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Relato de casos

Granuloma Piogênico: descrição de dois casos incomuns e revisão da literatura

Alessandra Yoradjian1; Luciana C. Maluf Azevedo1; Luciana Cattini1; Ricardo Alves Basso2; Deborah Krutman Zveibil3; Francisco Macedo Paschoal4

Data de recebimento: 01/08/2013
Data de aprovação: 28/08/2013
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado na Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) - Santo André (SP), Brasil.

Abstract

Granuloma piogênico é proliferação vascular benigna e comum, geralmente secundária a eventos como trauma cutâneo. É sabido que algumas lesões podem mimetizar o melanoma e vice-versa, sendo recomendadas remoção cirúrgica e análise anatomopatológica. O advento de tecnologias que ampliam a imagem reconhecida pelo olho, como a dermatoscopia, através da identificação de algumas estruturas e determinação de padrões específicos, pode facilitar essa diferenciação e ajudar na tomada de decisões. Em situações raras, sua apresentação clínica mostra-se inusitada, e o objetivo deste artigo é demonstrar esse fato e revisar a literatura médica sobre o assunto, com foco nos achados dermatoscópicos.


Keywords: GRANULOMA PIOGÊNICO, DERMATOSCOPIA, MELANOMA.


INTRODUÇÃO

O granuloma piogênico é proliferação vascular comum e benigna, adquirida, que acomete pele e membranas mucosas.1-4 Geralmente se apresenta como pápula ou nódulo único, de rápido crescimento, com sangramento fácil ao mínimo trauma, podendo ulcerar.1-4 É comum sua ocorrência em mãos, especialmente nos dedos, face, lábios e pés, mas também pode envolver outras áreas do corpo, como o tronco e a mucosa perianal.1-4

Foi primeiramente descrito por Poncet e Dor em 1897, sendo chamado de botryomycose humaine. A expressão granuloma piogênico foi posteriormente proposta por Hartzel, em 1904, porém outras surgiram, como "granuloma telangiectaticum", "granuloma pediculatum" e "hemangioma lobular capilar".A denominação granuloma piogênico foi estabelecida na América, pois se acreditava ser a mais descritiva do processo patológico.1 Fato, porém, é que essas lesões não são nem piogênicas, pois não se conseguiu provar a participação da infecção bacteriana, nem granulomatosas. Segundo Zaballos et al, a melhor designação para essas lesões seria hemangioma capilar lobular, o que, entretanto, ainda é assunto de debate.5

Parece ser reativo, mas seu mecanismo exato de aparecimento é incerto. Considera-se que possa ocorrer por resposta vascular hiperproliferativa reacional a uma série de estímulos, como organismos infecciosos, traumas cutâneos, fatores hormonais e terapia medicamentosa, como os retinoides.1,4,5

Histologicamente mostra, próximo à superfície, proliferação capilar com padrão radiado e matriz colágena edematosa frouxa, com a epiderme se estendendo para dentro da base da lesão, produzindo um colarete epidérmico e causando, em alguns casos, a formação de pedúnculo. Pode ocorrer infiltrado inflamatório misto e, nos casos mais avançados, fibrose com septos que interceptam a lesão produzindo um padrão lobular.1

Normalmente seu diagnóstico é facilitado pela história e aspecto clínicos, porém em algumas situações pode mimetizar tumores benignos ou malignos.1-4,6 Os principais diagnósticos diferenciais são: queratoacantoma, carcinoma espinocelular, carcinoma basocelular, queratose seborreica inflamada, verruga vulgar, nevo melanocítico, nevo de Spitz, carcinoma metastático, sarcoma de Kaposi, hemangioma verdadeiro, tumores vasculares de malignidade intermediária e melanoma amelanótico.1

Estudos prévios revelaram 38% de diagnósticos incorretos.1-3 Alguns trabalhos voltados para a dermatoscopia foram desenvolvidos com o objetivo de estudar melhor as características dos granulomas piogênicos no sentido de facilitar sua diferenciação de lesões semelhantes.A dermatoscopia tem sido ferramenta útil no diagnóstico não só das lesões pigmentadas como das não pigmentadas devido ao reconhecimento de padrões vasculares não visíveis a olho nu.7 Em especial, no caso dos granulomas piogênicos, padrões dermatoscópicos têm sido descritos.

