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Relato de caso

Retalho de avanço formato A-T para reconstrução malar

Thais Florence Duarte Nogueira; Mariana Reis e Rocha Dultra; Mariana de Freitas Valente; Glaucio Farina

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2022140112

Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Como citar este artigo: Nogueira TFD, Dultra MRR, Valente MF, Farina G. Retalho de avanço formato A-T para reconstrução malar. Surg Cosmet Dermatol. 2022;14:e20220141.


Abstract

A região malar é a maior unidade anatômica da face. Nessa área, o tratamento cirúrgico do câncer de pele deve objetivar, além de sua erradicação completa, o melhor resultado estético-funcional possível. Paciente do sexo feminino, 69 anos, com tumoração de 3,5cm na região malar esquerda há três anos, teve evidenciado, por biópsia, carcinoma espinocelular moderadamente diferenciado. Realizaram-se exérese do tumor e reconstrução por meio do retalho A-T, em que o defeito cirúrgico correspondeu ao “A” e o encontro dos sulcos do rebordo orbital inferior, nasofacial e nasogeniano, ao teto do “T”. A paciente evoluiu sem recidiva e com excelente aspecto estético-funcional.


Keywords: Neoplasias cutâneas; Carcinoma de células escamosas; Zigoma; Retalhos cirúrgicos; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos.


INTRODUÇÃO

Atualmente, cerca de dois a três milhões de pessoas por ano são diagnosticadas com câncer de pele não melanoma.1 Além disso, há uma tendência de aumento da incidência dessa condição nas últimas décadas, decorrente do envelhecimento populacional.1,2

Dentre todas as neoplasias malignas cutâneas, estudos demonstram que 70-80% são carcinoma basocelular (CBC) e 20% são carcinoma espinocelular (CEC).3

Em relação à topografia desses cânceres de pele, as áreas do corpo humano mais acometidas são a face e o pescoço, visto que são as mais frequentemente expostas à radiação ultravioleta (RUV), fator de risco considerado mais importante.3-5 A região malar é uma das áreas mais afetadas por esses tumores na face.5

Os tratamentos atuais para câncer de pele e lesões pré-malignas incluem excisão cirúrgica, curetagem e eletrocauterização, crioterapia e irradiação, mas a excisão cirúrgica é considerada o melhor método para o tratamento do câncer e a prevenção da recidiva.2

Quando localizado na região malar, mesmo sendo a erradicação completa do tumor o primeiro objetivo, também é fundamental alcançar o melhor resultado funcional e cosmético possível.4

Sobre o aspecto funcional, a unidade anatômica malar está conectada às seguintes estruturas faciais circundantes: olho, nariz e lábio. Durante o planejamento cirúrgico, deve-se avaliar o local do defeito da região malar e as possíveis sequelas - ectrópio, apagamento do sulco nasolabial e alteração da mastigação, fonação e expressão facial - a fim de evitá-las.6

No que tange ao resultado cosmético, a região malar é complexa, visto que é a maior unidade anatômica facial e apresenta uma posição proeminente na face.6,7 Por ter um contorno plano e ligeiramente convexo, com poucas sombras ou depressões, dificulta-se a camuflagem de cicatrizes e irregularidades. Além disso, é uma área fundamental para a expressão de emoções. Sendo assim, o movimento facial dinâmico pode destacar ainda mais as sequelas cirúrgicas. Deve-se, ainda, atentar-se a simetria, contorno, cor e textura da pele no planejamento cirúrgico dessa área.7

O fato é que as neoplasias cutâneas e as cicatrizes cirúrgicas localizadas na face podem ser extremamente visíveis e causar um impacto psicossocial importante no paciente. As alterações na aparência facial, independentemente da magnitude, podem resultar em ansiedade, depressão e isolamento social.8

