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Relato de casos

O papel do uso de tecnologias combinadas na abordagem de uma paciente com microstomia

Karina Bittencourt Medeiros1; Layla Comel Corso Perito de Bem2; Priscila Regina Orso Rebellato1; Juliana Merheb Jordão1

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201242570

Data de recebimento: 13/04/2020
Data de aprovação: 04/03/2021
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado no Hospital Universitário Evangélico Mackenzie, Curitiba (PR), Brasil
Agradecimentos: Aos pacientes que, constantemente, nos inspiram para busca de inovação e aprendizagem


Abstract

A microstomia ocorre em 70% dos pacientes com esclerose sistêmica e há poucas opções terapêuticas. Descrevemos caso de mulher de 39 anos com diagnóstico de esclerose sistêmica em 2010, em uso de micofenolato de mofetil e rituximabe, apresentando microstomia. Foram realizadas duas sessões de luz intensa pulsada e sete sessões de laser fracionado ablativo Erbium:YAG de 2940nm, com resposta clínica importante. A formação e reorganização de fibras colágenas e elásticas foram responsáveis pela melhora da microstomia. Há poucos estudos com o uso de tecnologias para a abordagem da microstomia. Este é o primeiro com Er:YAG 2940nm para esta finalidade.


Keywords: Escleroderma Sistêmico; Microstomia; Lasers; Terapia a Laser; Terapia de Luz Pulsada Intensa; Terapia Combinada


INTRODUÇÃO

A esclerodermia é uma desordem do tecido conjuntivo, caracterizada por fibrose cutânea, anormalidades vasculares e presença de autoanticorpos.1 É doença rara, com prevalência de 8 a 30 casos/100.000 habitantes, mais comum no sexo feminino1, com pico de incidência na 3ª e 5ª décadas de vida.2

A face é acometida na esclerose sistêmica ou localizada.1 As alterações orofaciais geralmente se iniciam com o enrijecimento do tecido lingual e da pele facial, levando a um afinamento dos lábios, do nariz e surgimento de rítides profundas na face, aspecto conhecido como mask-like facies. 2 A principal manifestação oral é a microstomia, presente em 70% dos pacientes, caracterizada por uma redução na abertura da cavidade oral devido à esclerose dos tecidos moles periorais.2 A microstomia é definida como uma distância interlabial inferior a 45mm ou uma distância interincisiva inferior a 40mm.3

Clinicamente, a microstomia pode interferir negativamente na mastigação, nos movimentos da mandíbula, na higiene oral e, consequentemente, na qualidade de vida.3 Há incidência aumentada de cáries, doença periodontal e infecções orais (especialmente por Candida sp) nesses pacientes, ao mesmo tempo que tratamentos dentários podem se tornar impraticáveis conforme a intensidade da limitação da abertura oral.1 O câncer da língua tem frequência significativamente aumentada nos pacientes esclerodérmicos com abertura bucal inferior a 30mm.4

Devido à grande prevalência de distúrbios orais nos pacientes com esclerodermia, Mouthon et al. desenvolveram o Mouth Handicap in Systemic Sclerosis Scale (MHISS), o primeiro instrumento de medida específico para avaliar o grau de incapacidade oral projetado para pacientes com esclerose sistêmica. Tal escala leva em conta três fatores distintos: restrição da abertura bucal, presença de síndrome sicca e preocupação estética (principalmente retração cutânea e presença de telangiectasias). A escala é composta por 12 perguntas, com cinco possibilidades de resposta, com resultados finais que variam de zero a 48 pontos (Quadro 1).5

Em relação ao tratamento, é consenso na literatura que pacientes com limitação da amplitude de movimento e abertura oral devem receber orientações sobre o reforço da higiene bucal. Tais pacientes podem ser tratados com terapia física e ocupacional,2 associada à lubrificação dos lábios e comissuras labiais com vaselina.4 Próteses parciais removíveis associadas à fisioterapia para reabilitação oral são altamente recomendadas.4 Alguns pacientes podem beneficiar-se da comissurotomia bilateral,4 enxertias de pele e retalhos locais.6