Neste artigo os autores apresentam dois casos de granuloma piogênico com manifestação clínica atípica e suas respectivas imagens dermatoscópicas, seguidos de revisão da literatura sobre o assunto.

 

CASOS

Paciente número 1: do sexo feminino, parda, 60 anos de idade, com tumor friável, assintomático, na região dorsal do terceiro quirodáctilo esquerdo há seis meses, recorrente após tratamentos prévios (exérese cirúrgica e eletrocoagulação) (Figura 1).

Paciente número 2: do sexo feminino, branca, 76 anos, com lesão vegetante com superfície necrótica no dorso da mão esquerda, além de pápulas-satélite vinhosas até na face palmar, há seis meses, com dor e sangramento (Figura 2).

A dermatoscopia das lesões revelou lesão vascular, sem pigmento melânico e características compatíveis com lesão melanocítica (Figuras 3 e 4).

O exame histopatológico da paciente 1 revelou lesão nodular sobrelevada e bem delimitada com áreas de preservação da epiderme e outras com ulceração epidérmica, células inflamatórias mononucleares, linfócitos, polimorfonucleares neutrófilos íntegros e lisados, com hemorragia recente na derme papilar logo abaixo das áreas ulceradas. Na derme papilar superficial e profunda notam-se vasos capilares sanguíneos proliferados em arranjo lobular, com paredes delgadas revestidas por endoteliócitos achatados sem atipias e contendo hemácias no lúmen. Há disposição capilar radiada, alguns vasos são alongados e outros exibem angulações rombas (Figuras 5 e 6).

O exame histopatológico da paciente 2 revelou lesão semelhante à da paciente 1 em seu arranjo nodular e lobulado, formado por lesão microvascular proliferativa sanguínea com vasos capilares em disposição radiada, com revestimento endotelial sem atipias. Na profundidade, entretanto, notou-se aumento da celularidade endotelial, a qual mostrou núcleos alongados em aspecto fusiforme e com leves atipias celulares nucleares como hipercromatismo, porém sem necrose ou mitoses.Ainda, apesar da existência de outras lesões-satélite menores semelhantes a essa na mão da paciente, o diagnóstico final foi de granuloma piogênico (Figura 7).

A foto sem aumento da lâmina do exame anatomopatológico da biópsia da lesão de pele da paciente 2 mostra visão integral da lesão, com a área nodular. Nas fotomicrografias, as imagens mostram a lesão logo abaixo da epiderme. Essas são áreas menos celulares e contendo mais hemorragia recente, sendo a área mais diferenciada com aspecto de hemangioma capilar lobular, repleto de pequenos vasos capilares sanguíneos. As áreas mais profundas da lesão, na região do tecido celular subcutâneo, são áreas hipercelulares compostas por células fusiformes com atipias leves a moderadas, citoplasma róseo e núcleos alongados e hipercromáticos, ou seja, áreas menos diferenciadas, características dos hemangioendoteliomas, e permitindo diagnóstico diferencial com angiossarcoma de baixo grau. A área menos celular, mais diferenciada, é observada no maior aumento. (Figura 7).

 

DISCUSSÃO

Os casos descritos neste artigo mostram lesões de granuloma piogênico com apresentação clínica atípica e exuberante. Pelo fato de não ser possível a exclusão clínica de neoplasia maligna, os pacientes foram submetidos à biópsia para estudo histopatológico. Antes, porém, realizou-se o exame dermatoscópico, sem critérios para lesão melanocítica. Foram observadas áreas vermelhas homogêneas, linhas de trilho brancas interceptando a lesão, colarete branco, ulceração, crostas hemorrágicas e lesões isoladas mostrando vasos em ponto. Por fim, o exame histopatológico demonstrou tratar-se de lesões benignas.

