3899
Views
Open Access Peer-Reviewed
Relato de caso

Corpos riziformes em localização inusitada

Isabella Zurita Dehó1; Jayme de Oliveira Filho2; Irina Andrea Pires Afonso2; Anna Rita Ferrante Mitidieri de Oliveira1

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2022140057

Data de submissão: 27/05/2021
Decisão final: 04/06/2021


Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Como citar este artigo: Dehó IZ, Oliveira Filho J, Afonso IAP, Oliveira ARFM. Corpos riziformes em localização inusitada. Surg Cosmet Dermatol. 2022;14:e20220057.


Abstract

Corpos riziformes são estruturas que podem ser encontradas no líquido sinovial ou aderidas à sinóvia, que se assemelham macroscopicamente a grãos de arroz. São frequentes em pacientes com artrite reumatoide e decorrem de resposta inflamatória crônica. São encontrados em 25% dos procedimentos de aspiração ou cirurgias das articulações. Porém, ainda não existem publicações relatando sua presença no subcutâneo. Relatamos, pela primeira vez, a ocorrência de corpos riziformes no subcutâneo da região palmar em paciente com artrite reumatoide, confirmados por exames ultrassonográfico e anatomopatológico, tratados com sucesso com drenagem cirúrgica, sem recidivas após dois anos de seguimento.


Keywords: Abscesso; Artrite reumatoide; Dermatopatias; Dermatoses da mão; Procedimentos cirúrgicos ambulatoriais; Técnicas de diagnóstico por cirurgia


INTRODUÇÃO

Corpos riziformes são estruturas que podem ser encontradas no líquido sinovial ou aderidas à sinóvia. Recebem esta denominação por se assemelharem macroscopicamente a grãos de arroz.1 Ocorrem em decorrência de uma resposta inflamatória sinovial crônica e inespecífica.2 São compostos por um centro acidófilo de colágeno tipo I, II e IV, encapsulado na periferia por fibrina.3, 4

Estas estruturas foram descritas pela primeira vez no ano de 1895 em um paciente que apresentava artrite tuberculosa.1 Posteriormente, foram descritas associadas a outras enfermidades, como artrite reumatoide, artrite idiopática juvenil, osteoartrite, tenossinovite associada à brucelose, infecção articular por micobactérias e fungos, ou até mesmo de forma idiopática, em pacientes sem comorbidades.1, 3

Atualmente, apresentam frequência maior associadas à artrite reumatoide em comparação às artrites soronegativas. Sua remoção garante melhora clínica dos pacientes, redução da sinovite e possibilidade de investigação de causas infecciosas.5

Os corpos riziformes são encontrados em 25% dos procedimentos de aspiração ou cirurgias das articulações.3,4 Porém, ainda não existem publicações relatando sua presença no plano subcutâneo, mesmo nos pacientes com artrite reumatoide. Relatamos neste artigo, pela primeira vez, a ocorrência de corpos riziformes no subcutâneo da região palmar em paciente com artrite reumatoide, confirmados por exames de ultrassonografia e anatomopatológico. Foram drenados cirurgicamente com sucesso, sem recidivas após follow-up de dois anos.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 67 anos, fototipo II, natural e procedente de São Paulo. Procurou atendimento com queixa de dor e dificuldade de abrir a mão direita há três semanas (Imagem 1). Ao exame dermatológico, notava-se uma tumoração eritematosa, mal delimitada, de 2,7cm no seu maior eixo, encimada por áreas hiperqueratóticas na região palmar direita, ao nível das articulações metacarpofalangeanas, entre o 2º e o 4º quirodáctilos (Imagens 2A e 2B).

Antecedentes pessoais: hepatite C, diabetes mellitus, anemia falciforme, artrite reumatoide e transplante renal há 26 anos. Em uso de ribavirina, insulina humana NPH, azatioprina, ácido fólico, complexo B, alfaepoetina e prednisona 5mg/d.

Dentre os diagnósticos diferenciais encontravam-se: abscesso cutâneo, tenossinovite, cisto de inclusão epidérmica, tumor de anexos e contratura de Dupuytren.

