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Relato de casos

Retalho cervicofacial para reconstrução de extenso defeito na face após cirurgia de Mohs: relato de caso

Maria Carolina Casa Souza; Fernando Eibs Cafrune

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201242540

Data de recebimento: 02/03/2020
Data de aprovação: 04/03/2021
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado nó Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre (RS), Brasil


Abstract

Introdução: os tumores cutâneos localizados na face podem ser desafiadores ao tratamento cirúrgico. A reconstrução com retalho cervicofacial é uma opção adequada para defeitos extensos. Apresentamos uma opção cirúrgica para lesões complexas e com grande potencial de morbidade. Relato do caso: mulher, 69 anos, consulta por carcinoma basocelular (CBC) esclerodermiforme recorrente e de grandes dimensões em região zigomática esquerda. Devido às características da lesão, optou-se pela cirurgia de Mohs. Um retalho cervicofacial foi utilizado com um bom resultado estético e sem recidiva. Discussão: o retalho cervicofacial é ideal para defeitos amplos e pode ser usado como alternativa ao uso de enxerto de pele.


Keywords: Carcinoma Basocelular; Cirurgia de Mohs; Retalhos Cirúrgicos


INTRODUÇÃO

O carcinoma basocelular (CBC) é o tipo mais comum de câncer de pele. Entre os subtipos, o CBC esclerodermiforme é responsável por aproximadamente 5 a 10% dos casos. É chamado de esclerodermiforme por sua semelhança clínica com uma placa de morfeia, ou esclerodermia localizada, sendo habitualmente mais agressivo que o nodular e o superficial, uma vez que tende a apresentar disseminação subclínica com potencial para extensa disseminação local.1,2 Para a maioria desses carcinomas, o tratamento cirúrgico é o recomendado, sendo a cirurgia micrográfica de Mohs o método de escolha. A técnica é preferida para os tumores de alto risco, recorrentes, de grandes dimensões e em localização facial. Sua principal vantagem é oferecer controle microscópico preciso de toda a margem do tumor, maximizando a conservação do tecido saudável.3

Durante a realização tanto da cirurgia micrográfica de Mohs quanto da técnica convencional, um dos grandes desafios é o reparo do defeito cirúrgico associado a um bom resultado estético e funcional.4 Nos casos de câncer em região malar, maxilar e periorbital, há mais de 30 anos a técnica de reconstrução com retalho cervicofacial tem sido descrita. Conceitualmente, é um retalho que explora a flacidez da pele da bochecha, da região pré-auricular e do pescoço, sendo sua principal vantagem a manutenção da cor e da textura do tecido nativo. Outra vantagem é o fato de as incisões serem posicionadas em áreas de sulcos naturais,

respeitando os limites das subunidades estéticas faciais. Em alguns casos, esse retalho também permite a adequada exposição das estruturas cervicais e faciais para procedimentos oncológicos adicionais, como a dissecção linfonodal.5

Apresentamos um caso de retalho cervicofacial após cirurgia de Mohs com múltiplos estágios para exérese de um CBC esclerodermiforme em região zigomática esquerda. O caso mostra-se desafiador pelas grandes dimensões da ferida cirúrgica e por sua localização. É demonstrada uma opção cirúrgica para lesões complexas em face e com grande potencial de morbidade.

 

RELATO DO CASO

Paciente feminina de 69 anos, com diagnóstico de carcinoma basocelular esclerodermiforme recorrente, em região zigomática esquerda, com aparecimento há mais de 10 anos. Já havia sido submetida a duas cirurgias prévias (convencionais) e a tratamento com radioterapia, com posterior recidiva da lesão. Ao exame, apresentava-se com uma placa eritematosa, infiltrada de cerca de 4,5cm em seu maior diâmetro, com múltiplas telangiectasias na dermatoscopia e pequena crosta central. Optou-se pela realização da cirurgia de Mohs (Figura 1), com anestesia local e sedação. Margens livres foram obtidas após quatro estágios de 5mm adicionais em cada uma. O defeito resultante media 6,5 x 7,5cm, acometendo região malar, pré-auricular e temporal esquerda (Figura 2). Um retalho de transposição do tipo cervicofacial foi utilizado para reparar o defeito. O arco de transposição foi desenhado até a mandíbula, região retroauricular e cervical ipsilateral (Figura 3). O retalho foi elevado e transposto da região retroauricular e cervical para o defeito cirúrgico (Figura 4).

O retalho foi fixado com vicryl 4.0 (sutura de ancoragem), em região zigomática e subcutânea de bordas, e fio mononylon 5-0 para sutura cutânea superficial. O defeito secundário foi fechado primariamente na porção posterior e deixado por segunda intenção em região retroauricular e cervical média (Figura 5). As suturas externas foram removidas após 15 dias. No pós-operatório, a paciente apresentou pequeno foco de necrose na região superior da cicatriz, com melhora após desbridamento em cerca de cinco semanas. Após dois meses, a paciente já apresentava uma boa cicatrização. Apresenta-se atualmente com um ano de pós-operatório sem sinais de recidiva da lesão e mantendo um bom resultado (Figura 6).

