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Relato de caso

Reconstrução de hemiatrofia facial com hidroxiapatita de cálcio: relato de uma técnica segura e minimamente invasiva

Rossana Cantanhede Farias de Vasconcelos; Leonardo Navroski Durski; Artur Antonio Duarte

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2022140093

Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum


Data de submissão: 19/09/2021
Decisão Final: 06/05/2022
Como citar este artigo: Vasconcelos RCF, Durski LN, Duarte AA. Reconstrução de hemiatrofia facial com hidroxiapatita de cálcio: relato de uma técnica segura e minimamente invasiva. Surg Cosmet Dermatol. 2022;14:e20220093


Abstract

INTRODUÇÃO: a hemiatrofia facial progressiva, também conhecida como síndrome de Parry Romberg, é uma forma rara de esclerodermia, cujo manejo de sequelas é desafiador.
OBJETIVO: diante desse desafio, o objetivo deste estudo foi avaliar pela primeira vez na literatura a eficácia do preenchimento da hidroxiapatita de cálcio (CaHa) na reconstrução da mandíbula de um paciente com síndrome de Parry Romberg.
Relato do caso: paciente do sexo feminino, 15 anos, com atrofia progressiva do lado direito da face por síndrome de Parry Romberg. Após o controle da doença, a principal queixa da paciente era assimetria facial, principalmente na região mandibular.
DISCUSSÃO: a CaHa é um preenchedor injetável biocompatível, que é gradualmente reabsorvido e substituído por estroma fibrovascular, formado principalmente por novo colágeno, em um processo que ocorre sem qualquer reação imunológica. Este perfil de segurança torna a CaHa uma boa escolha para a correção de sequelas de esclerodermia estável.
CONCLUSÃO: este relato permite concluir que a biocompatibilidade do preenchimento de CaHa e a adequação para correção da mandíbula também são aplicáveis em procedimentos reconstrutivos para esclerodermia estável, de forma segura e minimamente invasiva, com ótimos resultados estéticos. O procedimento deve ser programado caso a caso, e um acompanhamento regular também é recomendado.


Keywords: Esclerodermia localizada; Hemiatrofia facial; Preenchedores dérmicos


INTRODUÇÃO

A esclerodermia localizada pertence ao complexo da esclerose sistêmica, uma doença autoimune rara. A extensão do envolvimento cutâneo e as manifestações extracutâneas caracterizam o subgrupo específico. Duas categorias de esclerodermia são conhecidas: esclerose sistêmica, caracterizada por esclerose cutânea e envolvimento visceral, e esclerodermia localizada, classicamente confinada a pele e/ou tecidos subjacentes. Uma classificação mundial para esclerodermia localizada ainda não existe, mas a mais usada é a classificação da Mayo Clinic, que inclui cinco grupos: 1) morfeia em placa, 2) morfeia generalizada, 3) morfeia bolhosa, 4) esclerodermia linear (incluindo esclerodermia linear “em golpe de sabre” e hemiatrofia facial progressiva ou síndrome de Parry Romberg) e 5) morfeia profunda.

A hemiatrofia facial progressiva, também conhecida como síndrome de Parry Romberg, é uma forma rara de esclerodermia linear que geralmente se desenvolve entre a primeira e a segunda décadas de vida, tem uma progressão lenta e autolimitada. É caracterizada por atrofia unilateral da pele, do tecido subcutâneo, dos músculos e das estruturas ósseas do território de um ou vários ramos do nervo trigêmeo. O tratamento deve ser iniciado precocemente, antes que ocorram complicações. As opções são corticosteroides, metotrexato, ciclosporina e interferon. O manejo da atrofia facial, entretanto, é desafiador e deve ser decidido caso a caso. A maioria dos pacientes beneficia-se de lipoenxertia e reconstruções com retalhos, mas novas técnicas devem ser incorporadas visando à melhora da qualidade de vida desses pacientes.1

O contorno da mandíbula desempenha um papel importante na estética facial. Muitos estudos e técnicas buscam melhorar essa área, e a hidroxiapatita de cálcio (CaHa), um preenchedor injetável, por sua capacidade de proporcionar melhora imediata e prolongada, surge como um agente ideal para restaurar a mandíbula. Além de sua eficácia, esse agente chama a atenção em procedimentos estéticos e reconstrutivos por sua segurança, comprovada em estudos de microscopia eletrônica, que demonstraram deposição de colágeno em torno das microesferas de CaHa, com mínima resposta inflamatória.2

