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Relato de caso

Pilomatricoma granulomatoso e ulcerado em sítio cutâneo de vacinação: relato de caso

Rodrigo Scabora1; João Gabriel Rodrigues Alberti1; Carolina Scaff Haddad Bartos2; Lucia Mioko Ito1; Ayrton Roberto Pastore1; Deborah Krutman Zveibil3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2022140112

Data de submissão: 30/11/2021
Decisão Final: 20/07/2022


Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Como citar este artigo: Scabora R, Alberti JGR, Bartos CSH, Ito LM, Pastore AR, Zveibil DK. Pilomatricoma granulomatoso e ulcerado em sítio cutâneo de vacinação: relato de caso. Surg Cosmet Dermatol. 2022;14:e20220112


Abstract

Pilomatricoma é um tumor cutâneo benigno derivado do folículo piloso que pode se desenvolver secundariamente a um trauma local. O tratamento cirúrgico é curativo e, portanto, é o de escolha. Relatamos o caso de um pilomatricoma de apresentação clínica atípica, como um nódulo ulcerado encimado por crosta hemática central, com telangiectasias periféricas desencadeado, muito provavelmente, pela aplicação da vacina de HPV. O exame ultrassonográfico sugeriu um possível granuloma inflamatório crônico, porém o exame histopatológico foi definitivo e confirmou o diagnóstico em questão.


Keywords: Vacinas contra papillomavirus; Folículo piloso; Ultrassonografia doppler; Neoplasias cutâneas


INTRODUÇÃO

Pilomatricomas representam cerca de 1% dos tumores benignos de pele e derivam da matriz do folículo piloso. São tumores solitários, normalmente indolores e bem delimitados. Clinicamente, são associados a muitos diagnósticos diferenciais, sendo necessários exames complementares para confirmação diagnóstica.1 A ultrassonografia (USG) de pele e partes moles pode ser útil nessa investigação, porém a confirmação requer exame anatomopatológico. A patogenia ainda é pouco conhecida, porém o surgimento da lesão é frequentemente associado a trauma local. Apesar disso, a associação com o ato da vacinação, bem como a apresentação clínica atípica, ulcerada, com extrusão de material através do centro da lesão, é certamente pouco frequente, com raros casos relatados.

 

RELATO DO CASO

Paciente feminina de 11 anos de idade, apresentou-se à consulta com queixa de ferida no braço direito há mais de um ano, que surgiu um mês após aplicação da vacina para HPV, no mesmo local em que foi injetado o imunizante. Refere que a lesão evoluiu progressivamente com aumento de diâmetro e drenagem esporádica de secreção purulenta e de material inespecífico através de sua porção central. Recebeu diversos tratamentos, tanto tópicos (associação de neomicina e bacitracina, cetoconazol, betametasona e colagenase) quanto sistêmicos (azitromicina e cefalexina), sem resolução do quadro. Ao exame clínico, apresentava no braço direito nódulo eritematoso de 1,5cm de diâmetro, de consistência firme, com ulceração e crosta sero-hemática central, indolor à palpação superficial, porém doloroso à profunda, com algumas telangiectasias periféricas e discreta área azulada superficial, (Figura 1). Foi aventada a hipótese de granuloma piogênico, e solicitada ultrassonografia de pele e partes moles com doppler para investigação diagnóstica complementar. O exame revelou a presença de um nódulo sólido, predominantemente hipoecogênico, heterogêneo, de contornos regulares, acometendo epiderme, derme e hipoderme (Figura 2). O doppler colorido evidenciou acentuada vascularização periférica em forma de anel e no interior do nódulo. A impressão diagnóstica foi de possível granuloma inflamatório crônico. Foi realizada a excisão elípitica cujo exame anatomopatológico evidenciou a presença de células basaloides, células-fantasmas e células gigantes multinucleadas bem como de ulceração epidérmica com extrusão celular, compatíveis com o diagnóstico de pilomatricoma ulcerado associado a processo inflamatório crônico granulomatoso (Figura 3). A paciente evoluiu com resolução total do quadro após a cirurgia.

 

DISCUSSÃO

Pilomatricoma, ou epitelioma calcificante de Malherbe, é um tumor benigno raro da matriz do folículo piloso. Geralmente, é localizado na cabeça ou pescoço e apresenta-se como massa dérmica ou subcutânea firme, solitária, bem definida, de crescimento lento.

Ulceração epidérmica pode acompanhar a clínica da lesão.2,3,4 São descritas diferentes formas clínicas de pilomatricoma, como anetodérmico, proliferativo, pigmentado, familiar e perfurante.2,4 Esta última apresentação pode ser considerada no caso atípico em questão, tanto do ponto de vista clínico quanto histológico.