Devido ao fato de as características clínicas sugerirem o diagnóstico de abscesso, optou-se pelo tratamento com ciprofloxacino oral 500mg de 12/12h por 10 dias e foram solicitados exames, incluindo de imagem. Após uma semana, a paciente retornou com os resultados dos exames e lesão ainda com o mesmo aspecto.

Ultrassonografia da mão direita: tendões com extensa coleção circunscrita, paredes e conteúdo hipoecogênico associado a debris em suspensão com aspecto espesso circundando os tendões (Imagem 3).

Foi realizada drenagem cirúrgica da lesão e, durante o procedimento, notou-se a presença de nódulo fibroso aderido aos planos profundos, associada à saída de múltiplas estruturas granulares, císticas, de consistência fibroelástica e superfície lisa (Imagens 4A e 4B).

O material foi enviado para o anatomopatológico (Imagens 5A, 5B, 5C e 5D), que evidenciou: material granular representado por colágeno hialinizado tendo, de permeio, células com núcleos alongados ou ovoides e raros elementos mononucleares. Presença de focos de calcificação distrófica. Na periferia das lesões, presença de fibrina e macrófagos, alguns deles fagocitando pigmento castanho-claro com as características de hemossiderina. Ausência de sinais de malignidade. Confirmado o diagnóstico de “corpos riziformes”.

Após um mês da drenagem, a paciente retornou em consulta com melhora clínica, porém ainda apresentava dificuldade de fletir os dedos da mão (Imagem 6A).

Após dois meses da drenagem, a paciente retornou com grande melhora clínica, inclusive com facilidade para realizar a flexão dos dedos da mão, fato anteriormente de difícil execução (Imagem 6B).

Evoluiu com cicatrização completa da ferida e ausência de recidiva após um período de seguimento de dois anos (Imagem 6C).

Retratamos neste artigo o quadro clínico completo e o seguimento das lesões no período de um mês, dois meses e dois anos após o procedimento.

 

DISCUSSÃO

Os corpos riziformes são muito frequentes nos pacientes com artrite reumatoide. Estudos prévios já demonstraram sua presença em 72% das efusões articulares destes pacientes.5 Em média, aparecem nos quadros de artrite reumatoide com seis a nove anos de evolução, mas podem aparecer tanto no início do quadro quanto nas fases mais tardias, sem associação com a severidade da doença.5

Sua patogênese continua incerta. Acredita-se que sejam o produto final de um processo inflamatório e proliferativo da sinóvia, associado à isquemia com subsequente degeneração e descamação da mesma, encapsulada por fibrina.6

Neste artigo, a paciente apresentava diagnóstico prévio de artrite reumatoide. Em contrapartida, outros autores relataram a presença de corpos riziformes antecedendo o diagnóstico de artrites inflamatórias, ressaltando a importância do seguimento destes pacientes por, pelo menos, um a dois anos para investigação etiológica.2

Os corpos riziformes já foram isolados nas artrites infecciosas crônicas das mãos, causadas principalmente pelo Mycobacterium marinum e M. avium7, porém este é o primeiro artigo a relatar sua ocorrência nesta localização, associados à artrite reumatoide.

Além disso, durante a drenagem cirúrgica, observamos que se originavam do subcutâneo da região palmar da paciente, diferentemente do que é esperado na artrite reumatoide, na qual ocorrem predominantemente dentro da bursa, sendo a subacromial a mais acometida. Esta ocorrência subcutânea foi relatada previamente apenas nas tenossinovites causadas por micobactérias.8

Nos pacientes com artrite reumatoide, a consideração de infecção concomitante é importante, especialmente nos pacientes em uso de imunossupressores e corticosteroides.7

Como demonstrado, as partículas caracterizam-se, macroscopicamente, por uma superfície lisa de coloração amarelo-clara. Entretanto, já foi demonstrado que os corpos riziformes podem apresentar diversas variações morfológicas; de tons: entre o branco e o amarelo; de consistência: lisa ou áspera; e pode ocorrer variação de tamanho: menor que 2mm até maiores que 7mm.5

