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Relato de caso

Hamartoma folicular basaloide

Luana Amaral de Moura; Paulo Sergio Emerich Nogueira; Elton Almeida Lucas; Lucia Martins Diniz; Emilly Neves Souza

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2022140152

Data de submissão: 27/05/2022
Decisão Final: 20/06/2022


Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Como citar este artigo: Moura LA, Nogueira PSE, Lucas EA, Diniz LM, Souza EN. Hamartoma folicular basaloide. Surg Cosmet Dermatol. 2022;14:e20220152


Abstract

O hamartoma folicular basaloide (HFB) é um tumor anexial raro e benigno, que se assemelha ao carcinoma basocelular (CBC), e pode apresentar manifestações clínicas diversas. Uma mutação no gene PTCH, envolvido na síndrome de Gorlin-Goltz, poderia estar associada à patogênese dessa neoplasia. Descreve-se caso de menina, sete anos, apresentando múltiplas pápulas na face.


Keywords: Hamartoma; Carcinoma basocelular; Genes supressores de tumor.


INTRODUÇÃO

O hamartoma folicular basaloide (HFB) é um tumor benigno raro dos folículos pilosos, cujas características histopatológicas podem simular um carcinoma basocelular (CBC).1,2 Ele pode ser hereditário ou adquirido e localizado ou generalizado. As formas hereditárias generalizadas geralmente estão associadas a manifestações sistêmicas, que variam de acordo com o subtipo.1,3

 

RELATO DO CASO

Paciente de sete anos, sexo feminino, previamente hígida, apresentava pápulas na região central da face há cerca de um ano, sem sintomas associados. Não havia história familiar relevante. Ao exame, pápulas discretamente hipocrômicas no dorso nasal e nas regiões malares (Figura 1), sem outras lesões cutâneas. As hipóteses diagnósticas foram de mílio, hiperplasias sebáceas e siringomas. Foi realizada biópsia incisional, cujo histopatológico evidenciou células basaloides formando cordões anastomosados e distribuição em paliçada, sendo sugerido inicialmente o diagnóstico de carcinoma basocelular nodular (Figura 2). Optou-se por revisão de anatomopatológico e realização de imuno-histoquímica, que apresentou Bcl-2 positivo nas células tumorais mais externas, CD-10 positivo nas células do estroma circunjacente, índice Ki-67 (atividade proliferativa) de 20% e CD-34 negativo (Figura 3). Estabeleceu-se, assim, o diagnóstico de hamartoma folicular basaloide. A paciente iniciou investigação aprofundada para descartar síndromes associadas.

 

DISCUSSÃO

Embora a patogênese do HFB seja desconhecida, acredita-se que uma mutação no gene PTCH (protein patched homolog), que codifica um receptor envolvido na via de sinalização Sonic hedgehog–Patched–Gli (Shh-Ptch-Gli), poderia contribuir para a formação do tumor. Essa anormalidade promoveria uma função regulatória inadequada, com sinalização positiva constante, resultando em divisão e crescimento celular atípicos e descontrolados.3-5

As manifestações clínicas são variadas, mas a maioria dos casos de HFB apresenta-se com uma ou múltiplas pápulas de 1 a 2mm de coloração normocrômica a acastanhada na face, couro cabeludo, pescoço, axila, tronco e região pubiana.1,5 No caso descrito, as lesões eram discretamente hipopigmentadas, múltiplas e bilaterais.

Até o momento, cinco formas clínicas foram descritas: (1) Pápulas solitárias ou múltiplas, como no relato; (2) Pápula ou placa localizada linear ou unilateral; (3) Placa localizada com alopecia; (4) Tipo familiar autossômico dominante, generalizado, sem doenças associadas; e (5) Pápulas generalizadas associadas à miastenia gravis, alopecia, lúpus eritematoso sistêmico, hipotricose e fibrose cística.2,3,5

Recentemente, um estudo retrospectivo conduzido no hospital universitário de Estrasburgo, na França, com avaliação de 17 casos de HFB diagnosticados entre 1998 e 2017, descreveu maior incidência da forma solitária, caracteristicamente confundida com o carcinoma basocelular. Também foi reportado que a forma linear unilateral frequentemente segue as linhas de Blaschko, refletindo o mosaicismo cutâneo. Essa variante clínica pode estar relacionada a anormalidades cerebrais, ósseas e dentárias ipsilaterais. Ela também pode estar associada à síndrome de Happle-Tinschert.4