Para tratamento das rítides periorais e telangiectasias, pode-se utilizar o laser de CO2. Em estudo preliminar, Barete et al. demonstraram bons resultados estéticos e funcionais com o uso de laser de CO2, além de uma melhora significativa no grau de abertura oral.7 Bennani et al. também demonstraram bons resultados com a utilização de laser de CO2: em quatro pacientes estudadas, portadoras de microstomia decorrente de esclerose sistêmica, observou-se aumento da distância interincisiva após a primeira sessão, com ganho médio de 5mm.8 Houve progresso em relação à flexibilidade labial e abertura bucal, com melhor fonação, mastigação e cuidados dentários.8

Com relação à luz intensa pulsada (LIP), sabe-se que os comprimentos de onda mais longos penetram mais profundamente na derme, levando à estimulação da neocolagênese, tornando a pele mais macia e elástica. Comstedt et al. demonstraram bons resultados com o uso de LIP em quatro pacientes com esclerose sistêmica e microstomia, com melhora na articulação da fala, alimentação e cuidados de higiene dentária.9

Relatamos caso de paciente com microstomia por esclerose sistêmica, tratada com duas sessões de LIP e sete sessões de laser fracionado ablativo (LFA) Erbium:YAG de 2940nm. Não há estudos na literatura sobre o tratamento de microstomia com laser de Er:YAG 2940nm.

 

RELATO DO CASO

Paciente de 39 anos, fototipo IV, portadora de esclerose sistêmica com diagnóstico em 2010, apresentando fibrose pulmonar, esofagopatia, úlceras digitais, fenômeno de Raynaud, FAN positivo 1:640 padrão nuclear pontilhado fino e microstomia. Em uso de micofenolato de mofetil 1g/dia, rituximabe, anlodipina e omeprazol, com controle da doença.

Além do tratamento clínico, foi proposto tratamento visando à abordagem da microstomia. Durante a avaliação inicial, a pontuação da paciente na escala MHISS foi de 22, a distância intercomissural foi de 4,7cm, e a interincisiva, de 3,7cm. A paciente foi submetida à LIP plataforma Etherea®, na região perioral, com filtro de 695nm, fluência de 17J/cm², duração de pulso de 40ms e segunda aplicação com filtro de 580nm, fluência de 16J/cm², duração de pulso de 20ms em duas sessões, porém paciente evoluiu com discromia. Optou-se, então, por tratamento com LFA Er:YAG 2940nm plataforma Etherea®, na região perioral, em sete sessões, com intervalos mínimos de 45 dias, de setembro de 2017 a dezembro de 2018, modo Dual Mode, com ponteira de 100 microzonas térmicas, 8mm, modo ablação com fluência de 10J/cm², duração de pulso de 300ms e modo coagulação com fluência de 40J/cm², duração de pulso de 5ms. Durante todo o tratamento, a paciente recebeu aciclovir oral 200mg, cinco vezes ao dia, nos sete dias subsequentes à sessão, para profilaxia de herpes simples labial, cremes cicatrizantes e protetor solar, não havendo complicações durante o tratamento. Na última sessão, a pontuação da escala MHISS foi de 13, a distância intercomissural foi de 5,3cm, e a interincisiva, de 4,5cm (Figuras 1 e 2).

Ao final do tratamento, paciente se disse muito satisfeita com o resultado e manterá sessões de manutenção semestrais.

 

DISCUSSÃO

Apresentamos caso de microstomia em paciente com esclerose sistêmica tratada com duas sessões de LIP e sete sessões de LFA Erbium:YAG de 2940nm. Ao final do tratamento, a paciente apresentou melhora clínica importante com incremento de nove pontos na escala MHISS, 6mm na abertura intercomissural e 8mm na abertura interincisiva.

Na esclerose sistêmica, há aumento de número de fibroblastos ativados com produção desorganizada de colágeno, principalmente I, III e IV10, levando à fibrose.