Neste caso, a paciente apresentou remissão completa da lesão após a drenagem cirúrgica, sem a necessidade de tratamentos adicionais. Outros autores já relataram resultados semelhantes após o tratamento, porém com um tempo de seguimento menor que o descrito neste artigo.2 A melhora com a drenagem parece ser decorrente da retirada dos depósitos de fibrina que compõem os corpos riziformes, uma vez que esta substância apresenta capacidade de perpetuar o estímulo inflamatório nas articulações.5 Assim, além de curativa, a drenagem cirúrgica diminui o risco de recidivas, como observado durante os dois anos de follow-up da nossa paciente.9

Outra medida que pode ser associada ao tratamento cirúrgico é o controle clínico da artrite subjacente com terapia farmacológica específica e, nos casos de infecção associada, deve ser introduzida a terapia antimicrobiana.

 

CONCLUSÃO

O que mais nos chamou atenção nesta paciente foi a raridade com que nos deparamos com casos similares.

O diagnóstico foi feito por meio do exame físico aliado ao exame ultrassonográfico e confirmado pelo anatomopatológico. Junto às características únicas do achado cirúrgico, concluiu-se por este diagnóstico inusitado e raro.

Neste caso, acreditamos que a etiologia seja a artrite reumatoide. Como a evolução clínica tem sido satisfatória, não procedemos a outros exames, tampouco à proposta da literatura para a exérese da bainha do tendão afetado. Porém, estamos acompanhando atentamente a evolução do quadro clínico, que segue sem recidivas e com boa recuperação dos movimentos articulares após dois anos de seguimento.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Isabella Zurita Dehó 0000-0002-2884-7073
Preparação e redação do manuscrito.

Jayme de Oliveira Filho 0000-0003-0239-0981
Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

Irina Andrea Pires Afonso 0-000-0001-6787-8529
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.

Anna Rita Ferrante Mitidieri de Oliveira 0000-0002-5551-7440
Aprovação da versão final do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS:

1. Campos LR, Sztajnbok FCN, Galvão S, Lessa MA, Aymoré IL, et al. Presence of riziform bodies in a patient with juvenile idiopathic arthritis: case report and literature review. Rev Bras Reumatol Engl Ed. 2017;57(6):610-2.

2. Subramaniam R, Tan JW, Chau CY, Lee KT. Subacromial bursitis with giant rice bodies as initial presentation of rheumatoid arthritis. J Clin Rheumatol. 2012;18(7):352-5.

3. Reda FM, Talal G, Moncef B, Reda-Allah B, Omar LM, Saleh BM. Mass of the thenar eminence hiding idiopathic massive rice bodies formation with a compression of the median nerve: case report and review of the literature. Int J Surg Case Rep. 2018;50:28-31.

4. Cheung HS, Ryan LM, Kozin F, McCarty DJ. Synovial origins of Rice bodies in joint fluid. Arthritis Rheum. 1980;23(1):72-6.

5. Popert AJ, Scott DL, Wainwright AC, Walton KW, Williamson N, Chapman JH. Frequency of occurrence, mode of development, and significance or rice bodies in rheumatoid joints. Ann Rheum Dis. 1982;41(2):109-17.

6. Karaoğlu S, Karaaslan F, Mermerkaya MU. A mechanically locked knee joint due to free-floating flake-shaped rice bodies: a case report. Acta Orthop Traumatol Turc. 2015;49(5):565-7.

7. Matcuk Jr GR, Patel DB, Lefebvre RE. Horseshoe abscess of the hand with rice bodies secondary to mycobacterium avium intracellulare infection. Clin Imaging. 2020;63:24-9.

8. Saraya T, Fukuoka K, Maruno H, Komagata Y, Fujiwara M, Kaname S. Tenosynovitis with rice body formation due to mycobacterium intracellulare infection after initiation of infliximab Therapy. Am J Case Rep. 2018;19:656-62.

9. Cegarra-Escolano M, Jaloux C, Camuzard O. Rice-body formation without rheumatic disease or tuberculosis in a "sausage" ring finger. Hand Surg Rehabil. 2018:S2468-1229(18)30067-7.


Licença Creative Commons All content the journal, except where identified, is under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International license - ISSN-e 1984-8773