A despeito da variabilidade das manifestações do HFB, o aspecto histopatológico é notavelmente constante. Há cordões e extensões de células epiteliais basaloides ramificadas, dispostos verticalmente na derme superficial e média, a maioria em conexão com a epiderme e com os folículos pilosos, assim como no caso relatado. Quando está presente a organização em paliçada, ela é muito menos marcada do que a do CBC. Por definição, atipia celular e mitoses são ausentes ou muito raras. O acometimento folicular é marcado pelo arranjo vertical que substitui o folículo normal, presença de lesão com periferia basofílica e centro eosinofílico e estroma rico em mucina.1,4

A imuno-histoquímica não é específica, mas pode auxiliar no diagnóstico. No estroma, há positividade para CD-34 e CD-10 (que também cora células matriciais). As células tumorais apresentam imunorreação para Bcl-2 restrita a poucas células da periferia das ilhas, como no relato. O index Ki-67 é baixo. O PCNA é pouco proeminente e o PTCH mRNA é superexpressado nas células em contato direto com a derme, enquanto o CD-10 das células tumorais é negativo.2

O principal diagnóstico diferencial do HFB localizado é o carcinoma basocelular, especialmente o infundíbulo cístico. Ao contrário do que ocorre no HFB, a imuno-histoquímica do CBC apresenta CD-34 negativo no estroma, Bcl-2 difusamente positivo, PCNA muito proeminente, PTCH mRNA difusamente superexpressado e CD-10 positivo, com alto índex Ki-67.1,2 Nos casos de lesões múltiplas localizadas, como no presente relato, outras hipóteses seriam tumores anexiais, tricoepiteliomas, hiperplasias sebáceas, siringomas e nevos sebáceos.

O potencial de malignização do HFB é incerto, embora tenha sido documentada a transformação para CBC. Dos 10 casos de transição relatados, oito eram da variante linear ou unilateral localizada.2 Acredita-se que o crescimento rápido ou a alteração no aspecto clínico das lesões poderia alertar quanto ao desenvolvimento de CBC.2-4 A exérese profilática não está recomendada, especialmente nas apresentações múltiplas.4

Ainda não há algoritmo estabelecido para o tratamento do HFB. As opções descritas na literatura incluem excisão cirúrgica, crioterapia, laser de CO2, terapia fotodinâmica e imiquimode. Considerando a idade da paciente relatada e a existência de múltiplas lesões na face, optou-se pela conduta expectante, com seguimento clínico regular. Acredita-se que o vismodegib, um inibidor da via de sinalização hedgehog, poderá auxiliar no tratamento de quadros graves no futuro. O uso de ácido 5-aminolevulínico (5-ALA) associado à terapia fotodinâmica tem se mostrado seguro, sendo possível terapêutica para crianças com múltiplas lesões.1-5

O prognóstico do hamartoma folicular basaloide é excelente, com exceção notável para os casos associados ao desenvolvimento de CBC ou desordens sistêmicas.3

 

CONCLUSÃO

O hamartoma folicular basaloide é uma neoplasia benigna rara, facilmente confundida, clínica e histopatologicamente, com o CBC. Apresentamos caso de criança de sete anos, com múltiplas pápulas nas regiões malares e no dorso nasal, cujo anatomopatológico inicial sugeria CBC. É importante considerar o HFB na vigência de lesões múltiplas inespecíficas na faixa etária pediátrica, em crianças hígidas. Neste caso, as revisões do estudo histopatológico e a imuno-histoquímica foram essenciais para o diagnóstico.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Luana Amaral de Moura 0000-0002-3697-0186
Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Paulo Sergio Emerich Nogueira 0000-0003-1528-1100
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.

Elton Almeida Lucas 0000-0002-6524-2030
Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

Lucia Martins Diniz 0000-0001-8107-8878
Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Emilly Neves Souza 0000-0003-1151-8537
Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS:

1. Edelman S, Huamani ANT, Centeno MDV, Cervini AB. Basaloid follicular hamartoma associated with follicular mucinosis and inflammation. An Bras Dermatol. 2022;97(1):45-8.

2. Jain S, Khopkar U, Sakhiya J. Localized unilateral basaloid follicular hamartoma along Blaschko's lines on face. Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2019;85(1):60-4.

3. Cerejeira A, Gomes N, Pacheco J, Pedrosa A, Baudrier T, Azevedo F. Familial multiple basaloid follicular hamartoma. Dermatol Online J. 2021;27(6):1-4.

4. Hazemann G, Michel C, Mahé A, Lipsker D, Cribier B. Hamartome folliculaire basaloïde: étude anatomoclinique [Histopathological study of basaloid follicular hamartoma]. Ann Dermatol Venereol. 2019;146(3):181-91.

5. Segars K, Cooper H, Hogan DJ, Miller R, Heaphy M Jr, Spencer J. Basaloid follicular hamartoma: a case report and a novel cosmetic treatment. J Clin Aesthet Dermatol. 2018;11(3):39-41.


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