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Relato de caso

Unha em arpão: uma forma incomum de onicocriptose

Andréa Abê Pereira1,2; Jéssica Lüders Bueno1,2; Raquel Kupske1,2; Leonardo Albarello2; Renan Minotto2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20221400107

Data de submissão: 28/10/2021
Decisão Final: 16/11/2021


Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Como citar este artigo: Pereira AA, Bueno JL, Kupske R, Albarello L, Minotto R. Unha em arpão: uma forma incomum de onicocriptose. Surg Cosmet Dermatol. 2022;14:e20220107.


Abstract

A onicocriptose é uma doença ungueal frequente, que afeta mais comumente os pododáctilos e apresenta algumas variantes, dentre as quais a pouco conhecida “unha em arpão”. O diagnóstico costuma ser clínico, e o tratamento cirúrgico emprega diferentes técnicas descritas na literatura. Relatamos o caso de um paciente masculino, 25 anos, com unha em arpão no hálux esquerdo, e a técnica cirúrgica utilizada para o tratamento com excelente resultado.


Keywords: Doenças da unha; Hallux; Unhas encravadas


INTRODUÇÃO

A unha encravada, também chamada onicocriptose, é resultante de um conflito entre a lâmina ungueal e os tecidos moles adjacentes, causando uma reação inflamatória que pode levar ao surgimento de um tecido de granulação e à hipertrofia de dobras.1 Afeta mais comumente o hálux na sua porção distal lateral.2,3

Algumas variantes incomuns de onicocriptose são descritas na literatura, como a unha em arpão, na qual uma espícula de lâmina ungueal penetra o tecido periungueal formando um canal e despontando no hiponíquio. Relatamos um caso desta variante e seu tratamento cirúrgico.

 

RELATO DO CASO

Paciente masculino, 25 anos, estudante, procurou atendimento com queixa de encravamento da unha do hálux esquerdo há mais de dois anos, acompanhado de dor intermitente, mais intensa no início do quadro. Ao exame físico, apresentava uma das dobras ungueais laterais do hálux esquerdo com acentuado aumento de volume, recobrindo boa parte da lâmina ungueal e estendendo-se ao hiponíquio; na extremidade da dobra lateral, havia uma lesão pápulo-nodular, eritematosa, recoberta por uma pequena crosta e envolta por um colarete queratótico (Figura 1). Na dobra contralateral, identificava-se um edema em menor grau.

Devido ao diagnóstico de onicocriptose nas duas dobras ungueais laterais e à formação de unha em arpão em uma delas, o paciente foi encaminhado para cirurgia. Realizamos a ressecção do excesso de tecido das dobras laterais, o que permitiu a visualização da espícula pontiaguda na porção lateral da lâmina ungueal (Figura 2); seguimos com a avulsão de uma faixa lateral da unha e finalizamos com a cauterização química (fenol 88%) do segmento lateral da matriz e da porção cruenta das dobras laterais (Figura 3). A cicatrização ocorreu por segunda intenção.

O paciente evoluiu bem no pós-operatório, sem sinais de recidiva e com bom resultado estético após seis meses de evolução (Figura 4).

 

DISCUSSÃO

O encravamento da unha resulta de uma pressão constante da lâmina ungueal sobre os tecidos moles adjacentes4, levando a um processo inflamatório local. É uma condição frequente, com prevalência de 2,5 - 5%, mais comum em homens na terceira e quarta décadas de vida, mas casos congênitos e em idosos já foram descritos.1 Acomete mais frequentemente a porção distal lateral das unhas dos háluces.2,3 Pode apresentar-se com dor, eritema, edema, secreção e tecido de granulação nos tecidos periungueais.2 Sabe-se que diversos fatores contribuem para o surgimento e progressão da doença: corte incorreto das unhas (muito curtas ou arredondadas), curvatura acentuada da placa ungueal, dobra ungueal larga e espessa, hiperidrose, trauma, uso de calçados inadequados, meias apertadas, atividades físicas, obesidade.1,3

