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Relato de casos

Líquen escleroso vulvar: descrição de cinco casos de sucesso com laser Erbium-YAG 2940

Daniella de Grande Curi1; Cristiane Lima Roa2; Lana Maria de Aguiar3; Abdo Salomão Junior4; Edmund Chada Baracat5

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2017931027

Data de recebimento: 11/06/2017
Data de aprovação: 25/09/2017
Suporte financeiro: Não
Conflito de interesse: A plataforma Solon foi emprestada pela empresa LMG para que o estudo fosse realizado. No entanto, não houve qualquer tipo de pagamento aos autores para a realização do trabalho

Abstract

Líquen escleroso é dermatose crônica com predileção pela região genital. Acomete, principalmente, a raça branca, sendo mais frequente em mulheres. O tratamento-padrão é feito com corticosteroides tópicos de alta potência. Tratamentos com propionato de testosterona, imunomoduladores tópicos, terapia fotodinâmica, crioterapia, antibioticoterapia e laserterapia são citados na literatura. Neste artigo são relatados cinco casos de pacientes com liquen escleroso vulvar, sem sucesso com o clobetasol tópico, submetidas ao tratamento com Laser Erbium YAG 2940 fracionado. Os resultados foram bastante satisfatórios, sugerindo a laserterapia como opção no tratamento do líquen escleroso, incluídos casos de insucesso com o uso corticoides tópicos.


Keywords: LÍQUEN ESCLEROSO VULVAR; CORTICOSTEROIDES; TERAPIA A LASER


INTRODUÇÃO

Líquen escleroso (LE) é dermatose crônica e benigna que atinge a região genital e extragenital. O acometimento vulvar é observado predominantemente em mulheres na pré-menopausa e menopausa, podendo causar prurido, dor, dispareunia e disfunção sexual.1,2

Fatores autoimunes e genéticos são implicados na sua etiologia. Associação com outras doenças autoimunes corrobora essa teoria.3 A participação da espiroqueta Borrelia burgdorferi ainda é controversa.1

Clinicamente acomete períneo, pequenos e grandes lábios, clitóris e região perianal. Caracteriza-se por placas hipocrômicas, fissuras, bem como sepultamento do clitóris e fusão de lábios menores e maiores. A queixa principal é o prurido vulvar, associado ou não à disúria, dispareunia e queimação. Observam-se ainda lesões em pregas genitocrurais, coxas e nádegas.4

Histologicamente a epiderme é escassa com hiperqueratose, homogeneização do colágeno entre derme e epiderme e infiltrado linfocitário.4Alguns casos de LE podem evoluir para carcinoma de células escamosas, demandando controle e acompanhamento clínico dessas pacientes.5Muisas pacientes respondem ao tratamento com a abolição dos sinais e sintomas; em outros casos os sinais permanecem, e os sintomas são intermitentes.6 O tratamento atualmente é feito com corticosteroide tópico de alta potência (clobetasol) com bons resultados. Outras opções são os imunomoduladores tópicos (tracolimus e pimecrolimus), terapia fotodinâmica, crioterapia, antibioticoterapia e laserterapia.7 O uso do laser no tratamento do líquen é recente, e os poucos estudos utilizaram o CO2 fracionado;8-10 nenhum utilizou o ER:YAG 2940.

A proposta deste estudo é avaliar a eficácia do laser Er:YAG 2940 no tratamento do LE em casos nos quais outros tratamentos não tiveram sucesso para alívio dos sintomas. Descrevemos neste artigo cinco casos de pacientes com LE, confirmados com exame histológico, resistentes ao uso do clobetasol, submetidas a cinco sessões de Er:YAG 2940 fracionado (Plataforma Solon – LMG lasers) a cada 21 dias, com melhora importante das lesões e do prurido. Os parâmetros utilizados estão apresentados na tabela 1.

Caso 1

MSNL, 68 anos, branca, menopausa há 13 anos, com diagnóstico clínico e anatomopatológico de LE há oito anos, prurido vulvar intenso sem melhora com clobetasol 0,5mg/g diariamente. Ao exame apresentava vulva com perda da arquitetura, hipopigmentação, placas esbranquiçadas e escoriações (Figura 1).

