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Artigo Original

Molusco contagioso em crianças: tratamentos comparativos

Raquel Bozzetto Machado1, Tanira Ferreira Leal1, Raquel Bonfá1, Monia E.Werlang1, Magda Blessmann Weber1

Recebido em: 01/11/2010
Aprovado em: 29/11/2010

Trabalho realizado na Universidade Federal
de Ciências da Saúde de Porto Alegre – Faculdade de Medicina – Departamento de Medicina Interna/Dermatologia e Ambulatório de Dermatologia da UFCSPA – Centro de Saúde Santa Marta – Porto Alegre (RS), Brasil.

Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse:Doação de medicamentos pelo laboratório Theraskin.

Abstract

Introdução: Molusco contagioso é dermatovirose comum na infância. Embora autolimitada, preconiza-se o tratamento por ser contagiosa e determinar complicações. Na escolha terapêutica, consideram-se efetividade e tolerância. Objetivos: Comparar três tratamentos em crianças quanto à eficácia, aos efeitos colaterais e ao impacto psicológico, com a finalidade de individualizar a abordagem.
Métodos: Estudo comparativo, randomizado e prospectivo, utilizando três terapias para molusco contagioso, em 50 pacientes com idade entre três e 15 anos, divididos em três grupos.O grupo 1 foi tratado com hidróxido de potássio 10%, o grupo 2 com combinação de ácidos salicílico e lático, e o grupo 3 com curetagem.
Resultados: O estudo não mostrou diferença estatística nas análises realizadas, apesar de determinar algumas tendências.O grupo 1 mostrou mais complicações e dor, assim como mais pacientes com lesões ao final do seguimento.Os pacientes do grupo 3 foram os mais colaborativos no tratamento, sendo o método mais rápido e que gerou maior satisfação.
Discussão: A curetagem e a combinação de ácido salicílico e lático foram igualmente eficazes, tendendo a última à demora na resolução.
Conclusão: Os autores acreditam que o tratamento deve ser individualizado, considerando a preferência do paciente, sua tolerância e tempo disponível.

INTRODUÇÃO E OBJETIVOS

Molusco contagioso (MC) é dermatose viral causada por um poxvírus do gênero Molluscipox virus 1 que pode acometer qualquer região do corpo, sendo os locais mais frequentes, a porção superior do tronco, axilas, fossas cubitais e poplíteas e pregas crurais. 1,2,3,4 É infecção universal, com maior preferência por áreas tropicais e maior incidência em crianças, ocorrendo também em adultos sexualmente ativos e imunodeficientes. 3 Sua transmissão ocorre por contato direto, fômites contaminados ou autoinoculação. 3,5 Apresentam-se clinicamente como pápulas pequenas, sésseis, firmes, com umbilicação central. 1-3,6,7 O diagnóstico é clínico, pela aparência das lesões, e, quando há dúvida, a análise histológica pode ser útil. 8 Apesar de benignas e geralmente autolimitadas, as lesões podem levar a certas complicações: inflamação, prurido, eczematização, infecção bacteriana secundária e cicatrizes permanentes. 3 Por esses motivos, é recomendado o tratamento das lesões. 2 Deve-se também considerar que o MC pode ser fonte de preconceito e grande constrangimento em seus portadores, podendo afetar suas atividades escolares, profissionais e sociais. 1

Há na literatura descrição de diferentes abordagens dessa infecção, incluída a conduta expectante, visto que pode haver resolução espontânea. 5,9 Não existe consenso sobre o melhor método, porém muitos estudos citam a curetagem como técnica mais efetiva e com menor índice de recidiva, avaliada como padrão-ouro no tratamento do MC em vários trabalhos. 1,4,7,9,10

Na escolha do tratamento, consideram-se vários aspectos, como efetividade e recidiva. 7,9,10 Aspectos secundários também devem ser levados em conta, como a tolerância física e psicológica à terapia, a preferência do paciente ou responsável, o padrão financeiro da família e a disponibilidade de tempo e facilidade de acesso ao consultório médico. 11,12 Em meio às técnicas de tratamento mais citadas na literatura encontram-se: crioterapia, curetagem, laserterapia e uso tópico de diversas substâncias, sendo as mais comuns a tretinoína, o hidróxido de potássio, o imiquimod, a cantaridina, o ácido tricloroacético e a combinação de ácidos salicílico e lático. 3,8,13 Também há descrição do uso de imunomoduladores e antivirais. 11,14,15

Tendo em vista que um dos tratamentos para MC mais utilizado no serviço em que atuam os autores é a curetagem, eles optaram por comparar tratamentos mais usados para estabelecer suas condutas com base em evidências.Neste estudo optam pela comparação entre três técnicas diferentes na terapia do MC em crianças: curetagem, hidróxido de potássio 10% e combinação de ácido salicílico e lático. Entre outros aspectos gerais do tratamento do MC, foram considerados principais a avaliação de eficácia e o impacto psicológico.

