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Relato de casos

Reversão de isquemia labial com calor local após preenchimento com ácido hialurônico

Bruna de Souza Felix Bravo1; Julien Totti de Bastos2; Kedima Caldeira Nassif3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201242514

Data de recebimento: 20/01/2020
Data de aprovação: 24/02/2021
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado no Hospital Federal da Lagoa, Rio de Janeiro (RJ), Brasil


Abstract

INTRODUÇÃO: uma das mais temidas complicações com o uso de preenchedores faciais é o potencial risco de uma injeção intravascular e, por isso, todos os aplicadores devem ter conhecimento do algoritmo de tratamento no caso de um quadro de isquemia.
OBJETIVO: o presente artigo relata caso de isquemia labial após preenchimento com ácido hialurônico, com reversibilidade completa apenas com o uso de compressas mornas.
MÉTODOS: uso de compressas mornas em quadro de isquemia labial.
RESULTADOS: reversibilidade completa da isquemia.
CONCLUSÃO: apesar de não ser medida única a ser adotada num quadro de isquemia após preenchimento com ácido hialurônico, este caso demonstra o valor do uso de compressas mornas que, no presente relato, foi suficiente para reverter o quadro.


Keywords: Ácido Hialurônico; Estética; Face


INTRODUÇÃO

A face humana é dotada de rica rede vascular e, por causa das inúmeras artérias colaterais e anastomoses presentes entre territórios vasculares, apresenta um ambiente potencialmente perigoso quando se trata do uso de preenchedores faciais por risco de isquemia.1

A isquemia induzida por injeção de preenchedores é uma consequência rara, porém temida, e geralmente ocorre como resultado da injeção do produto diretamente em uma artéria, mas também pode resultar por compressão ou lesão vascular. Um diagnóstico imediato e tratamento precoce são essenciais para a resolução satisfatória do problema.2,3

O presente artigo relata um caso de isquemia tardia após preenchimento labial, resolvido unicamente com uso de calor local aplicado pela paciente em domicílio e reversão completa do quadro, verificada no retorno da paciente ao consultório para a continuidade do algoritmo de tratamento.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, de 29 anos, atendida em consultório dermatológico desejando realizar preenchimento labial com finalidade estética. Hígida, sem comorbidades ou alergias conhecidas.

Realizada anestesia tópica com lidocaína 30 minutos antes do procedimento, seguida de limpeza com clorexidina alcoólica. A aplicação do produto foi efetuada com agulha 30G, na quantidade de 1,5ml de ácido hialurônico (Juvederm vollift – Allergan) no contorno labial e vermelhão. Antes da injeção, foi realizado teste de aspiração por sete segundos, negativo em todos os pontos. Ausência de dor durante a aplicação. Ao final do procedimento, não foi relatada dor nem se observaram sinais clínicos evidentes de isquemia. Foi orientada a tomar prednisona 40mg ao dia por três dias, mantendo-se o acompanhamento.

No dia seguinte, 16 horas após o procedimento, a paciente informa estar bem, sem dor, encaminha fotos para avaliação com presença de sinais sugestivos de oclusão vascular (Figura 1).

Foi solicitada a presença imediata da paciente ao consultório, tendo sido orientada para que colocasse compressas mornas e massageasse o local, até a sua chegada à clínica.

Após 10 minutos de compressas mornas, a paciente envia novas fotos com reversão importante do processo (Figura 2).

A imagem encaminhada pela paciente 16 horas após o procedimento evidencia sinais isquêmicos e, comparativamente, após as compressas mornas, pode ser observada na figura 3.

A paciente foi avaliada presencialmente, por três dias seguidos, sem variação do quadro.

Nenhum outro tratamento foi realizado, tais como uso de hialuronidase ou anticoagulantes.

 

DISCUSSÃO

A anatomia vascular da face é complexa e deve ser familiar aos médicos aplicadores de preenchedores faciais. O profissional deve também ser capaz de realizar um rápido reconhecimento dos sinais e sintomas de um quadro de isquemia e ter em mente o manejo recomendado nesses casos.