No tratamento com LFA Er:YAG 2940nm percebe-se histologicamente produção de colágeno tipos I, III e VII organizados, diminuição de material elastótico e elastina, com aumento de tropoelastina, alterações que seriam responsáveis pela melhora na textura da pele por meio da cicatrização do procedimento e da abertura oral.11 Provavelmente, o mecanismo de ação que justifica a melhora da paciente é a reorganização do colágeno e a substituição de fibras afetadas por novas de melhor qualidade. Há poucos dados na literatura sobre tratamentos de microstomia a laser, apenas séries de caso e estudos- piloto com uso de LIP e laser de CO2,8,9 sem estudos sobre o LFA Er:YAG 2940nm.

 

CONCLUSÃO

O tratamento com LFA Er:Yag 2940nm foi eficaz na melhora clínica e da microstomia de paciente portadora de esclerose sistêmica.

Métodos terapêuticos para estímulo de colágeno podem ser oferecidos para os pacientes portadores de microstomia com melhora nos escores de impacto da microstomia e, principalmente, da qualidade de vida destes pacientes. O LFA Er:YAG 2940nm surge como uma terapia promissora na abordagem da microstomia em pacientes com esclerose sistêmica.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Karina Bittencourt Medeiros | 0000-0001-8202-6711
Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Layla Comel Corso Perito de Bem | 0000-0002-5398-9962
Contribuição no artigo: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; revisão crítica da literatura.

Priscila Regina Orso Rebellato | 0000-0002-4830-2273
Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.

Juliana Merheb Jordão | 0000-0002-8403-2784
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Crincoli V, Fatone L, Fanelli M, Rotolo RP, Chialà A, Favia G, et al. Orofacial manifestations and temporomandibular disorders of systemic scleroderma: an observational study. Int J Mol Sci. 2016;17(7):1189.

2. Albilia JB, Lam DK, Blanas N, Clokie CM, Sándor GK. Small mouths...big problems? A review of scleroderma and its oral health implications. J Can Dent Assoc. 2007;73(9):831-6.

3. Yuen HK, Marlow NM, Reed SG, Mahoney S, Summerlin LM, Leite R, et al. Effect of orofacial exercises on oral aperture in adults with systemic sclerosis. Disabil Rehabil. 2012;34(1):84-9.

4. Salem B, Rim BH, Sihem BK, Maher B. Manifestations bucco-dentaires de la sclérodermie systhémique. Pan Afr Med J. 2013;16:114.

5. Mouthon L, Rannou F, Bérezné A, Pagnoux C, Arène JP, Foïs E, et al. Development and validation of a scale for mouth handicap in systemic sclerosis: the Mouth Handicap in Systemic Sclerosis Scale. Ann Rheum Dis. 2007;66(12):1651-5.

6. Dewan SK, Arora A, Sehgal M, Khullar A. Microstomia: a treatment challenge to a prosthodontist. J Clin Diagn Res. 2015;9(4):12-3.

7. Alantar A, Cabane J, Hachulla E, Princ G, Ginisty D, Hassin M, et al. Recommendations for the care of oral involvement in patients with systemic sclerosis. Arthritis Care Res. 2011;63(8):1126-33.

8. Bennani I, Lopez R, Bonnet D, Prevot G, Constantin A, Chauveau D, et al. Improvement of microstomia in scleroderma after carbon dioxide laser treatment. Case Rep Dermatol. 2016;8(2):142-50.

9. Comstedt LR, Svensson A, Troilius A. Improvement of microstomia in scleroderma after intense pulsed light: a case series of four patients. J Cosmet Laser Ther. 2012;14(2):102.

10. Leask A. Matrix remodeling in systemic sclerosis. Semin Immunopathol. 2015;37(5):559-63.

11. El-Domyati M, Abd-El-Raheem T, Abdel-Wahab H, Medhat W, Hosam W, El-Fakahany H, et al. Fractional versus ablative erbium:yttrium-aluminum-garnet laser resurfacing for facial rejuvenation: an objective evaluation. J Am Acad Dermatol. 2013;68(1):103-12.


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