1960
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Relato de caso

Retalho de transposição da pálpebra superior para reconstrução de defeito na pálpebra inferior: relato de caso

Rogerio Nabor Kondo; Betina Samesima e Singh; Victória Prudêncio Ferreira; Milene Cripa Pizzato de Araújo

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2022140156

Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Como citar este artigo: Kondo RN, Singh BS, Ferreira VP, Araújo MCP. Retalho de transposição da pálpebra superior para reconstrução de defeito em pálpebra inferior: relato de caso. Surg Cosmet Dermatol. 2022;14:e20220156.


Abstract

O carcinoma espinocelular (CEC) é o segundo câncer de pele mais comum. Quando localizado na região palpebral inferior, a reconstrução do defeito resultante pode se tornar um desafio para o cirurgião dermatológico devido à peculiaridade cosmética e funcional local. Relatamos a utilização de retalho de transposição da pálpebra superior para reconstrução palpebral inferior com resultado satisfatório, tanto pela estética, quanto pela funcionalidade resultante.


Keywords: Carcinoma de células escamosas; Retalhos cirúrgicos; Pálpebras; Neoplasias palpebrais


INTRODUÇÃO

O carcinoma espinocelular (CEC) é o segundo tipo mais comum de câncer da pele.1 Dependendo do tamanho e da localização, a excisão completa desse tipo de tumor requer a confecção de retalho para o fechamento do defeito resultante.1,2 Reconstruções na região palpebral inferior se tornam mais desafiadoras para o cirurgião dermatológico devido às características locais como aspectos estéticos e funcionais.3

O retalho de transposição (RT) é uma das possibilidades para fechamentos de lesões cutâneas maiores em que se transfere parte de pele adjacente para preencher um defeito próximo com pouca frouxidão de pele, devendo-se analisar previamente com cuidado o redirecionamento dos vetores de tensão resultante para não gerar deformidades anatômicas locais.4

Reportamos o caso de um paciente onde foi aplicado, para reconstrução de defeito palpebral inferior, o RT modificado de sua técnica original, utilizando um segmento de retalho na forma triangular e mais longo ao invés de retangular, curto e levemente arredondado na extremidade distal. O objetivo deste relato de caso é exemplificar e demonstrar uma opção da técnica para corrigir defeitos na pálpebra ínfero-lateral, de fácil execução, em único tempo cirúrgico e com resultado estético satisfatório.

 

MÉTODO

Foi tratado um paciente do sexo masculino, 52 anos, cor branca, com uma placa de 16 milímetros (mm), ulcerada, na região infra-ocular direita/canto externo (palpebral ínfero-lateral à direita). O exame histopatológico confirmou CEC. Foi realizada a excisão da lesão com margens de segurança de 4 mm. O defeito resultante possuía 24 mm no maior eixo, optando-se pela RT da região palpebral superior (Figuras 1, 2 e 3).

Descrição da Técnica:

• Paciente em decúbito dorsal horizontal;

• Marcação com azul de metileno ou caneta cirúrgica da lesão com margem de 4 mm e locais de incisão do retalho. A marcação do retalho se inicia no canto externo da região orbitária, 2 mm abaixo da cauda da sobrancelha, estendendo-se medialmente por 30 mm (próximo ao canto interno) e terminando a 4 mm abaixo da sobrancelha, retornando com a marcação da incisão até o encontro da porção superior do defeito. A distância da incisão inferior do retalho até a borda supraciliar deve se manter acima de 8 mm (Figura 1A, 2A e 2B).

• Antissepsia com polivinil-iodina 10% tópico;

• Colocação de campos cirúrgicos:

• Anestesia infiltrativa com lidocaína 2% com vasoconstritor;

• Incisão com lâmina 15 da lesão e exérese em bloco da peça até o subcutâneo;

• Hemostasia;

• Incisão do retalho, iniciando no canto externo da região orbitária, na pálpebra superior, abaixo da cauda da sobrancelha, estendendo-se medialmente até próximo ao canto interno e retornando com incisão até o encontro da porção superior do defeito (Figura 2A);

• Descolamento do retalho ao nível do subcutâneo (Figura 2B);

• Movimento de transposição do retalho da porção palpebral superior para o defeito na região palpebral inferior (Figura 2C);

• Retirada do excesso distal do retalho. Fixação do RT sobre o defeito e fechamento da área doadora com suturas com mononylon 6.0, pontos simples. (Figuras 3A e 3B);

• Limpeza local com soro fisiológico;

• Curativo oclusivo.

