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Relato de caso

Uso da Curcuma longa associada à terapia fotodinâmica para o tratamento do Kerion Celsi

Tânia Aparecida Meneghel1; Daniella De Grande Curi2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2023150184

Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Como citar este artigo: Meneghel TA, Curi DG. Uso da Curcuma longa associada à terapia fotodinâmica para o tratamento do Kerion Celsi. Surg Cosmet Dermatol. 2023;15:e20230184.


Abstract

O Kerion Celsi é uma forma inflamatória da tinea capitis, cujo principal agente etiológico é o Microsporum canis. O tratamento padrão-ouro é a griseofulvina, porém seu uso é aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) em crianças a partir dos dois anos de idade. Apesar de rara em crianças com menos de três anos, a tinea capitis pode ocorrer, como é o caso desta criança de um ano de idade que foi submetida, com sucesso, à terapia fotodinâmica com curcumina e houve a remissão completa do quadro.


Keywords: Criança; Curcumina; Fotoquimioterapia; Tinha do couro cabeludo.


INTRODUÇÃO

As dermatofitoses acometem pele, unhas e pelos e apresentam como agentes etiológicos os três gêneros principais de fungos: Microsporum, Trichophyton e Epidermophyton. O Microsporum canis tem sido relatado como o principal agente da tinea capitis, nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. A infecção é adquirida pelo contato direto, com animais ou com pessoa contaminada, ou indireto, por meio de objetos ou contato com locais em que os esporos dos fungos tenham sido depositados.1

As características da lesão e a intensidade do acometimento dependem da interação entre o hospedeiro acometido e o agente etiológico. As lesões exuberantes, mais inflamadas, são relacionadas comumente às espécies zoofílicas. O Kerion Celsi é uma manifestação grave da tinea capitis, resultante de uma intensa resposta imune à infecção causada pelo fungo.2

Clinicamente, a tinea capitis apresenta-se com placa eritêmato-descamativa, com cabelos tonsurados (fraturados) e, na dermatoscopia, há presença de cabelos em vírgula e em saca-rolha. Nos casos mais graves de Kerion Celsi, uma placa de alopecia, com pústulas e adenopatia periférica, pode ocorrer.3

O tratamento de eleição da tinea capitis é o tratamento sistêmico, sendo a griseofulvina o medicamento de eleição, principalmente quando o agente etiológico é o Microsporum canis.2

A curcumina, principal composto ativo do açafrão, é um curcuminoide extraído dos rizomas da C. longa. Vários dados na literatura indicam uma grande variedade de atividades farmacológicas para C. longa, comprovando atividades anti-inflamatória, antiviral, bactericida, antioxidante, fungicida, anticarcinogênica, entre outras.4 Compostos fenólicos, como os curcuminoides, inibem a produção de espécies reativas de oxigênio (ROS), protegendo o organismo de danos ocasionados pelo estresse oxidativo. Compostos de C. longa também podem interferir em outros processos celulares diferentes, tais como a ativação da apoptose, inibição da agregação de plaquetas, inibição da produção de citocinas inflamatórias e inibição de ciclo-oxigenase (COX).5

A curcumina pode ser utilizada na forma de óleo ou pomadas e tem sido descrita no tratamento de onicomicose e úlceras infectadas.

O objetivo deste relato é demonstrar um método inovador para tratamento da tinea capitis na forma mais grave - Kerion Celsi -, sem uso de antimicóticos orais e sem complicações sistêmicas.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, oito meses de idade. Há seis meses, apresentava placa eritêmato-descamativa no couro cabeludo. Os pais referiam que a criança teve contato com um gato.

Ao exame clínico, apresentava placa de alopecia eritêmato-infiltrada e com pústulas (Figura 1). Houve crescimento do Microsporum canis na cultura para fungos.

A paciente foi inicialmente tratada em outro Serviço com xampu de cetoconazol, creme com nitrato de isoconazol (Icaden®) e associação de nitrato de isoconazol ao valerato de diflucortolona (Icacort®) creme, porém houve piora do quadro. Quando sugerido o uso de antifúngico oral, os pais resolveram procurar por uma segunda opinião, pois a criança tinha o peso de apenas 8kg e preferiram tentar tratamento tópico.

Foi realizada a aplicação de curcumina a 20% em óleo de melaleuca e de cravo em proporções iguais.

Aplicou-se a solução no local e realizada a oclusão com papel alumínio por 10 minutos com posterior exposição ao LED azul por 10 minutos.

Para a terapia fotodinâmica foi utilizado o equipamento Multiwaves (Empresa Indústria/São Carlos) com o LED azul, de intensidade de luz do diodo de 9.0mW/cm2 e com energia de 5.40J/cm2.