Pode-se classificar a onicocriptose de acordo com diferentes estadiamentos descritos por Heifetz, Mozena e Martinez Nova, com algumas modificações entre eles. Em geral, no estágio I, há discreto eritema e edema do leito ungueal com dor à digitopressão, não ultrapassando os limites da placa ungueal.3 No estágio II, a dor, o edema e o eritema são mais intensos, podendo haver formação de abscesso na dobra ungueal lateral, ultrapassando os limites da placa ungueal (IIa dobra mede menos que 3mm; IIb dobra mede mais que 3mm). O estágio III é caracterizado por hipertrofia crônica da dobra ungueal lateral e presença de tecido de granulação. No estágio IV, há uma deformidade crônica, acometendo a placa, as dobras ungueais laterais e a dobra ungueal distal.1,3

Relatamos o caso de uma variante incomum de onicocriptose descrita pela primeira vez por Richert, Caucanas e Di Chiacchio (2014)4: a unha em arpão, assim denominada por assemelhar-se ao instrumento de caça marinho que possui uma ponta afiada e uma base larga, o arpão.2 É uma variante específica de encravamento lateral distal. A sua formação ocorre quando, com o objetivo de aliviar a dor de um encravamento da unha na dobra ungueal, o paciente manipula a lateral da lâmina e não consegue cortar a parte mais externa e profunda da placa; o fragmento de unha lateral remanescente irá crescer e formar uma espícula, a qual atravessará o tecido periungueal, formando um trajeto fistuloso e despontando no hiponíquio.2,4,5 Seu diagnóstico é clínico1,5 e pode ser auxiliado por exames como o ultrassom de alta frequência, que evidenciará encravamento na prega ungueal lateral associado à espícula ungueal.5

O tratamento da unha em arpão é cirúrgico. Se não realizado, a condição pode tornar-se crônica, desaparecendo a inflamação e epitelizando o canal que contém a espícula ungueal.5 Diversas técnicas cirúrgicas são descritas e a escolha de qualquer uma delas depende do estágio e do tipo de onicocriptose bem como da habilidade do cirurgião. A abordagem cirúrgica que utilizamos no caso clínico relatado de unha em arpão foi uma das técnicas mais encontradas na literatura, que consiste em iniciar o procedimento com a abertura superior do canal que contém a espícula ungueal, removendo o excesso de tecido periungueal, seguida de avulsão de uma faixa lateral da unha e cauterização química do corno lateral da matriz com fenol 88%.2,4,6 Alternativamente, pode-se realizar uma ressecção em cunha que contenha a dobra ungueal lateral com a espícula e seu canal (procedimento de Vandenbos) ou um Super U7, no qual todo excesso de tecido é removido em forma de “U”.1

A unha em arpão é uma variante clínica pouco conhecida de onicocriptose que afeta a qualidade de vida do indivíduo. Por meio de abordagem cirúrgica apropriada, é possível atingir a resolução do quadro, com bom resultado estético e sem recorrência.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Andréa Abê Pereira 0000-0001-7995-5050
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Jéssica Lüders Bueno 0000-0002-3840-310X
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Raquel Kupske 0000-0003-3763-7366
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Leonardo Albarello 0000-0002-8785-6885
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Renan Minotto 0000-0002-1451-0461
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

 

REFERÊNCIAS:

1. Thakur V, Vinay K, Haneke E. Onychocryptosis - decrypting the controversies. Int J Dermatol. 2020;59(6):656-69.

2. Sandhiya R, Rao R. "An uncanny kin of the ingrown toenail": harpoon nail and the surgical challenge in its management. J Cutan Aesthet Surg. 2020;13(2):142-44.

3. Martínez-Nova A, Sánchez-Rodríguez R, Alonso-Peña D. A new onychocryptosis classification and treatment plan. J Am Podiatr Med Assoc. 2007;97(5):389-93.

4. Richert B, Caucanas M, Di Chiacchio N. Surgical approach to harpoon nail: a new variant of ingrowing toenail. Dermatol Surg. 2014;40(6):700-1.

5. Mello CDBF, Souza MR, Chiacchio NG; Chiacchio N. Ultrassonografia no diagnóstico da “unha em arpão”. Surg Cosmet Dermatol. 2019;11(4):323-24.

6. Bostanci S, Kocyigit P, Gürgey E. Comparison of phenol and sodium hydroxide chemical matricectomies for the treatment of ingrowing toenails. Dermatol Surg. 2007;33(6):680-5.

7. Richert B. Surgical management of ingrown toenails - an update overdue. Dermatol Ther. 2012;25(6):498-509.


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