Considerando o desafio do tratamento da hemiatrofia facial e a disponibilidade de um produto eficaz e seguro, este estudo teve como objetivo avaliar pela primeira vez na literatura a eficácia do preenchimento de CaHa na remodelação da mandíbula de uma paciente com síndrome de Parry Romberg.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 15 anos, com atrofia progressiva do lado direito da face, sem história de doença febril ou trauma. Seu histórico médico e histórico familiar não eram significativos. Ao exame, havia assimetria facial, com atrofia da pele e dos tecidos subjacentes da fronte e da linha da mandíbula, no lado direito da face. Nenhum sinal neurológico estava presente, assim como não havia outra alteração no exame sistêmico e cutâneo.

O diagnóstico clínico foi síndrome de Parry Romberg, com pronto início de corticosteroide e metotrexato. Após menos de dois anos, foram suspensos os medicamentos, pois estava sem sinal de atividade da doença. Seguidos mais dois anos de acompanhamento, aos 19 anos de idade, a principal queixa da paciente era de assimetria facial, principalmente na mandíbula e região do mento (Figura 1).

Para o procedimento de reconstrução, levando-se em consideração a biocompatibilidade, segurança e experiência da autora, foi escolhido um preenchedor de CaHa (CaHA; Radiesse, Merz Pharmaceuticals GmbH, Frankfurt, Alemanha). Esse preenchimento vem em uma seringa de 1,5mL e um fator corretor de 1:1 é usado, com solução salina isotônica e lidocaína a 2% como diluentes. Para áreas em que se pretendia mais projeção, como linha do mento, pré-jowl e mandíbula, a quantidade de diluente foi de apenas 0,4mL. A área tratada foi delimitada com um marcador branco, e a injeção, realizada com cânula de calibre 22 gauge, posicionada no plano subdérmico para correção da mandíbula. Na área do mento, foram abordados os planos submuscular e ântero-muscular. Para o tratamento da linha da mandíbula, o sulco pré-jowl e o ângulo mandibular foram os pontos de inserção; e para o aumento do mento, a área submentoniana anterior serviu como ponto de inserção. O volume total de preenchedor usado foi de 3,0cc ou duas seringas. A distribuição do preenchedor foi realizada de acordo com a necessidade de cada área, em técnica de leque, com injeções de 0,2mL. O resultado estético foi imediato e nenhum efeito adverso ocorreu durante ou após o procedimento, com seguimento de 180 dias (Figura 2 e 3).

 

DISCUSSÃO

A síndrome de Parry Romberg é uma doença rara, com uma prevalência estimada de 1 em 700.000 pessoas, afetando três vezes mais mulheres do que homens. A etiologia ainda é desconhecida, mas acredita-se que haja uma patogênese autoimune, possivelmente desencadeada por eventos como trauma ou infecção viral, que ativam linfócitos e células endoteliais, seguidos de síntese excessiva de colágeno por fibroblastos. Em consonância com a etiologia autoimune, o tratamento inicial é baseado em imunossupressores. Após a estabilização, os danos remanescentes causados pela atrofia cutânea, gordurosa e óssea causam impacto psicossocial ao paciente e representam um desafio terapêutico aos médicos.

Na última análise da literatura, o procedimento mais frequente para correções de defeitos de esclerodermia foi a cirurgia (59%), sendo o enxerto de gordura autóloga o mais utilizado (50% dos procedimentos), seguido por retalhos (24%). Buscando alternativas menos invasivas e menos dolorosas, a literatura fornece relatos de correção de defeitos faciais na esclerodermia localizada com ácido hialurônico, polimetilmetacrilato e ácido poli-L-lático.

Um agente perfeito para injeção deve ser não imunogênico, biocompatível e estável no local de implantação. Levando isso em consideração, o objetivo deste relato é descrever é descrever pela primeira vez na literatura o uso bem-sucedido de CaHa na correção de sequela da síndrome de Parry Romberg.

A CaHa é um preenchimento injetável biocompatível, composto por microesferas de 25-45 micrômetros de CaHa, suspensas em um gel de carboximetilcelulose. As microesferas de CaHa têm aspecto liso e são idênticas em composição à substância mineral dos ossos e dentes humanos. Após a implantação, o gel carreador é reabsorvido e gradativamente substituído por estroma fibrovascular, formado principalmente por colágeno novo e organizado, gerando uma volumização duradoura e melhora na qualidade, rugosidade e pigmentação da pele.