Os granulomas piogênicos são lesões capilares benignas e adquiridas que acometem pele e membranas mucosas, e cuja patogenia ainda não está elucidada. Aventa-se a possibilidade de resultar de trauma mecânico, mas também já foram propostas as participações de fator hormonal, medicamentos (retinoides), malformações arteriovenosas, oncogenes virais e outros microorganismos e de fatores de crescimento angiogênicos.

Geralmente são solitários, indolores, podendo apresentar diferentes diâmetros, desde poucos milímetros a centímetros, ulcerar e sangrar.1-5

Pelo fato de alguns melanomas nodulares mimetizarem granulomas piogênicos, a biópsia sempre se faz necessária para o estudo anatomopatológico, evitando postergar o diagnóstico e melhorar o prognóstico.1,7

A dermatoscopia é técnica in vivo, não invasiva, utilizada utilizada para lesões pigmentadas e vasculares que pode ajudar na suspeição dos granulomas piogênicos, aumentando a acurácia diagnóstica, mesmo nos casos clinicamente atípicos.1-3,5,7 Tem sido de interesse o estudo dos padrões dermatoscópicos do granuloma piogênico de modo a auxiliar no diagnóstico diferencial com o melanoma amelanótico.3

A dermatoscopia deve ser realizada sem pressão, para não comprometer a visualização vascular, podendo mostrar desde áreas vermelhas homogêneas a estruturas vasculares bem definidas, na ausência de critérios para lesões melanocíticas.3,5,8 As características principais são áreas vermelhas homogêneas observadas em mais de 90% dos casos, colarete branco (cerca de 80%), linhas de trilho brancas que interceptam a lesão (30 a 45%), ulceração (46%) e estruturas vasculares (45%).1-6,8 Nenhuma característica isolada se mostrou 100% específica.3 Por isso, recentemente Zaballos et al., através das observações dos achados dermatoscópicos nos granulomas piogênicos, definiram sete padrões dermatoscópicos para essas lesões.1-3 De acordo com a combinação dessas características presentes na lesão os padrões são1-3 (Figura 8):

P1: área vermelha homogênea + colarete branco
P2: área vermelha homogênea + linhas de trilho brancas
P3: área vermelha homogênea + estruturas vasculares
P4: área vermelha homogênea + linhas de trilho brancas + colarete branco
P5: área vermelha homogênea + colarete branco + estruturas vasculares
P6: área vermelha homogênea + linhas de trilho brancas + estruturas vasculares
P7: área vermelha homogênea + colarete branco + linhas de trilho brancas + estruturas vasculares.

Os pacientes documentados neste artigo apresentavam várias lesões agrupadas em um mesmo segmento corporal. O que se pode observar nesses casos é a presença de uma combinação dos padrões acima descritos, devido à presença das várias lesões cada qual com um determinado padrão.

A área vermelha homogênea corresponde à área sem estrutura, cuja cor varia do vermelho ao vermelhoesbranquiçado. É atribuída à presença de numerosos e pequenos capilares ou vasos proliferativos dispostos num estroma mixoide.3,5 É bastante frequente nos granulomas piogênicos, mas não é achado específico isoladamente, pois é comum também nos melanomas amelanóticos.

O colarete branco corresponde, na histopatologia, ao epitélio hiperplásico anexo que abraça total ou parcialmente a lesão na periferia.3,5 É a estrutura mais específica dos granulomas piogênicos. As linhas de trilho brancas correspondem a septos fibrosos que rodeiam os tufos ou lóbulos capilares nas lesões mais antigas.3,5 Pode-se notar em uma das lesões da paciente 1, na qual foi realizada tanto a dermatoscopia convencional como com luz polarizada, que as linhas de trilho brancas se tornaram mais evidentes com o uso da polarização (Figuras 4B e 4C).

