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Diagnóstico por imagem

Dermatoscopia do cisto veloso eruptivo

Cesar Augusto Zago Ferreira; Bruno Augusto Alvares; Priscila Neri Lacerda; Helio Amante Miot

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20221400119

Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum


Data de submissão: 20/12/2021
Decisão Final: 27/01/2022
Como citar este artigo: Ferreira CAZ, Alvares BA, Lacerda PN, Miot HA. Dermatoscopia do cisto veoso eruptivo. Surg Cosmet Dermatol. 2022;14:e20220119


Abstract

Cisto veloso eruptivo é condição dermatológica rara e benigna do desenvolvimento dos folículos pilosos do tipo vellus, que acomete principalmente crianças e adultos jovens, e se caracteriza por múltiplas pápulas assintomáticas, especialmente no tronco. Apresentamos o caso de um homem adulto, de 33 anos, branco, que apresentava múltiplas pápulas eritematosas e pústulas, localizadas no tronco há cerca de cinco anos, refratárias a tratamentos tópicos para acne. A dermatoscopia revelou lesões ovaladas, com exulceração excêntrica e raras estruturas filiformes acrômicas protrusas do seu interior. Estabeleceu-se o diagnóstico de cisto veloso eruptivo a partir dos achados da dermatoscopia e do exame histopatológico.


Keywords: Cistos; Erupções acneiformes; HIV


RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 33 anos, branco, desempregado, encaminhado à Dermatologia devido a lesões eritematosas isoladas não pruriginosas no tronco, há cinco anos.

Ao exame, apresentava múltiplas pápulas eritematosas, entre 1 e 2mm de diâmetro, além de pústulas localizadas principalmente no tronco anterior e posterior, com discreto acometimento de membros superiores e inferiores, entremeadas com áreas de hipercromia pós-inflamatória (Figuras 1 e 2). O paciente negou história familiar de lesões semelhantes. Apresentava como comorbidade infecção pelo vírus do HIV, em tratamento com terapia antirretroviral, com CD4 248 e carga viral indetectável.

A dermatoscopia revelou máculas ovaladas eritematosas ou hipercrômicas, algumas apresentando exulceração excêntrica, outras revelando filamentos diminutos que se protruem do centro da pápula (Figuras 3, 4 e 5).

O estudo histopatológico revelou pequenos cistos dérmicos com epitélio queratinizado e pelos vellus no interior, circundados por reação gigantocelular do tipo corpo estranho.

Foi iniciado tratamento com isotretinoína oral 20mg/d; entretanto, o paciente perdeu o seguimento durante a pandemia.

 

DISCUSSÃO

Cistovelos oeruptivo (CVE) é condição rara benigna associada à herança autossômica dominante, mas que pode ser adquirido.1 Não apresenta predileção por gênero ou raça, acometendo principalmente adultos jovens.2 Foi inicialmente descrito em 1903, porém, apenas em 1977, foi considerado uma entidade clínica por Esterly ao observar crianças com quadro clínico de múltiplas pápulas monomórficas, hipercrômicas, assintomáticas, localizadas em tronco e membros.1

A patogênese da doença não é conhecida, sendo considerada uma anormalidade do desenvolvimento folicular, ocorrendo oclusão edilataçãoda unidade folicular, com posterior retenção do fio e de material queratinoso.3 Por outro lado, há estudos que associam o processo a um crescimento folicular hamartomatoso e a mutações no gene que codifica a queratina 173, também relacionada a outras condições, como paquioníquia congênita, síndrome de Lowe e esteatocistoma múltiplo, que já foram descritas em associação com CVE.1

O quadro clínico caracteriza-se por múltiplas pápulas de 1-3mm, normo ou hipercrômicas, de superfície lisa e consistência aumentada. Predominam no tórax, extremidades superiores e inferiores, raramente encontradas em abdome, pescoço, axilas, face e virilhas.1,3 Geralmente, os cistos apresentam-se fechados, podendo apresentar eliminação de material esbranquiçado à expressão manual.

Caracteristicamente, são assintomáticas, porém podem apresentar prurido ou alteração de sensibilidade associados.1

Histologicamente, os CVEs estão localizados na derme média ou superior, com epitélio de revestimento da parede semelhante à porção infundibular ou ístmica folicular, apresentando número variável de camadas de epitélio escamoso (uma a 12 camadas), comáreasgranulares finas focais e descontínuas. Acavidade cística contém quantidade variável de queratina e fios vellus. Normalmente, nenhuma glândula sebácea está presente na parede do cisto, podendo haver processo inflamatório granulomatoso.3

À microscopia eletrônica, presença de lâmina basal escassa ao redor da parede do cisto;nas célulasepiteliais, são observados grandes vacúolos e uma banda marginal; e, dentro da parede do cisto, melanócitos dispersos e células de Langerhans foram encontrados.1

AdermatoscopiadoCVE geralmente é monótona, porém pode fornecer elementos diagnósticos nos casos mais característicos. Em geral, revela lesões circulares ou ovaladas, eritematosas ou hipercrômicas, que apresentam uma estrutura hipocrômica ou amarelada excêntrica, formando um halo pigmentar. Nos casos mais exuberantes, pode-se identificar exulcerações excêntricas e estruturas filiformes discretas e não pigmentadas que se protruem das exulcerações, constituindo grupos de fios tipo vellus.4

Alternativamente ao diagnóstico por exame histopatológico ou dermatoscopia, há estudos que o avaliam por ultrassonografia de alta frequência e microscopia óptica com hidróxido de potássio a 10%.