A natureza das fibras de colágeno recém-depositadas foi avaliada em um estudo experimental usando-se coloração com hematoxilina e eosina, coloração especial com picrosirius red (PSR) e imuno-histoquímica (IHQ). A presença de colágeno tipo I foi confirmada com coloração de PSR e IHQ. Por outro lado, o colágeno tipo III foi encontrado em quantidades muito menores nas amostras de biópsia, consistente com sua substituição gradual pelo colágeno tipo I no processo de remodelação.3 Em tecidos normais da pele, os colágenos tipos I e III são mantidos em uma proporção relativamente fixa entre si, embora haja um aumento dependente da idade na proporção do tipo I para o tipo III. Durante a neocolagênese induzida por CaHa, o colágeno tipo III recém-formado é gradualmente substituído por colágeno maduro tipo I para um suporte estrutural ideal e resistência à tração.

Evidências morfológicas de um estudo usando microscopia eletrônica em tecidos tratados com preenchimento de CaHa evidenciam mecanismos específicos envolvidos nas modificações estruturais, tanto das microesferas de preenchedor quanto das células do tecido conjuntivo. Elas demonstram a ausência de qualquer reação imunológica e mostram que o preenchedor utilizado é modificado muito lentamente ao longo do tempo pela ação de células do tecido conjuntivo, sem qualquer atividade de fagocitose.4 Esse perfil de segurança torna a CaHa uma boa escolha para correção de sequelas de esclerodermia estável, e nosso relato busca apoiar seu uso e contribuir para melhorar as opções de tratamento para esses pacientes.

Em 2006, a CaHa injetável foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA para correção dos sinais de lipodistrofia associada ao HIV e correção volumétrica de tecidos moles. Na Europa, a CaHa tem aprovação para aumento tecidual, incluindo tratamento de sulcos nasolabiais, linhas de marionete e contorno da mandíbula. A quantidade de preenchimento injetado varia, dependendo do local e da extensão da restauração, mas as recomendações de consenso fornecem uma orientação tanto para procedimentos estéticos quanto reconstrutivos. Para correção da linha da mandíbula inferior, o consenso recomendou agulha ou cânula. Para cânulas, os pontos de inserção estão no ângulo mandibular ou no sulco pré-jowl. O preenchimento deve ser colocado na junção dermo-hipodérmica ou derme profunda, usando uma técnica de leque.

Em nossa experiência, as cânulas são mais seguras, causam menos traumas na pele atrófica e permitem uma injeção de maior volume. O resultado estético é imediato, e os efeitos colaterais são leves e transitórios, como edema e eventuais hematomas.

 

CONCLUSÃO

Este relato permite concluir que a biocompatibilidade e adequação técnica do preenchedor de CaHa, já conhecidas para a correção estética da mandíbula e mento, são também aplicáveis em procedimentos reconstrutivos de sequelas de esclerodermia estável, de forma segura e minimamente invasiva, com ótimos resultados estéticos. O procedimento deve ser programado caso a caso, e um acompanhamento regular também é recomendado.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Rossana Cantanhede Farias de Vasconcelos 0000-0002-6185-1840
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Leonardo Navroski Durski 0000-0002-1566-7372
Análise estatística; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Artur Antonio Duarte 0000-0003-0361-9776
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERENCES:

1. Marmur ES, Phelps R, Goldberg DJ. Clinical, histologic and electron microscopic findings after injection of a calcium hydroxylapatite filler. J Cosmet Laser Ther. 2004;6(4):223-6.

2. Ayoub, R, Saba, SC. Treatment of linear scleroderma “En coup de Sabre” with single‐ stage autologous fat grafting: a case report and review of the literature. J Cosmet Dermatol. 2021;20(1):285-9.

3. Zerbinati N, Calligaro A. Calcium hydroxylapatite treatment of human skin: evidence of collagen turnover through picrosirius red staining and circularly polarized microscopy. Clin Cosmet Investig Dermatol. 2018;11:29-35.

4. Zerbinati N, D'Este E, Parodi PC, Calligaro A. Microscopic and ultrastructural evidences in human skin following calcium hydroxylapatite filler treatment. Arch Dermatol Res. 2017;309(5):389-96.


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