Foram realizadas no total 36 sessões durante quatro meses de acordo com o seguinte esquema: primeira semana, três sessões; segunda semana, quatro sessões; e, a partir da terceira semana, cinco sessões. Após cinco semanas, houve melhora evidente, passando-se então a realizar a terapia uma a duas vezes por semana, até se completarem 30 sessões (três meses de tratamento). Após a cura, mais seis sessões foram realizadas por mais um mês para evitar recidiva e, nos últimos dois meses, foi associada a anfotericina B tópica uma vez ao dia, com resolução completa do quadro (Figura 2).

 

DISCUSSÃO

A tinea capitis acomete comumente crianças entre três a sete anos, sendo rara após a puberdade ou em crianças com menos de um ano de idade.6

O tratamento de escolha das infecções causadas por Microsporum spp é a griseofulvina, administrada por seis a 12 semanas, aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) para crianças com mais de dois anos de idade. O tratamento tópico deve ser realizado concomitantemente ao oral, como o cetoconazol a 2% e xampu de ciclopirox olamina, até a cura micológica.7 A terbinafina pode ser usada, mas parece ser menos efetiva nos casos de infecção por M. canis.3

Apesar de Gilaberte e colaboradores6 descreverem o uso da griseofulvina, sem intercorrências, para o tratamento de tinea capitis em seis crianças com menos de um ano de idade, porem existe um certo receio em utilizar medicações sistêmicas em crianças nesta faixa etária, fazendo-se necessária a pesquisa de tratamentos alternativos, já que o não tratamento pode levar à alopecia definitiva.

Alguns estudos relataram a terapia fotodinâmica (TFD) como opção terapêutica. O mecanismo de ação se dá pela ativação de um agente fotossensibilizante por meio de uma luz, resultando na geração de espécies reativas de oxigênio com consequente dano aos componentes celulares.7,8

Brasch e colaboradores demonstraram em 2018 que a associação da curcumina à exposição à luz visível foi capaz de inibir o crescimento de dermatófitos in vitro.9 Moghadamtousi e colaboradores também relataram o efeito antifúngico da curcumina sobre os dermatófitos.10

Não existem estudos in vivo sobre a aplicação da curcumina para o tratamento da tinea capitis, tornando nosso relato importante para o desenvolvimento de pesquisas com o uso desta substância.

 

CONCLUSÃO

O resultado da terapia fotodinâmica usando curcumina 20% em óleo de cravo e melaleuca é muito promissor nos casos de tinea capitis, notadamente sobre a forma mais grave de Kerion Celsi, doença que até o momento tem como padrão-ouro o uso de antimicóticos orais. Entretanto, mais estudossobre a sua aplicação são necessários, além da padronização de concentrações e protocolos.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Tânia Aparecida Meneghel 000-003-4670-9800
Obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica decasos estudados.

Daniella de Grande Curi 000-002-3179-0485
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS:

1. Silva CS, Neufeld PM, Gouvêa H, Abreu PA. Etiologia e epidemiologia da tinea capitis: relato de série de casos e revisão da literatura. Rev Bras Anal Clin. 2019;51(1):9-16.

2. John AM, Schwartz RA, Janniger CK. The kerion: an angry tinea capitis. Int J Dermatol. 2018;57(1):3-9.

3. Hay RJ. Tinea capitis: current status. Mycopathologia. 2017;182(1-2):87-93.

4. Araújo CC, Leon LL. Biological activities of Curcuma longa L. Me. Inst Oswaldo Cruz. 2001;96(5):723-8.

5. Balasubramanyam M, Koteswari AA, Kumar RS, Monickaraj SF, Maheswari JU, Mohan V. Curcumin-induced inhibition of cellular reactive oxygen species generation: novel therapeutic implications. J Biosci. 2003;28(6):715-21.

6. Gilaberte Y, Rezusta A, Gil J, Sáenz-Santamaría MC, Coscojuela C, Navarro M, et al. Tinea capitis in infants in their first year of life. Br J Dermatol. 2004;151(4):886-90.

7. Lee Y, Baron ED. Photodynamic therapy: current evidence and applications in dermatology. Semin Cutan Med Surg. 2011;30(4):199-209.

8. Wu MF, Lv T, Wang HW. Successful photodynamic therapy of tinea capitis child with liver dysfunction caused by oral antifungal drugs: a case report. Photodiagnosis Photodyn Ther. 2020;30:101745.

9. Brasch J, Beck-Jendroschek V, Mahn V. Photochemical inhibition of Trichophyton rubrum by different compoundings of curcumin. Mycoses. 2018;61(6):393-9.

10. Moghadamtousi SZ, Kadir HA, Hassandarvish P, Tajik H, Abubakar S, Zandi K. A review on antibacterial, antiviral, and antifungal activity of curcumin. Biomed Res Int. 2014;2014:186864.


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