Dois meses depois da última sessão a paciente referia melhora completa do prurido e não fez mais uso de clobetasol tópico. Ao exame clínico, melhora da textura da pele e áreas de repigmentação (Figura1).

Caso 2

MAV, 69 anos, branca, menopausa há 24 anos, queixa de prurido vulvar intenso há dois anos. Diagnóstico clínico e anatomopatológico de LE, em uso de clobetasol 0,5mg/g diariamente sem melhora do prurido. Ao exame, vulva com hipopigmentação e áreas de leucoplasia principalmente no capuz do clitóris (Figura 2).

Dois meses depois de encerrado o tratamento a paciente referia melhora de 70% do prurido e desde a última consulta não fez uso de clobetasol tópico. Ao exame clínico, melhora importante da leucoplasia e áreas de repigmentação (Figura 2).

Caso 3

ERN, 70 anos, branca, menopausa há 25 anos, apresentando prurido vulvar intenso e pouca resposta ao uso diário do clobetasol 0,5mg/g. Ao exame, vulva com perda da arquitetura, mucosa eritematosa e atrófica, e fusão dos pequenos lábios (Figura 3).

Dois meses depois de encerrado o tratamento a paciente referia melhora de 80% do prurido e, desde a última consulta, utilizou clobetasol tópico quando apresentava prurido (uma vez por semana). Ao exame, melhora da textura e liberação dos pequenos lábios (Figura 3).

Caso 4

VES, 60 anos, branca, menopausa há seis anos, referindo prurido vulvar há mais de um ano, em uso de clobetasol 0,5mg/g, duas vezes ao dia desde então, com pouca resposta. Ao exame, perda da arquitetura vulvar, mucosa hipopigmentada e atrófica e placas esbranquiçadas (Figura 4.1).

Dois meses depois de encerrado o tratamento a paciente referia melhora de 100% do prurido desde a última consulta e não fez mais uso de clobetasol tópico. Ao exame, melhora da textura e coloração da mucosa vulvar (Figura 4.2).

Caso 5

JGP, 67 anos, branca, menopausa há 24 anos, com prurido vulvar há mais de 23 anos. Fez uso de várias medicações tópicas sem melhora clínica e foi submetida a cirurgia para desbridamento na região de clitóris há um ano por fimose e formação de abscesso. Há seis meses utilizando clobetasol 0,5mg/g uma vez ao dia com pouca resposta. Ao exame clínico apresentava perda completa da arquitetura vulvar, mucosa hipopigmentada e atrófica (Figura 5).

Dois meses depois de encerrado o tratamento a paciente referia melhora de 100% do prurido e não fez uso de clobetasol tópico. Ao exame, melhora da textura e da pigmentação da vulva (Figura 5).

 

DISCUSSÃO

O líquen escleroso pode ocorrer em todas as idades em ambos os sexos, porém é mais frequente em mulheres após a menopausa.11 O prurido é a principal queixa, muitas vezes importante, causando desconforto e até isolamento social. A dispareunia e perda da arquitetura vulvar também são frequentes.12 Prurido intenso foi relatado por todas as pacientes, mesmo com uso de clobetasol tópico diário antes do início do tratamento. Após a terceira sessão houve melhora importante do prurido (de pelo menos 50%) e diminuição da frequência de aplicação do corticosteroide diário para uma vez por semana ou menos.

A dor durante a aplicação do laser foi relatada por todas as pacientes como moderada na primeira sessão e leve nas seguintes. Acreditamos que o desconhecimento do tratamento na primeira sessão tenha sido o responsável pela maior intensidade da dor, pois nas sessões subsequentes foi menos intensa, sem alteração dos parâmetros utilizados. O anestésico tópico pode amenizar a dor durante a aplicação.