Quanto aos vasos que podem ser encontrados, foram descritos em ponto, lineares irregulares, polimórficos/atípicos, telangiectasias e em grampo. Nos casos deste artigo os vasos estavam pouco evidentes, não constituindo achado relevante, apesar da exuberância das lesões.

Ulceração mostrou-se comum a muitas outras lesões de pele e não foi incluída nos critérios.

No trabalho de Zaballos et al. o padrão mais associado ao granuloma piogênico foi o P4; 52% dos granulomas piogênicos apresentaram um dos três padrões: P1, P4 e P7, não tendo nenhum melanoma amelanótico apresentado qualquer um deles.3

Além de vasos atípicos, outros achados também foram encontrados em alguns casos de granuloma piogênico, como véu branco-azulado, blotch e crostas hemáticas, características comuns aos melanomas. Por essa razão, ou seja, a possibilidade de simular um melanoma amelanótico nodular, são mandatórios a excisão cirúrgica e o exame anatomopatológico dos granulomas piogênicos.1-3,6,7

Recentemente, com a advento de novas tecnologias, como a microscopia confocal, avanços no diagnóstico diferencial têm surgido. Com esse recurso é possível avaliar a vascularização quanto à dilatação, elongação, tortuosidade, velocidade de fluxo e neovascularização.Além do que, nos granulomas piogênicos não são visualizadas células pagetoides e melanócitos atípicos. Estudos ainda são preliminares, mas parece haver boa correlação histopatológica.9

Devido à diversidade de apresentações clínicas das lesões tumorais benignas como o granuloma piogênico, estudos de imagem unindo a dermatoscopia e a microscopia confocal, especialmente nos casos atípicos, poderão ser úteis para a definição das características desses tumores e sua correlação histopatológica.

 

Referências

1. Zaballos P, Llambrich Á, Cuéllar F, Puig S, Malvehy J. Dermoscopic findings in pyogenic granuloma. Br J Dermatol. 2006;154(6):1108-11.

2. Zaballos P, Rodero J, Serrano P, Cuellar F, Guionnet N, Vives JM. Pyogenic granuloma clinically and dermoscopically mimicking pigmented melanoma. Dermatol Online J. 2009;15(10):10.

3. Zaballos P, Carulla M, Ozdemir F, Zalaudek I, Bañuls J, Llambrich Á, et al. Dermoscopy of pyogenic granuloma: a morphological study. Br J Dermatol. 2010;163(6):1229-37.

4. Junck M, Huerter CJ, Sarma DP. Unknown: Rapidly growing hemorrhagic papule on the cheek of a 54-year-old man. Dermatol Online J. 2011;17(1):11.

5. Zaballos P, Salsench E, Puig S, Malvehy J. Dermoscopy of Pyogenic Granulomas. Arch Dermatol. 2007;143(6):824.

6. Zalaudek I, Kreusch J, Giacomel J, Ferrara G, Catricalà C, Argenziano G. How to diagnose non pigmented skin tumors: a review of vascular structures seen with dermoscopy. Part II: Nonmelanocytic skin tumors. J Am Acad Dermatol. 2010;63(3):377-86.

7. Zalaudek I, Argenziano G, Kerl H, Soyer HP, Hofmann-Wellenhof R. Amelanotic/Hypomelanotic Melanoma - Is Dermatoscopy Useful for Diagnosis?. J Dtsch Dermatol Ges. 2003;1(8):369-73.

8. Oiso N, Kawada A. Dermoscopy of pyogenic granuloma on the lip: the differing appearances of vascular structures with and without pressure. Eur J Dermatol. 2011;21(3):441.

9. Astner S, González S, Cuevas J, Röwert-Huber J, Sterry W, Stockfleth E, et al. Preliminary Evaluation of Benign Vascular Lesions Using in Vivo Reflectance Confocal Microscopy. Dermatol Surg. 2010;36(7):1099-1110.


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