 

RESULTADOS

Paciente evoluiu sem intercorrências nos primeiros dias de pós-operatório (Figura 3C). Houve boa cicatrização e acomodação, com resultado estético satisfatório no pós-operatório tardio (Figuras 4A e 4B).

 

DISCUSSÃO

As pálpebras superiores e inferiores são estruturas complexas e têm funções específicas como a proteção do globo ocular contra trauma, anteparo para luz excessiva e execução de movimentos de lágrimas em direção ao sistema de drenagem lacrimal, além de determinar a beleza e a expressão dos olhos. Por isso, reconstruções nesses locais representam um grande desafio para os cirurgiões dermatológicos, principalmente quando o fechamento primário não é possível.3

Retalhos podem ser utilizados na reconstrução palpebral inferior. O RT apresenta uma configuração linear, ao contrário dos retalhos de rotação que apresentam uma configuração curvilínea. Utiliza-se um segmento retangular, romboidal ou triangular de pele e tecido subcutâneo que se projeta lateralmente sobre um eixo até alcançar o defeito que está próximo ou ao lado.4

RT da pálpebra superior para a inferior foi primeiramente descrito por William Horner em 1837. Mais tarde, em 1854, Denonvilliers utilizou a técnica para corrigir ectrópio cicatricial da pálpebra inferior. Porém, foi o aluno de Denonvilliers, Cazelles, em 1860, que consagrou a técnica por publicar vários desenhos em sua tese de doutorado (Figura 5). Atualmente, alguns autores chamam de transposição de Fricke, mas erroneamente, já que essa técnica utiliza um retalho monopediculado da região temporal ou frontal e não da pálpebra superior, como no caso em questão.5

Os presentes autores sugerem que o retalho se inicie no canto externo da região orbitária, 2 mm abaixo da cauda da sobrancelha, como originalmente indicado por Horner/Cazelles (Figura 5). Porém, propõem que se estenda um pouco mais, até próximo ao canto interno, a 4 mm abaixo da sobrancelha, retornando com a incisão até o encontro da porção superior do defeito. Aconselhamos manter uma distância da incisão inferior do retalho até a borda supraciliar acima de 8 mm para evitar a lagoftalmia (Figura 2A). O segmento resultante, na forma triangular e mais longo, facilita o fechamento primário da área doadora (Figuras 1A, 2A e 2B).

Com a técnica modificada de Horner/Cazelles (Figuras 2 e 5), utilizando segmento triangular mais longo e incisão inferior do retalho com distância superior a 8 mm da borda supraciliar, a cicatriz da pálpebra superior ficará escondida no sulco orbitário palpebral superior, conforme mostra os locais de sutura e a cicatrização final (Figuras 3C e 4A). Com a distribuição de linhas de tensões, a força resultante será lateral ao defeito e não no sentido caudal, o que evitará o ectrópio (Figuras 4A e 4B).

Apesar do conhecimento e da utilização do RT para defeito palpebral inferior por muitos cirurgiões dermatológicos, ainda há poucos casos reportados na literatura. Os presentes autores consideram esse tipo de procedimento uma boa opção cirúrgica, como no caso relatado.

 

CONCLUSÃO

A utilização do RT pode ser boa opção para resolução de defeitos nas regiões da pálpebra inferior-lateral, tendo em vista que resolve em único tempo cirúrgico, com boa cosmética e funcionalidade.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Rogerio Nabor Kondo 0000-0003-1848-3314
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; coleta, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação de pesquisa; participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Betina Samesima e Singh 0000-0002-6055-0341
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

Victória Prudêncio Ferreira 0000-0001-9642-5940
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; coleta, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.

Milene Cripa Pizzato de Araújo 0000-0001-8749-2586
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

 

REFERÊNCIAS:

1. Gheno V, Kondo RN, Lena CP. Carcinoma espinocelular do lábio inferior: dois casos de reconstrução bilateral com retalho de Gilles associado à zetaplastia. Surg Cosmet Dermatol. 2020;12(2):182-6.

2. Pontello Junior R, Kondo RN, Pontello R. A utilização de retalho A-T para reconstrução de ferida operatória no dorso da mão. Surg Cosmet Dermatol. 2013;5(3):270-2.

3. Subramanian N. Reconstructions of eyelid defects. Indian J Plast Surg 2011;44(1):5-13.

4. Brodland DG. Flaps. In: Bolognia JL, Jorizzo JL, Rapini RP, editors. Dermatology. 4th ed. New York: Elsevier; 2018. p.2496-516.

5. Andrade A, Freitas R. Corrigindo erros históricos na reconstrução de pálpebra inferior. Bras Jour Plast Surg. 2017;32(4):594-98.


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