 

DISCUSSÃO

Os retalhos cutâneos são recursos necessários para o fechamento de excisões de tumores de pele.6 Retalhos de transposição são versáteis e podem ser utilizados em qualquer local da face. Eles recrutam tecidos de diferentes regiões, podendo resultar em cor e textura compatíveis com a área do defeito, principalmente quando oriundas de regiões próximas. A abundância de pele do pescoço e da região retroauricular faz o uso desses retalhos ser uma opção atrativa para as reconstruções em região mediolateral da face.7 Na face, a reconstrução suave e harmônica continua desafiadora, pois não apenas a função deve ser recuperada, mas também espera-se que tenha um bom resultado estético, evitando-se formações de ectrópio e, principalmente, lesão ao nervo facial. Ao confeccionar o retalho, após emergir da glândula parótida 1,7cm anterior ao trago, o ramo temporal do nervo facial passa pelo arco zigomático entre 3,2 e 3,9cm, posterior à borda lateral da órbita, ao nível da linha órbito-tragal, o que corresponde ao terço médio do arco zigomático. Há vulnerabilidade do ramo temporal ao nível do terço médio do arco zigomático. No entanto, apesar de esse ramo do nervo facial apresentar uma ampla variação no padrão de sua ramificação, ele cursa em uma direção constante. Isto permite a definição de um plano de dissecção seguro para a região temporal.8 O retalho cervicofacial é ideal para defeitos amplos que não podem ser reparados com pequena mobilização tecidual local, possibilitando a reconstrução sem necessidade de enxertos.9 Sua versatilidade e seu bom arco de rotação permitem a esse retalho cobrir grandes áreas de ferida cirúrgica.5 No entanto, a principal desvantagem desse tipo de retalho é a possibilidade de isquemia distal, que pode levar à necrose, principalmente quando o retalho é suturado com tensão devido à extensão do defeito ou quando o paciente já possui alguma doença que possa comprometer a microcirculação local.10 No presente caso, a paciente já havia apresentado inúmeras recidivas da lesão, e a cirurgia de Mohs necessitou de vários estágios para a obtenção de margens livres, levando a um defeito cirúrgico extenso, que foi adequadamente corrigido com o retalho cervicofacial, sem evidência de recidiva após um ano de cirurgia.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Maria Carolina Casa Souza 0000-0002-8241-8376
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.

Fernando Eibs Cafrune | 0000-0002-6645-0122
Participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Midgen MR, Chang ALS, Dirix L, Stradigos AJ, Lear JT. Emerging trends in the treatment of advanced basal cell carcinoma. Cancer Treat Rev. 2018;64:1-10.

2. Marzuka AG, Book SE. Basal cell carcinoma: pathogenesis, epidemiology, clinical features, diagnosis, histopathology, and management. Yale J Biol Med. 2015;88(2):167-79.

3. Patel TN, Patel SB, Franca K, Chacon AH, Nouri K. Mohs micrographic surgery: history, technique, and advancements. Skinmed. 2014;12(5):289-92.

4. Grosfeld EC, Smit JM, Krekels GA, van Rappard JH, Hoogbergen MM. Facial reconstruction following Mohs micrographic surgery: a report of 622 cases. J Cutan Med Surg. 2014;18(4):265-70.

5. Sakellariou A, Salama A. The use of cervicofacial flap in maxillofacial reconstruction. Oral Maxillofac Surg Clin North Am. 2014;26(3):389-400.

6. Kondo RN, Pontello Júnior R, Lopes VCH, Bittar RA, Pereira AM. Retalho de interpolação para fechamento de defeito cirúrgico em lóbulo de orelha. Surg Cosmet Dermatol. 2012;4(2):192-4.

7. Pletcher SD, Kim DW. Current concepts in cheek reconstruction. Facial Plast Surg Clin North Am. 2005;13(2):267-81.

8. Rendon NB, Barazzetti PHO, Garcia CP, D'Avila AK, Vasconcelos ZAA, Ely JB. Retalho cervicofacial composto: uma alternativa para reconstrução facial. Rev. Bras. Cir. Plást. 2018;33:114-6.

9. Ebrahimi A, Nejadsarvari. Experience with cervicofacial flap in cheek reconstruction. J Craniofac Surg. 2013;24(4):372-4.

10. Saito N, Tsutsumida A, Furukawa H, Sekido M, Oyama A, Funayama E, et al. Reconstructive considerations in the treatment of soft tissue sarcomas of the cheek. Acta Otorhinolaryngol Ital. 2010;30(2):103-6.


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