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Relato de casos

Fechamento cirúrgico tardio (segunda intenção) pela técnica de Figueiredo: estudo de série de casos

Larissa Helena Marques Carrai; Evelyn Freitas Rodrigues; Thais Feres Moreira Lima; Maria da Glória Martin Sasseron; Antonio Gomes-Neto

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2022150212

Data de submissão: 04/01/2023
Decisão Final: 07/03/2023


Fonte de financiamento: Nenhuma.
Conflito de interesses: Nenhum.
Como citar este artigo:
Carrai LHM, Rodrigues EF, Lima TFM, Sasseron MGM, Gomes Neto A.
Fechamento cirúrgico tardio (segunda intenção) pela técnica de Figueiredo: estudo de série de casos. Surg Cosmet Dermatol. 2023;15:e20230212.


Abstract

As feridas operatórias quando não são passíveis de fechamento primário podem ser tratadas com uso de retalhos ou enxertos, o que aumenta a complexidade e o custo da cirurgia. Buscando facilitar e otimizar o acesso ao tratamento cirúrgico das neoplasias malignas da pele, o curativo pela técnica de Figueiredo mostra-se uma boa opção terapêutica devido à facilidade de execução, à reprodutibilidade, ao baixo custo e à sua eficácia. O presente estudo relata uma série de casos utilizando essa técnica após exérese de tumores de pele não melanoma em extremidades.


Keywords: Técnicas de fechamento de ferimentos; Oncologia cirúrgica; Neoplasias cutâneas; Extremidades


INTRODUÇÃO

A procura por técnicas de fechamento de grandes defeitos na pele é um desafio para os cirurgiões. Em 1984, foi descrita a técnica da bolsa de Bogotá para grandes defeitos abdominais, que consiste na colocação de uma bolsa coletora de urina estéril, de baixo custo em relação a outros materiais descritos. Mostrou-se uma técnica simples e eficaz para um problema complexo.1

A técnica foi extrapolada para reparos de pontas de dedos após a publicação e descrição da técnica de Figueiredo, em 2017, para evitar deformidades devido ao não tratamento ou má condução desse tipo de lesão. Os resultados foram satisfatórios com manutenção funcional do segmento afetado.2

Nos traumas em que existiam lesões do leito ungueal, houve reparação do leito e, em seguida, a proteção do leito com uma prótese de polipropileno obtida da bolsa de soro fisiológico. Após cortar o material na forma exata da área cruenta da ferida, pontos simples foram suficientes para fixar o material na borda de pele íntegra de maneira que a prótese ficasse perfeitamente acomodada sem pressionar a ferida.2

Um enxerto de pele será contraindicado se o leito receptor não for confiável, se houver movimento repetido ou trauma nessa área ou na ferida infectada.3,4 O membro inferior é um local difícil de se enxertar devido às inevitáveis forças de cisalhamento associadas à caminhada. Isso levou à prática comum de imobilização no pós-operatório para aumentar o sucesso do enxerto. Estudos mostram que o enxerto de pele total e a imobilização com declive aumentaram as taxas de pega do enxerto.5

Frente aos dados, o emprego da técnica de Figueiredo tornou-se interessante como proposta de fechamento em defeitos extensos em extremidades na cirurgia dermatológica.

 

MÉTODOS

Os dados foram coletados no período de agosto de 2021 a maio de 2022. Os critérios de inclusão e exclusão estão descritos na tabela 1.

A exérese dos tumores foi feita com margens de 4mm para carcinomas basocelulares (CBC) e 5mm para carcinomas espinocelulares (CEC), seguindo protocolos do National Comprehensive Cancer Network - NCCN. Foi realizado o recorte em uma das faces da bolsa de soro fisiológico estéril com uma margem extra de até 5mm do defeito. Foi escolhida a face externa da bolsa para contato com a ferida e sem a impressão com tinta e feita fixação do curativo com pontos simples e fio de nylon distando de 0,5 a 1cm entre si, até a acomodação completa do curativo confortavelmente. Os pacientes foram orientados a não molhar e a não refazer o curativo externo durante os primeiros sete dias de pós-operatório. A proposta de manutenção da cobertura de polipropileno foi de seis semanas, seguindo a descrição técnica de Figueiredo.