Para a obtenção de um bom resultado cirúrgico e para se evitarem consequências indesejáveis, a reconstrução de defeitos cirúrgicos após excisão cirúrgica do câncer de pele na região malar torna-se desafiadora. Os métodos de reconstrução cirúrgica que podem ser utilizados são: fechamento primário, enxerto cutâneo e retalhos locais e livres. A escolha de um desses métodos é baseada no tipo, no tamanho e na localização do tumor, na possibilidade de recidiva, na idade do paciente, na condição de saúde e nos fatores funcionais e cosméticos.2,9

O fechamento primário, geralmente, é uma excelente opção de reconstrução quando o defeito cirúrgico é pequeno.9,10 No entanto, a maioria dos defeitos cirúrgicos da região malar é de tamanho moderado, não passíveis de fechamento primário. Por esse motivo, os retalhos locais e os enxertos de pele são amplamente utilizados para corrigir esses defeitos. Dentre esses, os retalhos locais apresentam resultados estéticos superiores.10

Neste relato de caso, utilizamos a confecção de um retalho A-T para reconstrução de um defeito malar após exérese de carcinoma espinocelular, técnica pouco descrita na literatura para reconstrução de defeitos nessa localização.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 69 anos, caucasiana, portadora de osteoartrose, apresentou-se ao nosso Serviço com tumoração exofítica, com crosta sero-hemática, medindo 3,5cm no seu maior diâmetro, na região malar esquerda, há três anos. O anatomopatológico evidenciou carcinoma espinocelular moderadamente diferenciado, ulcerado e infiltrando-se até a hipoderme.

Dessa maneira, programou-se exérese da lesão. Tanto a procura tardia da paciente pelo Serviço de Saúde quanto o atraso da cirurgia ocorreram devido à pandemia provocada pelo Coronavírus-19. Previamente ao procedimento cirúrgico, realizaram-se a marcação da margem de segurança e a configuração do desenho do retalho de avanço A-T (Figura 1).

Após infiltração com anestesia local perilesional e na área do retalho, foi realizada a excisão do tumor com 1cm de margem de segurança, resultando num defeito cirúrgico de formato circular de 4,5cm de diâmetro. Procedeu-se à dissecção do retalho em um plano imediatamente superior ao músculo aponeurótico superficial, o que proporciona uma dissecção mais fácil, rápida e segura devido ao menor sangramento e ao menor risco de lesão neural. O retalho foi suturado com pontos simples de fio mononáilon 5.0 (Figura 2).

Após uma semana, a paciente apresentou edema e discreto hematoma periorbitário esquerdo (Figura 3), porém evoluiu com boa integração do retalho e da área receptora, com cicatrização cirúrgica satisfatória e rápida, sem deiscência de suturas ou sinais de infecção secundária. Não ocorreu ectrópio secundário.

Após um ano, a paciente apresenta-se sem sinais de recidivas do câncer de pele e com excelente aspecto estético-funcional (Figura 4).

 

DISCUSSÃO

O planejamento da reconstrução da região malar deve considerar diversos fatores: orientação das linhas de tensão da pele, linhas de distensibilidade máxima, contorno da superfície da pele, anatomia subcutânea, idade do paciente, comorbidades, cirurgia ou radiação prévia, tamanho do tumor, profundidade e localização relativa a outras subunidades faciais.7

As margens adequadas para os tumores de pele dependem do tipo de câncer, tamanho do tumor, irregularidade do tumor e o tempo decorrido desde o seu surgimento.2 Nos casos de CEC, recomenda-se excisão cirúrgica com margem de segurança radial de 4 a 6mm para os primários de baixo risco e não há consenso sobre a margem de segurança adequada para os de alto risco, sendo que algumas referências recomendam margem de segurança de 1cm.11,12 São considerados CECs de alto risco aqueles com tamanho maior que 2cm, bordas maldefinidas, extensão subcutânea, recorrência, imunossupressão, localização de alto risco ou irradiação prévia.4, 10, 11

No caso, a paciente apresentava um CEC de alto risco, visto que o tumor tinha tamanho de 3,5cm e era localizado em região malar, sítio anatômico de alto risco. Optou-se pela margem de segurança de 1cm para minimizar o risco de recidiva.

Com a margem de segurança de 1cm, estabeleceu-se um defeito cirúrgico circular de 4,5cm na região malar medial.

