Fernanda Simões Alves1, Sadamitsu Nakandakari1
A unha encravada é condição dolorosa que geralmente afeta as unhas dos pés de adolescentes e adultos jovens, com predomínio no sexo masculino. Os fatores desencadeantes podem ser o corte incorreto das unhas, calçados inadequados, trauma, hiperidrose, dobra lateral hipertrófica e doenças das unhas. 1,2
Existem três fases da unha encravada.A fase 1 é caracterizada por dor, eritema e edema leve. Na fase 2, ocorre exacerbação dos sintomas anteriores associada à exsudação e pode ocorrer infecção local.A fase 3 apresenta todos os sinais e sintomas intensificados com formação de tecido de granulação e hipertrofia da dobra lateral da unha.Recomenda-se o tratamento conservador para a fase 1 e o cirúrgico para as fases 2 e 3. 2,3,4
Embora a matricectomia cirúrgica com sutura tenha baixos índices de recidiva e seja eficiente para diminuir a hipertrofia da borda lateral da unha, pode apresentar algumas desvantagens, tais como a dificuldade de execução da técnica, dor e sangramento no pós-operatório, afastamento prolongado das atividades diárias e resultado estético insatisfatório. 3,5
Nesse contexto, a matricectomia química também apresenta baixos índices de recidiva, com período de cicatrização mais curto.Nos últimos anos, a matricectomia com fenol tem sido o método preferido para a unha encravada. No entanto, o fenol pode causar danos teciduais muito extensos, imprevisíveis e com exsudação excessiva. 5 Assim, outros agentes químicos, como o hidróxido de sódio e o ácido tricloroacético (ATA), têm sido utilizados. 1,6,7 Este último agente químico tem ação semelhante à do fenol, causando necrose por coagulação das células através da extensa desnaturação de proteínas. 3,8
Há apenas um relato na literatura mencionando o uso do ATA a 100% no tratamento das unhas encravadas. Assim, este estudo tem como objetivo demonstrar a utilização do ATA a 50% na matricectomia e, dessa maneira, contribuir com mais uma opção na terapêutica da unha encravada.
Foi realizado estudo retrospectivo envolvendo prontuários de pacientes submetidos à cirurgia de unha encravada do período de fevereiro de 2008 a julho de 2009, do Ambulatório de Onicopatias do Instituto Lauro de Sousa Lima, Bauru, São Paulo, Brasil. O presente estudo foi aprovado previamente pelo Comitê de Ética em Pesquisa da mesma instituição. Todos os procedimentos foram realizados por médicos residentes com supervisão do médico preceptor.
Foram incluídos 33 pacientes, totalizando 37 unhas encravadas.A faixa de idade dos pacientes, 16 homens e 17 mulheres, variou de 11 a 84 anos.Os pacientes apresentavam quadro típico de unha encravada nas fases 2 ou 3, tendo, em sua quase totalidade, o hálux como o dedo comprometido. Foram excluídos os pacientes com unha encravada acompanhada de hiperplasia severa da borda lateral, que foram tratados através da matricectomia cirúrgica com sutura, método mais eficiente para reduzir a hipertrofia.
Os pacientes foram submetidos à matricectomia parcial com ATA 50%, observados no período pós-operatório imediato e seguidos por período variável de sete a 24 meses.
Após seguimento variável de sete a 24 meses foi avaliada a incidência de recidiva de unha encravada (Figura 4).
Os cálculos estatísticos foram efetuados pelo programa Graph Pad Instat Software.Os resultados relativos à matricectomia com ATA 50% foram analisados estatisticamente pelo teste não paramétrico de Wilcoxon, comparando-se o número de unhas encravadas antes e após intervalo variável de sete a 24 meses do pós-operatório.Os resultados foram considerados significantes quando p < 0,05.
Foram submetidos à matricectomia com ATA 50% 33 pacientes no total de 37 unhas encravadas.No seguimento, apenas 11 pacientes tiveram recidivas, obtendo-se, portanto, 70,27% de sucesso, conforme tabela 1.
Muitas técnicas cirúrgicas estão disponíveis para o tratamento da unha encravada, porém a ideal deve ser realizada sob anestesia local, ser de fácil execução, ter rápida cicatrização, alta taxa de sucesso, baixo custo e levar a resultados cosméticos aceitáveis. 1 Essas características são encontradas com maior frequência nas matricectomias químicas com avulsão parcial das unhas.