O tumor é frequente na primeira e segunda décadas de vida, e sua patogenia é incerta. Mutações na via de sinalização da Wnt e síndromes genéticas podem estar associadas, entre elas, é mais frequente a relação com a síndrome de Turner e a distrofia miotônica, porém também é documentada a associação com a síndrome de Gardner, polipose associada ao MUTYH (MAP), síndrome de Rubinstein-Taybi, síndrome Sotos e gliomatose cerebral.2 Eventos antecedentes, como vacinação, induzem raramente o aparecimento do pilomatricoma. A inflamação de longo prazo, a resposta retardada de cicatrização e os próprios antígenos utilizados no imunizante estão possivelmente atrelados à patogenia incerta desta doença.3

Embora já descritos desde 1880, esses tumores são frequentemente subdiagnosticados.2 A variedade de diagnósticos diferenciais inclui cistos dermoides ou epidermoides, linfonodos ou hematomas calcificados, hemangiomas e tumores de glândula parótida.3 Quando somada à baixa prevalência, que varia de 0,001% a 0,0031%, a lesão suspeita pode levar a equívocos diagnósticos e terapêuticos.2 Estudos apontam que o diagnóstico pré-operatório correto foi realizado em 30 a 50% dos casos.7

A apresentação clínica típica do pilomatricoma corresponde a um nódulo eritematoso firme de superfície lisa em área pilosa, por vezes acompanhado de diminuta área azulada superficial, enquanto histologicamente observa-se a presença de células basaloides e de “células-fantasmas”, associadas ou não a uma resposta granulomatosa e calcificação local, o que varia conforme o estágio evolutivo do tumor.2,3,5 No entanto, a presença clínica de ulceração com eliminação de material através da lesão, associada à presença histológica de ulceração epidérmica com extrusão de células tumorais eosinofílicas, pode configurar uma forma rara, atípica e pouco frequente de pilomatricoma, denominada pilomatricoma perfurante, como considerado neste caso.4

A ultrassonografia com doppler colorido é útil no diagnóstico de lesões nodulares da pele, pois mostra posição, profundidade e grau de calcificação dessas tumorações. Por se tratar de uma ferramenta acessível e não invasiva, capaz de aumentar a acurácia diagnóstica de diversas dermatoses, determinar o grau de vascularização local e delimitar os planos teciduais acometidos pela lesão, este exame, como no caso em questão, permite também um melhor planejamento cirúrgico e preparo para possibilidade de hemorragia intraoperatória. Os achados ultrassonográficos relacionados ao pilomatricoma correspondem a massas ovoides, bem definidas, hipoecoicas, com focos hiperecogênicos internos e bordas hipoecoicas periféricas. Massas completamente ecogênicas com sombra acústica posterior no subcutâneo são observadas.2,5,6 O padrão de distribuição do fluxo sanguíneo visualizado ao eco-doppler colorido foi útil para diferenciar o pilomatricoma de hemangiomas e outras malformações vasculares.2

Até o momento, há cinco casos publicados de pilomatricoma pós-vacinal na MEDLINE (PubMed). No entanto, não existe caso publicado nesta base de dados de pilomatricoma perfurante após aplicação de imunizantes, nem mesmo de pilomatricoma ocorrendo após vacinação contra HPV, que são características singulares e pioneiras deste relato de caso.

Frente à baixa prevalência e à semelhança do pilomatricoma com outras doenças cutâneas, os exames clínico e histológico, associados à ultrassonografia com doppler, são de extrema importância no auxílio diagnóstico e condução terapêutica, principalmente em se tratando do planejamento cirúrgico de lesão altamente vascularizada. O pilomatricoma deve ser incluído como diagnóstico diferencial em lesões crônicas nodulares desenvolvidas em sítios de trauma, como vacinação.

 

CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES:

Rodrigo Scabora 0000-0002-3153-3980
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

João Gabriel Rodrigues Alberti 0000-0001-6495-8419
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Carolina Scaff Haddad Bartos 0000-0001-7601-2946
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Lucia Mioko Ito 0000-0001-9899-3036
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Ayrton Roberto Pastore 0000-0002-6607-0488
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Deborah Krutman Zveibil 0000-0002-3252-6192
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS:

1. Fonseca R, Filho J, Araujo I, Filho A, Pereira N, Carvalho E, et al. Pilomatricoma: epitelioma calcificado de Malherbe. Rev Bras Cir Plást. 2012;27(4):605-10.

2. Jones CD, Ho W, Robertson BF, Gunn E, Morley S. Pilomatrixoma: a comprehensive review of the literature. Am J Dermatopathol. 2018;40(9):631-41.

3. Pirouzmanesh A, Reinisch JF, Gonzalez-Gomez I, Smith EM, Meara JG. Pilomatrixoma: a review of 346 cases. Plast Reconstr Surg. 2003;112(7):1784-9.

4. Endo M, Yamamoto T. A case of multiple perforating pilomatricomas. An Bras Dermatol. 2022;97(2):263-4.

5. Hague JS, Maheshwari M, Ryatt KS, Abdullah A. Proliferating pilomatricoma mimicking pyogenic granuloma. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2007;21(5):688-9.

6. Hwang JY, Lee SW, Lee SM. The common ultrasonographic features of pilomatricoma. J Ultrasound Med. 2005;24(10):1397-402.

7. Roche NA, Monstrey SJ, Matton GE. Pilomatricoma in children: common but often misdiagnosed. Acta Chir Belg. 2010;110(2):250-4.


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