A importância da comparação entre diferentes técnicas na abordagem do molusco contagioso é a tentativa de individualização da conduta clínica de acordo com características individuais dos pacientes, trazendo resultado terapêutico satisfatório, com menor impacto psicológico e econômico. Objetiva-se, assim, encontrar uma terapia eficaz e igualmente conveniente para o paciente e seus responsáveis.

MÉTODOS

Ensaio clínico prospectivo, randomizado, comparando três tipos de tratamentos para infecção por molusco contagioso. A amostra incluiu pacientes de três a 15 anos atendidos no Serviço de Dermatologia da UFCSPA no Centro de Saúde Santa Marta, entre novembro de 2008 e maio de 2009, com diagnóstico clínico de molusco contagioso, acompanhados por seus pais ou responsáveis, para quem foi entregue o termo de consentimento informado. O protocolo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFCSPA. Foram excluídos do trabalho os pacientes fora da faixa etária estipulada, aqueles sub- metidos a tratamentos para molusco contagioso nos últimos 30 dias, pacientes com lesões periorbitais, periorais e perigenitais, e imunodeficientes.

Os pacientes foram alocados por sorteio nos três grupos de estudo: grupo 1 – uso tópico em domicílio, de solução de hidróxido de potássio 10% em solução aquosa, aplicada duas vezes ao dia; grupo 2 – aplicação domiciliar de combinação de ácido salicílico 14% e ácido lático 14% em colódio (Verrux®,Theraskin Labs, São Paulo, Brasil) uma vez ao dia; e grupo 3 – curetagem das lesões, realizada em consultório, com cureta no 4, após anestesia tópica com creme de lidocaína 5% oclusivo por uma hora sobre cada lesão.Nas lesões curetadas foram colocados curativos com Micropore (3M). Os grupos 1 e 2 foram avaliados em consultas a cada 15 dias até o 90o dia.Os pacientes do grupo 3 compareceram à consulta no sétimo dia pós-procedimento e em 90 dias. Foi analisada, em cada consulta, a incidência de efeitos colaterais, como eritema, edema, prurido e infecção secundária no local das lesões. No 15o dia (para os grupos 1 e 2) e no sétimo dia (para o grupo 3) foi aplicada a Escala Analógica Visual (VAS) para dor, avaliando a tolerância física ao procedimento.

No final do estudo, aos 90 dias de seguimento, os pais foram questionados quanto ao impacto econômico e comodidade da técnica, através de pergunta aberta. Foi também avaliada a resolução das lesões. Para responder aos objetivos do estudo, foi utilizado o programa SPSS 11.0. Os testes usados para análise das variáveis foram o de Qui-quadrado e o teste exato de Fisher, realizados no nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Dos 50 pacientes incluídos, 26 eram do sexo feminino, e 24 do sexo masculino.A média de idade foi de 6,56 anos. Dos 50, 66% apresentavam menos de 20 lesões, 28% de 20 a 40, e apenas 6% dos casos mostravam mais de 40 lesões ao exame inicial. A distribuição corporal das lesões foi: tronco (54%), membros superiores (26%),membros inferiores (26%), face (32%) e região cervical (28%); 48% eram atópicos. Infecção anterior por MC presente em 10%, tratadas há mais de seis meses. Os pacientes foram distribuídos aleatoriamente: 17 no grupo 1, 16 no grupo 2 e 17 no grupo 3. Os efeitos colaterais na primeira avaliação e ao final do seguimento são apresentados na tabela 1.

A avaliação da tolerância ao procedimento feita pela VAS na primeira visita mostra que no grupo 1 58% apontaram dor moderada (4-7), enquanto nos grupos 2 e 3, 50% e 71,4% respectivamente mostraram dor leve (1-3) (P = 0,23). Os pacientes do grupo 3 colaboraram mais com o tratamento (78,5%) em comparação com os do grupo 1 (50%) e do grupo 2 (60%) (P = 0,30). O tratamento não prejudicou as atividades diárias dos responsáveis e não houve dificuldade na adesão ao tratamento e às orientações de conduta domiciliar.Alguns familiares faltaram ao trabalho para a consulta (média de dias perdidos 1,7 dia).