Godoi e colaboradores,2 em 2015, compararam biópsias de tecidos com e sem líquen escleroso e encontraram nas pacientes com líquen diminuição das fibras elásticas na camada superior da derme, associada ao aumento do colágeno tipo V e queda da expressão da proteína 1 da matriz extracelular, os dois últimos provavelmente decorrentes da reparação tecidual deficiente devido ao desaparecimento das fibras elásticas. Como demonstrado em outras áreas do corpo, o laser induz o remodelamento do tecido conjuntivo por meio da produção de colágeno e fibras elásticas.13 Esse processo envolve a interação das heat shock proteins 43, 47 e 70 que induzem o aumento local de citocinas como o TGF-A (transforming growth factor-A) que estimula proteínas na matriz como o colágeno, FGF (fibroblast growth factor) que estimula atividade angiogênica, EGF (epidermal growth factor) que estimula reepitelização, PDGF (platelet-derived growth factor) que estimula fibroblastos para produção dos componentes da matriz extracelular e VEGF (vascular endothelial growth factor) que regula a angiogênese.14 Acreditamos que o remodelamento promovido pelo laser possa ter papel importante na reorganização das fibras elásticas e consequentemente no tratamento do líquen escleroso, trazendo esperança para que um tratamento mais prolongado e com melhores resultados possa ser utilizado nessas pacientes.

Nossos resultados tanto subjetivos (prurido) quanto objetivos (aspecto da vulva) são compatíveis com nossa hipótese, porém, estudos com maior número de pacientes se fazem necessários.

 

CONCLUSÃO

O Laser ErbiumYAG: 2940 se mostrou promissor no tratamento do líquen escleroso da vulva, incluindo casos resistentes ao tratamento tópico com clobetasol.

 

PARTICIPAÇÃO NO ARTIGO:

Daniella De Grande Curi:

Idealização do projeto, execução e escrita do artigo

Cristiane Luma Roa:

Idealização, execução e escrita

Lana Maria Aguiar:

Idealização e execução

Abdo Salomão Junior:

Fornecimento do equipamento Solon e escrita

Edmund Chada Baracat:

Escrita do artigo

 

Referências

1. Fistarol SK, Itin PH. Diagnosis and treatment of lichen sclerosus: an update. Am J Clin Dermatol. 2013; 14(1):27-47.

2. Godoy CA, Teodoro WR, Velosa AP, Garippo AL, Eher EM, Parra ER, et al. Unusual remodeling of the hyalinization band in vulval lichen sclerosus by type V collagen and ECM 1 protein. Clinics (Sao Paulo). 2015; 70(5):356-62.

3. Murphy R. Lichen sclerosus. Dermatol Clin. 2010; 28(4):707-15.

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5. Micheletti L, Preti M, Radici G, Boveri S, Di Pumpo O, Privitera SS, et al. Vulvar lichen sclerosus and neoplastic transformation: a retrospective study of 976 cases. J Low Genit Tract Dis. 2016; 20(2):180-3.

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8. Peterson CM, Lane JE, Ratz JL. Successful carbon dioxide laser therapy for refractory anogenital lichen sclerosus. Dermatol Surg. 2004; 30(8):1148-51.

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11. Kirtschig G. Lichen Sclerosus-Presentation, Diagnosis and Management. Dtsch Arztebl Int. 2016; 113(19):337-43.

12. Bradford J, Fischer G. Long-term management of vulval lichen sclerosus in adult women. Aust. N Z J Obstet Gynaecol. 2010; 50(2):148-52.

13. Perino A ,Calligaro A, Forlani F, Tiberio C, Cucinella G, Svelato A, et al. Vulvo- vaginal atrophy: A new treatment modality using thermo-ablative fractional CO2 laser. Maturitas. 2015; 80(3): 296-301.

14. Salvatore S, Maggiore ULR, Athanasiou S, Origoni M, Candiani M, Calligaro A, et al. Histological study on the effects of microablative fractional CO2 laser on atrophic vaginal tissue: an ex vivo study. Menopause. 2015; 22(8):845-9

 

Trabalho realizado na Instituição: Hospital da Clínicas da Universidade de São Paulo.


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