A detecção microscópica consiste na realização de uma pequena incisão no topo de uma lesão papulosa previamente anestesiada, seguida pela expressão suave da mesma, com captação do conteúdo cístico por meio de uma agulha estéril de calibre 18, com a visualização de fios vellus.6

No entanto, apesar de a microscopia óptica em preparo com hidróxido de potássio a 10% mostrar-secomo uma alternativa menos dolorosa que a biópsia para estudo histopatológico, a técnica pode não ser capaz de diferenciar o CVE do esteatocistoma múltiplo, visto que o último também pode apresentar fios vellus à análise microscópica.

À ultrassonografia, é possível evidenciar nódulos hipoecoicos ovoides, localizados na derme, sendo associados a áreas filiformes fortemente ecogênicas no meio do cisto, correspondentes ao fio vellus. Sendo assim, a dermatoscopia e ultrassonografia configuram-se como técnicas indolores e não invasivas para diagnosticar cisto veloso eruptivo.5

Os principais diagnósticos diferenciais são: esteatocistoma múltiplo, tricostase espinulosa, foliculite e outros cistos, como infundibular e triquilemal, sendo importante a dermatoscopia e o exame histopatológico para definição diagnóstica em muitas circunstâncias. O esteatocistoma múltiplo apresenta expressão de K10 e K17, além de, à histopatologia, apresentar parede fina composta por epitélio escamoso e cistos vazios por perda artificial no processo de fixação. Por outro lado, o CVE expressa apenas K171,3 e, à histopatologia, fios vellus e queratina laminada. Desse modo, o esteatocistoma é considerado uma variante do CVE por alguns autores.

Em casos em que haja a presença de pigmentação homogênea azul não folicular, deve-se considerar nevo azul e hemangioma dentre os diferenciais. Outros diferenciais clínicos incluem erupção acneiforme, queratose pilar, siringoma, milium e molusco contagioso.3

A presença de estruturas circulares homogêneas amarelo-claras e a ausência de vasos auxiliam na distinção com molusco contagioso e acne comedoniana.4

A maioria das lesões persiste se não for tratada, porém pode haver resolução espontânea caso ocorra penetração dos pelos vellus através da parede do cisto, levando à formação de uma reação de corpo estranho. Além disso, pode ser que ocorram alterações inflamatórias, com surgimento de material esbranquiçado, que pode ser eliminado espontaneamente ou por meio de compressão pela lateral da pápula.2 Com isso, em 25% dos casos, ocorre remissão espontânea devido à sua eliminação transepidérmica ou destruição pelo processo inflamatório.5

O tratamento do CVE é um desafio, havendo relatos de diversas terapêuticas, como: tretinoína, tazaroteno, calcipotriol e ácido láctico tópicos; isotretinoína oral, esfoliação, dermoabrasão, laser de CO2, laser Erbium:YAG, incisão com agulha, curetagem e excisão cirúrgica, porém com resultados limitados,1,2, levando a casos de recorrência precoce, atrofia local ou formação de cicatriz hipertrófica. Casos mais exuberantes, simulando reações acneiformes, apresentam achados dermatoscópicos mais exuberantes, auxiliando a definição diagnóstica.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Cesar Augusto Zago Ferreira: 0000-0001-7299-1710

Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Bruno Augusto Alvares: 0000-0002-0061-2969
Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura.

Priscila Neri Lacerda: 0000-0001-8100-5978
Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura.

Helio Amante Miot: 0000-0002-2596-9294 Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERENCES:

1. Torchia D, Vega J, Schachner LA. Eruptive vellus hair cysts: a systematic review. Am J Clin Dermatol. 2012;13(1):19-28.

2. Coras B, Hohenleutner U, Landthaler M, Hohenleutner S. Early recurrence of eruptive vellus hair cysts after Er:YAG laser therapy: case report and review of the literature. Dermat Surg. 2005;31(12):1741-4.

3. Anand P, Sarin N, Misri R, Khurana VK. Eruptive vellus hair cyst: an uncommon and underdiagnosed entity. Int J Trichol. 2018;10(1):31-3.

4. Jerdan K, St Claire K, Bain M. Eruptive vellus hair cysts in identical triplets with dermoscopic findings. Cutis. 2018;102(5):367-9.

5. Zhu Q, Huang Y, Cui X, Du X, Zhu J. Eruptive vellus hair cysts diagnosed using dermatological imaging technique. Australas J Dermatol. 2021;62(1):86-8.


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