Na análise qualitativa referente à comodidade do tratamento foi questionado aos pais:"qual a sua impressão quanto ao tratamento realizado no seu filho, no que se refere à aplicação do tratamento, sintomas durante o tratamento e valor financeiro do tratamento?". A maioria dos familiares mostrou satisfação, com queixas mais evidentes quanto à demora nos resultados nos grupos 1 e 2. No final do seguimento, aos 90 dias, seis pacientes ainda apresentavam lesões clinicamente detectáveis de molusco contagioso: 3 no grupo 1, 1 no grupo 2 e 2 no grupo 3, sem significância estatística entre os grupos.

DISCUSSÃO

Não há consenso quanto ao tratamento de escolha para essa dermatose. Embora o tratamento expectante possa ser uma opção, muitos pais e pacientes preferem a retirada das lesões. Boas revisões comparando tratamentos disponíveis foram publicadas. 2,16,17 Os tratamentos dividem-se em destrutivos, imunomoduladores e antivirais. Os destrutivos são os mais comuns, incluindo curetagem, crioterapia e aplicação de substâncias queratolítica (ácido salicílico e lático, tretinoína) ou vesicantes (cantaridina). 2 Revisão feita por Brown e cols. comparou diversas opções de tratamento para molusco contagioso, expondo vantagens e desvantagens. Houve predileção pelos tratamentos destrutivos (Cantaridina, criocirurgia e curetagem), pelo fato de mostrarem rápida resolução com poucos efeitos adversos. 18

O presente estudo não mostrou diferença estatística em nenhuma das análises realizadas, apesar de haver tendências em algumas delas. Por exemplo, na avaliação da dor, mais da metade dos pacientes que receberam o tratamento com hidróxido de potássio referiram dor moderada, enquanto no grupo tratado com a combinação de ácidos e naquele dos submetidos à curetagem, a maioria referiu dor leve.Deve-se, porém, atentar para o fato de que os pacientes do grupo da curetagem foram questionados no sétimo dia após o procedimento, o que pode ter gerado um viés de lembrança. No questionamento feito aos pais, a maioria escreveu frases positivas. Queixaram-se menos os responsáveis pelas crianças submetidas à curetagem, provavelmente pela rápida resolução do quadro e por haver poucas consultas de seguimento.

Um estudo prospectivo, randomizado, publicado em 2006 demonstrou que a curetagem foi o método mais eficaz e com menos efeitos adversos em comparação às opções por cantaridina, imiquimod e combinação de ácido salicílico e lático. Apenas 16% dos pacientes submetidos à curetagem necessitaram de segunda consulta. Nos demais tratamentos, mais de 40% dos pacientes retornaram ao consultório para novas consultas. 2 Em relação ao grau de satisfação dos pais e pacientes, essa mesma publicação confirmou a preferência pelo tratamento com cureta.

A curetagem deve ser bem explicada antes de ser realizada. É fundamental a compreensão do responsável sobre o procedimento ao qual será submetida a criança.2

Neste estudo, os tratamentos domiciliares também obtiveram boa resposta. Porém, houve mais queixas em relação à demora nos resultados e ao número de consultas necessárias para o seguimento.Nenhuma complicação importante foi relatada, e a diferença entre os efeitos adversos não foi estatisticamente significativa entre os grupos, apesar de o grupo que usou hidróxido de potássio ter mostrado tendência a apresentar mais eritema e prurido no final do seguimento. Os resultados são limitados por não se tratar de estudo cego.

CONCLUSÕES

Este estudo foi idealizado com a intenção de avaliar qual tratamento para MC seria eficaz e igualmente conveniente para o paciente e seus cuidadores.Tendo em vista que um dos tratamentos mais utilizados no serviço em questão é a curetagem, os autores optaram por compará-lo com outras duas técnicas a fim de estabelecer suas condutas com base em evidências. O estudo não mostrou diferença estatística nas análises realizadas, apesar de determinar algumas tendências. Os resultados são limitados por não se tratar de estudo cego: tanto o avaliador quanto o responsável pela criança tinham conhecimento de qual terapia estava sendo aplicada.A curetagem mostrou rapidez nos resultados e poucas complicações, gerando maior satisfação; portanto, é técnica que pode ser recomendada para crianças. É fundamental a compreensão do responsável sobre o procedimento ao qual será submetida a criança.2 A combinação de ácido salicílico e lático foi igualmente eficaz, embora tendendo à demora na resolução das lesões, assim como a terapia com KOH, que se mostrou mais dolorosa e apresentou mais complicações. Portanto, o tratamento do MC deve ser individualizado, sempre considerando as expectativas e disponibilidade dos responsáveis.

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