A apresentação inicial dos eventos embólicos vasculares é a presença do branqueamento momentâneo, que pode durar apenas alguns segundos (algumas vezes sendo ausente), progredindo para o livedo reticular (que pode durar até alguns dias), formação de bolhas (geralmente surgem no terceiro dia), crostas, necrose, esfacelo e, finalmente, a cicatrização por segunda intenção - um processo que pode levar seis semanas ou mais.3,4 Um tempo de recarga capilar lentificado (normal é de um a dois segundos) associado a uma pele sensível ao toque podem ser um alerta da vigência de um quadro isquêmico.1 Os sintomas podem incluir dor e desconforto desproporcionais aos que são tipicamente experimentados nos preenchimentos convencionais, entretanto é importante salientar que preenchedores mais novos são compostos de anestésicos locais, alterando o quadro clínico nesses casos.1,3

Dependendo da natureza, quantidade de material injetado, viscosidade e coesão do produto, assim como a pressão aplicada no momento da injeção, diferentes gravidades de cenários são vistos.1 Se apenas uma pequena quantidade é injetada, é bem possível que o material seja alojado em um local em que a garantia de vasos sanguíneos adjacentes ainda gere suprimento de sangue suficiente, de tal forma que nenhum resultado de isquemia ocorra. A rica rede vascular ignora a obstrução tão completamente que o acidente nunca se manifesta clinicamente.1 Portanto, no geral, é provável que a prática mais segura seja a injeção de pequenas quantidades de produto (0,1mL) em várias áreas.1,5 Outros fatores potenciais para a injeção intra-arterial seriam o uso de agulhas menores e mais afiadas e a presença de cicatrizes na área de tratamento.1

Ao se deparar com um quadro de obstrução vascular é necessário seguir protocolo de tratamento, sendo seu tempo de início determinante ao sucesso do desfecho. Após o primeiro reconhecimento do comprometimento vascular, são recomendadas a aplicação de compressas mornas e massagem no local. O calor local promove a dilatação vascular, e a massagem pode ajudar na distribuição do material já que a pressão irá movimentar o êmbolo. A compressa pode ser aplicada por cinco a dez minutos a cada 30-60 minutos, tendo o cuidado de não causar queimadura na pele.2,5

A hialuronidase é peça especial no manejo dos quadros isquêmicos, uma vez que é responsável pela degradação do ácido hialurônico (AH) injetado. Embora uma reação de hipersensibilidade possa ocorrer raramente com o uso da hialuronidase (incidência de 1 em 1.000 pacientes), a maioria dos artigos não recomenda a realização dos testes cutâneos em casos de necrose iminente. No entanto, o médico assistente deve estar preparado para a rara possibilidade de alergia e até a extrema possibilidade de anafilaxia.2,6,7 De acordo com as recomendações consensuais, no caso de necrose local iminente, devem ser aplicadas altas doses da enzima (400 unidades ou mais por área) e uma injeção a cada 3 a 4cm na área isquêmica (área com branqueamento, violáceo ou descoloração reticulada), seguida de massagem. Se nenhuma melhora for observada em 60 minutos, mais três a quatro ciclos de injeção deverão ser executados.2,6,7,8

A administração de aspirina (dois comprimidos de 325mg ao dia por sete dias) pode ser útil como agente antiplaquetário. Pasta de nitroglicerina no local pode promover vasodilatação, porém seu uso é controverso.2 Heparina de baixo peso molecular e prostaglandinas sistêmicas também têm sido um tratamento clínico para promover a vasodilatação.1,7 Embora ainda não existam estudos com número de pacientes significativos, a oxigenioterapia hiperbárica parece proporcionar um benefício melhor quando associada ao tratamento, principalmente nos casos de necrose grave ou quando o tecido apresenta cicatrização lentificada. O oxigênio hiperbárico tem o potencial de fornecer oxigênio na profundidade da pele e pode ajudar a manter viáveis os tecidos dependentes de oxigênio.1,2,7,9

Na maior parte dos casos, se as medidas forem iniciadas precocemente, o desfecho clínico pode ser positivo, com reversão completa da isquemia, sem ocasionar sequelas.