O fenol é o método preferido por alguns autores e possui taxa de recidiva de 0-11%. 1,3,8 Esse agente químico, porém, apresenta risco imprevisível e extenso de dano tecidual e secreção excessiva.Além disso, o fenol só pode ser armazenado por curto período, 9,10 podendo provocar, mesmo quando utilizado em pequena quantidade, efeitos colaterais sistêmicos como dores abdominais, tontura, hemoglobinúria, cianose e,mais raramente, arritmias cardíacas. 11
Neste estudo empregou-se solução aquosa de ATA 50%, no tratamento da unha encravada, cujo mecanismo de ação é o mesmo do fenol. 3 O ATA, entretanto, tem a vantagem de ser de fácil armazenamento e muito utilizado nos procedimentos dermatológicos. 12 Esse agente químico ainda tem a vantagem de promover quantidade mínima de secreção após o procedimento, o que contribui para menores riscos de infecções 3 e maior conforto para o paciente.
Uma pesquisa bibliográfica realizada por Kim et al. evidenciou que não há diferença significativa na efetividade do ATA 100% (95%) em relação ao fenol (95,8%)no tratamento das unhas encravadas.No pós-operatório, contudo, o ATA, em comparação ao fenol, apresenta a vantagem de dor menos intensa e drenagem de exsudato. 3
Neste estudo observou-se taxa de sucesso de 70,29%, com ATA a 50%, diferentemente das taxas relatadas por Kim et al.Ainda assim, no trabalho em questão considera-se satisfatória essa taxa de sucesso, visto que não ocorreu nenhuma complicação e não houve necessidade da prescrição de antibioticoterapia sistêmica para nenhum dos pacientes.Também é importante ponderar que as cirurgias foram realizadas por médicos residentes, em fase de aprendizado da técnica. Essas condições segundo a literatura, envolvem maiores taxas de recidivas. 13
Assim, com este estudo, pode-se sugerir que a técnica com ATA constitui mais uma opção no tratamento da unha encravada, com baixa morbidade pós-operatória, poucos efeitos colaterais e fácil manuseio.
Nesse contexto, o trabalho em questão contribui na fomentação de novos estudos para estabelecer a concentração ideal de ATA e o melhor tempo de contato desse agente químico com a matriz ungueal, além de possibilitar melhor entendimento dos benefícios do ATA nas matricectomias.
1 . Ozdemir E, Bostanci S, Ekmekci P, Gürgey E. Chemical Matricectomy with 10% Sodium Hydroxide for Treatment of Ingrowing Toenails. Dermatol Surg. 2004; 30(1):26-31.
2 . Siegle RJ, Stewart R. Recalcitrant ingrowing nails. Surgical approaches. J Dermatol Surg Oncol. 1992;18(8):744–52.
3 . Kim SH, Ko HC, Oh CK, Kwon KS, Kim MB. Trichloroacetic Acid Matricectomy in the Treatment of Ingrowing Toenails. Dermatol Surg. 2009; 35(6): 973-9.
4 . Erdogan FG.A simple, pain-free treatment for ingrown toenails compli- cated with granulation tissue.Dermatol Surg. 2006; 32(11):1388–90.
5 . Bostanci S, Kocyigit P, Gürgey E. Comparison of Phenol and Sodium Hydroxide Chemical Matricectomies for the Treatment of Ingrowing Toenails.Dermatol Surg. 2007; 33(6):680-5.
6 . Lin YC, Su HY.A surgical approach to ingrown nail:partial matricectomy using CO2 laser.Dermatol Surg. 2002; 28(7): 578–80.
7 . Kocyigit P, Bostanci S,Ozdemir E,Gurgey E. Sodium hydroxide chemical matricectomy for the treatment of ingrown toenails: comparison of three different application periods.Dermatol Surg. 2005; 31(7 pt 1):744–7.
8 . Bostanci S,Ekmekci P,Gürgey E.Chemical Matricectomy with Phenol for the Treatment of Ingrowing Toenail: A Review of the Literature and Follow-up of 172 Treted Patients.Acta Derm Venereol. 2001; 81(3):181-3.
9 . Siegle RJ, Harkness J, Swanson NA. Phenol Alcohol Technique for Permanent Matricectomy. Arch Dermatol. 1984; 120(3): 348-50.
10 . Aksakal AB, Atahan C, Oztas P, Oruk S. Minimizing postoperative drainage with 20% ferric chloride after chemical matricectomy with phenol.Dermatol Surg. 2001; 27(2):158–60.
11 . Breathnach SM. Drug reactions. In: Burns T, Breathnach SM, Cox N, Griffiths C, editors. Rook''s Textbook of Dermatology. Oxford: Blackwell Publishing; 2004. p. 73–169.
12 . Chun EY, Lee JB, Lee KH. Focal trichloroacetic acid peel method for benign pigmented lesions in dark-skinned patients. Dermatol Surg. 2004; 30(4 pt 1):512–6.
13 . Tamura BM, Golcman B, Cucé LC, Sotto MN, Novo NF. Matricectomy of the hallux´s ingrowing nail: immunohistochemical study of the removed matrix. Surg Cosmet Dermatol. 2009; 1(3):120-4.