Os principais objetivos do fechamento ideal dos defeitos cirúrgicos na face são: fechamento de pele sob tensão mínima, substituição do tecido pelo mais semelhante possível, preservação das principais estruturas anatômicas (olho, nariz, lábio) e localização da cicatriz correspondente às unidades funcionais e estéticas da face. O ideal é proporcionar ao paciente uma reconstrução completa com cicatrizes invisíveis.12

Para o planejamento cirúrgico do defeito, é fundamental. entender a anatomia de sua localização. A região malar pode ser dividida em quatro subunidades anatômicas - medial, lateral, zigomática e bucal. Lateralmente e inferiormente, a região malar é delimitada pela linha de implantação capilar na região temporal, prega pré-auricular e borda inferior da mandíbula. Superior e medialmente, as subunidades faciais centrais marcam seus limites por meio da pálpebra inferior, dorso e asa nasal, sulco nasogeniano, lábio e comissura labial. Para camuflar as cicatrizes cirúrgicas, qualquer fechamento ou margens do retalho devem ser projetados ao longo desses limites anatômicos ou paralelos às linhas de tensão da pele relaxada.7

Um outro método que poderia ser utilizado é o enxerto. Uma vantagem dessa técnica é possibilitar a detecção de uma recidiva tumoral mais facilmente.8 Por outro lado, a incompatibilidade da cor e da textura do enxerto com a da pele adjacente ao defeito pode resultar em uma aparência de remendo.6,8 A cicatrização do enxerto também pode produzir retração capaz de causar deformidades das subunidades faciais centrais que circundam a região malar.13

Dado o contexto acima, para minimizar o dano ao tecido normal e evitar complicações como “orelhas” ou tensão excessiva, optou-se pela realização do retalho local.14 Os retalhos locais promovem melhor resultado em termos de cor, textura e espessura cutânea em relação aos enxertos.8 A escolha do retalho local depende da disponibilidade de tecido cutâneo e da localização do defeito cirúrgico. Na prática, a escolha do melhor retalho depende da preferência do cirurgião.2

Para defeitos de tamanho moderado na região malar medial, os retalhos mais descritos na literatura são os de rotação e avanço, enquanto, para os defeitos de tamanho grande nessa localização, muitos autores utilizam o retalho cervicofacial.7 Há poucos relatos da confecção do retalho A-T nessa localização.

Optou-se pela realização do retalho A-T, em que o defeito cirúrgico corresponderia ao “A” e o encontro dos sulcos do rebordo orbital inferior, nasofacial e nasogeniano, ao teto do “T”.

O retalho A-T é classificado como de avanço bilateral, de acordo com seu movimento principal em direção à área do defeito.15 É um excelente método para solucionar um defeito moderado e profundo, no qual o tecido adjacente não permite o fechamento direto.

Independentemente das habilidades do cirurgião, é importante ressaltar que a taxa de sucesso da cirurgia depende de vários fatores do paciente, como idade, estado geral de saúde, medicações em uso, tabagismo, características da pele (elasticidade, dano actínico e sebáceo, espessura cutânea), cicatrizes prévias e capacidade de cicatrização individual.12

A paciente do caso evoluiu com excelente cicatrização. A cicatriz resultante do teto do “T” ficou oculta naturalmente nos sulcos preexistentes (sulcos do rebordo infraorbitário, nasofacial e nasogeniano), e a cicatriz “A” (pilar do “T”), na bissetriz dos sulcos do rebordo infraorbitário e nasogeniano (Figura 4).

A utilização de retalho A-T pode ser boa opção para resolução de grandes defeitos secundários à exérese de tumores cutâneos na região malar. Possui as vantagens de ser realizado com anestésico local e de resolução em um único tempo cirúrgico.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Thais Florence Duarte Nogueira 0000-0002-7343-0218
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Mariana Reis e Rocha Dultra 0000-0003-0510-221X
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Mariana de Freitas Valente 0000-0002-6798-7116
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Glaucio Farina 0000-0002-2273-7033
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS:

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