No caso em questão, como se trata de isquemia tardia, optamos pela orientação imediata à paciente de fazer calor local e massagem e, o mais brevemente possível, comparecer ao consultório para a continuidade do algoritmo terapêutico e aplicação de hialuronidase. Para surpresa dos autores, a paciente apresentou resolução completa dos sinais isquêmicos alguns minutos após a aplicação das compressas, não sendo necessário seguir com o protocolo de tratamento.

 

CONCLUSÃO

Conhecimento da localização e distribuição dos principais vasos da face são essenciais para os clínicos envolvidos neste tipo de trabalho. O risco de isquemia é maior quando grandes injeções de bolus de produto são enviadas mais profundamente em tecidos para aumento de volume e quando são usadas agulhas.

O tratamento começa com o diagnóstico precoce do evento e deve continuar com a administração de compressas mornas e massagem suave, juntamente com aplicação de hialuronidase e aspirina oral. Na experiência dos autores, o uso de hialuronidase é o mais efetivo tratamento e, portanto, deve ser a primeira medida a ser aplicada nos casos de suspeita de isquemia. Após o manejo inicial recomendado, se a isquemia ainda estiver presente, as evidências sugerem que a oxigenioterapia hiperbárica pode beneficiar alguns pacientes.

A fim de evitarem-se graves e potencialmente irreversíveis sequelas após um quadro de isquemia, todos os aplicadores devem ter conhecimento do algoritmo terapêutico de comprometimento vascular.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Bruna de Souza Felix Bravo | 0000-0001-9692-7967
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Julien Totti de Bastos | 0000-0002-1885-8908
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Kedima Caldeira Nassif | 0000-0002-1016-5525
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. DeLorenzi C. Complications of injectable fillers, part 2: vascular complications. Aesthet Surg J. 2014;34(4):584-600. Epub 2014 Apr.

2. Cohen JL, Biesman BS, Dayan SH, DeLorenzi C, Lambros VS, Nestor MS, et al. Treatment of hyaluronic acid filler-induced impending necrosis with hyaluronidase: consensus recommendations. Aesthet Surg J. 2015;35(7):844-9. Epub 2015 May 10.

3. Loh KTD, Phoon YS, Phua V, Kapoor KM. Successfully managing impending skin necrosis following hyaluronic acid filler injection, using high-dose pulsed hyaluronidase. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2018;6(2):e1639. eCollection 2018 Feb.

4. DeLorenzi C. New high dose pulsed hyaluronidase protocol for hyaluronic acid filler vascular adverse events. Aesthet Surg J. 2017;37(7):814-25.

5. Cohen JL. Understanding, avoiding, and managing dermal filler complications. Dermatol Surg. 2008;34 (Suppl 1):S92-9.

6. Balassiano LKA, Bravo BSF. Hyaluronidase: a necessity for any dermatologist applying injectable hyaluronic acid. Surg Cosmet Dermatol. 2014;6(4):338¬43.

7. Bravo BSF, Balassiano LKA, Rocha CRM, Padilha CBS, Torrado CM, Silva RT, et al. Necrosis after soft-tissue augmentation with hyaluronic acid. J Clin Aesthet Dermatol. 2015;8(12):42-7.

8. Landau M. Hyaluronidase caveats in treating filler complications. Dermatol Surg. 2015;41 (Suppl 1):S347-53.

9. Kim DW, Yoon ES, Ji YH, Park SH, Lee BI, Dhong ES. Vascular complications of hyaluronic acid fillers and the role of hyaluronidase in management. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2011;64(12):1590-5. Epub 2011 Jul 31.


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