilateral miomucoso ou de Karapandzic e os retalhos de rotação de Gillies.3
O fundamento básico do retalho de avanço miomucoso está na existência da maior quantidade de tecido no vermelhão do lábio quando comparado à porção cutânea do lábio. Este retalho proporciona boa camuflagem das linhas de incisão, preservação de estruturas neurais e vasculares, sendo ainda de fácil execução e baixa morbidade.5 Apesar de já ser descrito para o fechamento de defeitos de 45%, no caso apresentado o retalho miomucoso unilateral isolado não foi capaz de reconstruir o defeito operatório de modo seguro e sem tensão. A combinação do retalho de avanço miomucoso com a M-plastia facilitou o avanço do retalho, proporcionando menor tensão da ferida operatória e, consequentemente, menor risco de deiscência e necrose. Além disso, a M-plastia associada evitou a extensão da incisão para outra unidade anatômica local.6
Os retalhos de Karapandzic e Gillies são retalhos consagrados para reconstrução de grandes defeitos cirúrgicos no lábio; entretanto, são técnicas que exigem uma maior curva de aprendizado por parte do cirurgião e com relevante morbidade operatória. Baseiam-se na preservação anatômica dos pedículos vásculo-nervosos faciais, mantendo a irrigação e sensibilidade locais. Ao mesmo tempo, requerem extensas linhas de incisão e descolamento e têm como principal complicação o risco de microstomia.2 No caso apresentado, utilizamos duas técnicas de fácil execução, menor curva de aprendizado e dominadas pela maior parte dos cirurgiões. Apresentam ainda como vantagem técnica o confinamento do movimento dos tecidos na unidade anatômica do lábio.
A combinação do retalho de avanço miomucoso com a M-plastia apresentou-se como uma boa alternativa à reconstrução do defeito cirúrgico de espessura total do lábio inferior com 45% de acometimento. Ambas as técnicas são de fácil execução, baixa morbidade, pós-operatório simples e, quando associadas, contribuíram para maior mobilidade do retalho e ótimo resultado estético e funcional.
Liza Castro Rego
ORCID: 00-0001-7757-3278
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Nathalia Calado Melges
ORCID: 09-0005-7158-9574
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
José Matheus Frizzo Lopes Moço
ORCID: 00-0001-8807-5717
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito.
Thais Teixeira Libonati
ORCID: 09-0008-1647-8048
Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
José Antonio Jabur da Cunha
ORCID: 00-0002-5780-0653
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
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