Descrição dos casos

1 - Homem, 80 anos, apresentando placa de 2cm no dorso da mão esquerda. Realizada exérese com margem de 5mm, seguida de fechamento com curativo de polipropileno. Anatomopatológico demonstrou CEC bem diferenciado, com margens cirúrgicas livres. O paciente evoluiu sem intercorrências. Perdeu a cobertura de polipropileno no 28º dia de pós-operatório (PO), com cicatrização completa no 35º dia de PO (Figura 1).

2 - Mulher, 89 anos, com tumoração de 8cm na porção distal do braço esquerdo. Realizada exérese com margem de 5mm e fechamento com curativo de polipropileno. Anatomopatológico foi compatível com CEC bem diferenciado, margens livres. Evoluiu sem intercorrências (Figura 2).

3 - Mulher, 92 anos, com tumoração de 8cm no dorso da mão direita. Submetida à exérese com margem de 5mm e fechamento com curativo de polipropileno. Anatomopatológico foi compatível com CEC bem diferenciado, margens livres. No 20º dia de PO, devido a sinais de infecção da ferida operatória, foi instituída antibioticoterapia com amoxicilina/clavulanato 500/125mg a cada oito horas por sete dias, com boa resposta. O curativo foi removido no 48º dia de PO. Cicatrização completa da ferida operatória (FO) pôde ser observada no 120º dia de PO (Figura 3).

4 - Homem, 86 anos, com placa de 1,5cm na face posterior da perna esquerda. Biópsia incisional foi compatível com CEC bem diferenciado. Realizada exérese com margem de 5mm, seguida do fechamento pela técnica de Figueiredo. Após evolução sem intercorrências, o curativo de polipropileno foi retirado no 61º dia de PO. Cicatrização completa da FO pôde ser observada no 120º dia de PO.

5 - Mulher, 88 anos, com placa de 2,5cm na perna direita. Realizada exérese com margem de 4mm e curativo pela técnica de Figueiredo. Anatomopatológico resultou em CBC sólido expansivo, margens livres. O curativo foi retirado no 56º dia de PO, seguido de completa cicatrização verificada na avaliação com seis meses de pós-operatório (Figura 4).

6 - Mulher, 94 anos, apresentou placa de 3cm na região do calcâneo esquerdo. Realizada biópsia incisional, com histologia compatível com CBC superficial multifocal. Foram feitos exérese com margem de 4mm e fechamento com curativo de polipropileno. A paciente evoluiu sem intercorrências, e o curativo foi removido no 56º dia do PO com completa cicatrização da ferida operatória.

 

DISCUSSÃO

Os tumores cutâneos de extremidades excisados com margens adequadas podem gerar um defeito primário extenso e sem possibilidade de fechamento primário, tendo como alternativas os enxertos, retalhos ou fechamento por segunda intenção.

Nos pacientes idosos, o fechamento por enxerto pode apresentar complicações decorrentes do suprimento vascular deficitário nas extremidades, o que pode dificultar a pega do enxerto.6,7 Além disso, teríamos que fazer um segundo defeito cirúrgico para obter espessura de pele adequada para enxertia (área doadora). Retalhos são igualmente desafiadores nessas regiões: grandes defeitos necessitam de grandes rotações, geralmente de áreas adjacentes que são igualmente fotodanificadas, e longos tempos cirúrgicos. Ambas as técnicas exigem profissionais adequadamente treinados e capacitados, além de estrutura física que contemple sala cirúrgica completa, fatores que, no âmbito do sistema público de saúde brasileiro, exigem comumente longos tempos de espera até chegar em Serviço de maior complexidade.

O fechamento por segunda intenção com curativos especiais dificulta e encarece o tratamento ao paciente, onerando o serviço público na medida em que são utilizados materiais complexos e de alto custo, e exige equipe de enfermagem devidamente capacitada em curativos para realizá-los.8,9

A técnica de Figueiredo utiliza materiais simples e não exige técnica cirúrgica avançada. Utilizando-se deste recurso, a exérese de um tumor de pele pode ser realizada precocemente, sem a necessidade de um serviço de nível terciário de atenção do sistema de saúde brasileiro, o que resulta em menor custo, maior resolutividade e menor morbidade aos pacientes.

