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Novas Técnicas

Reconstrução de defeitos cirúrgicos da ponta nasal em único tempo cirúrgico

Artur Jorge Fernandes César1; Ana Margarida Barros2; Paulo Henrique Santos2; Filomena Maria Azevedo3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201684884

Data de recebimento: 09/08/2016
Data de aprovação: 10/11/2016
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

A reconstrução de defeitos cirúrgicos envolvendo a subunidade da ponta nasal coloca desafios particulares já que essa região é rodeada de pele de difícil mobilização. O retalho de Peng é retalho cutâneo passível de ser executado num único tempo cirúrgico que ultrapassa essa dificuldade mobilizando pele do dorso e das vertentes laterais do nariz. O seu desenho permite alcançar forma tridimensional adaptada à configuração da ponta nasal e produz excelentes resultados estéticos. Descreve-se a realização de uma modificação do retalho de Peng em único tempo cirúrgico, em três pacientes submetidos a excisão de carcinomas basocelulares.


Keywords: RETALHOS CIRÚRGICOS; CARCINOMA BASOCELULAR; NARIZ; NEOPLASIAS NASAIS


INTRODUÇÃO

O carcinoma basocelular (CBC) é o cancro de pele não melanoma mais comum nas regiões da cabeça e do pescoço.1 Cerca de 80% de todos os CBCs surgem na região da face, e até 30% destes, no nariz.2 A excisão cirúrgica é o tratamento de eleição; no entanto, o encerramento dos defeitos cirúrgicos na ponta nasal é muitas vezes desafiante, principalmente devido à falta de pele elástica e mobilizável na periferia do defeito para proceder à sutura direta.

 

MÉTODOS

Apresentamos aqui três casos de mulheres com defeitos cirúrgicos da espessura total da pele localizados na ponta nasal, resultantes da excisão de CBCs, em que a técnica reconstrutiva empregue foi uma versão modificada do retalho Peng.

O objetivo deste artigo é descrever essa técnica de reconstrução, demonstrar os seus resultados estéticos e discutir a sua aplicabilidade cirúrgica à luz da literatura e da experiência dos autores.

Três doentes com CBCs da ponta nasal (um nodular, um micronodular e um morfeiforme) foram submetidos à excisão alargada dos tumores. Em dois dos casos aqui apresentados a remoção do CBC e a execução do encerramento foi realizada num único tempo cirúrgico. No outro caso, devido à indefinição das margens do CBC morfeiforme, este foi excisado num primeiro tempo, e, após se obter a confirmação histológica de margens livres de neoplasia, procedeu-se ao encerramento num segundo tempo cirúrgico.

Os defeitos pós-excisionais mediam entre 1,6 e 2cm no plano horizontal e entre 1,6 e 2,2cm no plano vertical (Figuras 1A, B e C). Os passos intraoperatórios da técnica de encerramento foram os seguintes (Figura 2):

- o retalho foi desenhado iniciando as incisões nas margens distais do defeito cirúrgico, continuando lateralmente e superiormente, ao longo dos sulcos alares nasais e da transição entre a vertente lateral do nariz e a região malar;

- foi realizada infiltração local com lidocaína a 1% na pirâmide nasal;

- uma vez incisada a pele, o retalho, bem como a pele circundante, foi separado do plano subcutâneo. Nesse momento, foi assegurada hemostase meticulosa para evitar qualquer hemorragia ou hematoma que possa comprometer a sobrevivência do retalho;

- as extremidades distais de cada um dos "braços" do retalho foram aparadas para se obter espessura adequada ao defeito e suturadas no lugar utilizando suturas reabsorvíveis subcutâneas 4-0;

- posteriormente, o excesso de pele triangular no centro dos "braços" do retalho foram removidos. (Nota: em defeitos da linha média a direção do triângulo deve ser vertical, enquanto que em defeitos excêntricas deve dirigida obliquamente em direção ao "braço" mais largo do retalho);

- uma vez as suturas reabsorvíveis profundas estejam colocadas ao longo de todos os limites do retalho, a remoção de tecido redundante na área do epicanto medial dos olhos é por vezes necessária para evitar deformidades em "orelha de cão";

- finalmente, a epiderme foi aproximada usando suturas não absorvíveis 5-0 com eversão apropriada dos bordos da ferida;

- as suturas não absorvíveis foram retiradas entre oito e dez dias após o procedimento, e os doentes foram reavaliados mensalmente durante os primeiros quatro meses.

 

RESULTADOS

A recuperação pós-operatória decorreu sem incidentes. As figuras 1D, 1E e 1F mostram os resultados quatro meses após a cirurgia reconstrutiva, não se evidenciando qualquer distorção da anatomia nasal e com excelentes resultados estéticos.