Sabemos que um dos fatores primordiais para a adequada cicatrização de feridas é a umidade adequada do leito. Acredita-se que a quantidade de água ideal favorece a quimiotaxia e a migração dos queratinócitos, levando ao fechamento da lesão.9,10 A cobertura de polipropileno utilizada na técnica de Figueiredo proporciona proteção à ferida operatória e um ambiente adequado de umidade, favorecendo o processo de cicatrização por segunda intenção.

Nesta série de casos, apenas um participante apresentou infecção de ferida operatória, conforme descrito na tabela 2. Acreditamos que essa complicação tenha ocorrido devido aos cuidados de higiene com a ferida operatória. Em razão do aspecto do curativo e da baixa escolaridade dos participantes, alguns deles tiveram receio de realizar essa limpeza no domicílio.

Concluímos que o fechamento de feridas operatórias com a técnica de Figueiredo traz uma nova perspectiva, sobretudo em nível de saúde pública. No que se refere ao público-alvo (idosos, com comorbidades, baixo nível socioeconômico), a técnica de Figueiredo, por ser rápida, de fácil acesso e de manejo pós-operatório simples, é uma boa opção, gerando menor morbidade aos pacientes.

 

REFERÊNCIAS:

1. Neto JRT, Barreto AP, Prodente ACL, Santos AM, Santiago RR. Uso da peritoneostomia na sepse abdominal. Rev Bras Coloproct. 2007;27(3):278-83.

2. Figueiredo LA, Ribeiro RS, Melo ALB, Lima AL, Terra BB, Ventim FC. Uso da prótese de polipropileno para o tratamento das lesões em ponta de dedo. Descrição de técnica cirúrgica e resultados. Rev Bras Ortop. 2017;52(6):685–92.

3. Hallock GG, Morris SF. Skin grafts and local flaps. Plast Reconstr Surg. 2011;127(1):5e-22e.

4. Sanniec K, Nguyen T, van Asten S, Fontaine J, Lavery LA. Split-thickness skin grafts to the foot and ankle of diabetic patients. J Am Podiatr Med Assoc. 2017;107(5):365-8.

5. Struk S, Correia N, Guenane Y, Revol M, Cristofari S. Full-thickness skin grafts for lower leg defects coverage: interest of postoperative immobilization. Ann Chir Plast Esthet. 2018;63(3):229-33.

6. Saliba-Jr OA, Giannini M, Rollo HA. Métodos de diagnóstico não-invasivos para avaliação da insuficiência venosa dos membros inferiores. J Vasc Bras. 2007;6(3):267-76.

7. Haddad-Filho D, Siervo JV, Nascimento JB, da Silva EL, Vieites L. Alternativas de retalhos cutâneos para lesões dermatológicas na perna. Surg Cosmet Dermatol. 2017;9(3):247-51.

8. Abbade LPF, Frade MAC, Pegas JRP, Dadalti-Granja P, Garcia LC, Bueno Filho R, et al. Consensus on the diagnosis and management of chronic leg ulcers - Brazilian Society of Dermatology. An Bras Dermatol. 2020;95(Suppl 1):1-18.

9. Malagutti W, Kakihara CT. Curativos, estomias e dermatologia: uma abordagem multiprofissional. São Paulo: Martinari; 2014.

10. Madden MR, Nolan E, Finkelstein JL, Yurt RW, Smeland J, Goodwin CW, et al. Comparison of an occlusive and a semi-occlusive dressing and the effect of the wound exudate upon keratinocyte proliferation. J Trauma. 1989;29(7):924-30.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Larissa Helena Marques Carrai 0000-0002-3851-4344
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Evelyn Freitas Rodrigues 0000-0002-7540-2448
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Thais Feres Moreira Lima 0000-0002-3170-9034
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Maria da Glória Martin Sasseron 0000-0002-9106-4231
Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Antonio Gomes-Neto 0000-0003-2349-1351
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.


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