 

DISCUSSÃO

A reconstrução de defeitos cirúrgicos da ponta nasal coloca dificuldades particulares dadas sua forma tridimensional e a área limitada de onde mobilizar pele que tenha características semelhantes (em termos de espessura, cor e composição dos anexos). Os métodos de encerramento mais frequentemente empregues nessa localização são o encerramento primário (defeitos pequenos), retalhos cutâneos (retalho bilobado, retalho glabelar dorso-nasal, retalho de Rintala, retalho de rotação bilateral e retalho paramediano frontal) e enxertos de pele.

O retalho Peng é retalho cutâneo considerado de avanço e rotação que foi inicialmente descrito por Peng et al., em 1987.3 O conceito fundamental desse retalho é uma "modificação em pinça" do retalho de Rintala (retalho de avanço linear a partir da glabela e dorso do nariz), classicamente usado para reparar defeitos do dorso e da ponta nasal.3 Essa modificação permite o encerramento de defeitos de maiores dimensões na ponta nasal, tirando partido do excesso de pele da parede lateral nasal, e melhora a sobrevivência do retalho, já que reduz o comprimento e alarga a base do pedículo. Além disso, o movimento de rotação medial de seus dois "braços" produz uma configuração convexa perfeitamente adaptada à forma tridimensional da ponta do nariz.4

Em 1995, Rowe et al. propuseram iniciar as incisões dos dois "braços" do retalho mais distalmente em relação ao defeito, reduzindo a amplitude do movimento de avanço do retalho.4 Mais recentemente, Ryan et al. adicionaram outra modificação, colocando as incisões mais lateralmente ao longo da transição entre o nariz e a bochecha. Na maioria dos defeitos cutâneos de espessura total da ponta nasal que abordamos no nosso serviço, realizamos esta última versão modificada do retalho de Peng. Isso prende-se com o facto de a base do pedículo ser maior e por isso melhorar a sobrevivência do retalho, mas também porque produz melhores resultados cosméticos dado que as incisões são colocadas ao longo da junção entre diferentes unidades estéticas faciais.5 Além disso, o desenho simétrico desse retalho minimiza o risco de distorção assimétrica do nariz, especialmente da asa do nariz, uma complicação observada por vezes com outros retalhos usados na ponta nasal.4

Na nossa experiência de mais de 20 doentes submetidos a esse procedimento, o retalho Peng produz excelentes resultados em defeitos da ponta nasal de médias/grandes dimensões, quer localizados na linha média, quer paramedianos. Consegue ainda bons resultados em defeitos que envolvam simultaneamente a porção distal do dorso nasal e a ponta do nariz. No entanto, concordamos com outros autores que esse retalho não é adequado para a maioria dos defeitos que afetem mais de 50% da subunidade da ponta nasal ou defeitos profundos que envolvam a cartilagem. Nesses casos, o volume adicional de um retalho paramediano frontal, enxertos de pele ou compostos, serão de considerar. Não observámos nenhum caso de distorção ou complicação com essa técnica; no entanto, esse retalho não é isento de possíveis complicações. Além de casos de necrose parcial e de infecção, já foram descritos casos de elevação das asas do nariz em defeitos de maiores dimensões, bem como assimetrias em defeitos excêntricos corrigidos por essa técnica.4,5

 

CONCLUSÕES

Em conclusão, essa modificação do retalho Peng é técnica reconstrutiva de defeitos da ponta nasal, mesmo quando se estendem para o dorso do nariz, e passível de ser executado num único tempo cirúrgico. Esse retalho geralmente produz excelente aproximação na cor e textura da pele perilesional, preserva a arquitetura nasal e resulta em mínimas cicatrizes cirúrgicas camufladas nas linhas de transição entre subunidades estéticas faciais. Assim, é a opinião dos autores que essa é uma ferramenta essencial para o arsenal dos cirurgiões dermatológicos na reconstrução de defeitos da ponta nasal.

 

Referências

1. McGuire JF, Ge NN, Dyson S. Nonmelanoma skin cancer of the head and neck I: histopathology and clinical behavior. Am J Otolaryngol. 2009;30(2):121-33.

2. Choi JH, Kim YJ, Kim H, Nam SH, Choi YW. Distribution of Basal cell carcinoma and squamous cell carcinoma by facial esthetic unit. Arch Plast Surg. 2013;40(4):387-91.

3. Peng VT, Sturm RL, Marsh TW. "Pinch modification" of the linear advancement flap. J Dermatol Surg Oncol. 1987;13(3):251-3.

4. Rowe D, Warshawski L, Carruthers A. The Peng flap. The flap of choice for the convex curve of the central nasal tip. Dermatol Surg. 1995;21(2):149-52.

5. Ahern RW, Lawrence N. The Peng flap: reviewed and refined. Dermatol Surg. 2008;34(2):232-7.

 

Trabalho realizado no Centro Hospitalar São João EPE - Porto, Portugal.


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