3446
Views
Open Access Peer-Reviewed
Relato de casos

Osteoma cutis em couro cabeludo: tratamento cirúrgico com retalho em rotação tipo “S” itálico para exérese de lesão rara

Lívia Arroyo Trídico1,2; Paulo Henrique Miranda Ribeiro3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201241223

Data de recebimento: 25/07/2018
Data de aprovação: 09/02/2021
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto (SP), Brasil


Abstract

O osteoma cutis é um tumor raro, caracterizado pela presença de tecido ósseo na derme e/ou hipoderme. A seguir, iremos descrever o caso de um paciente com diagnóstico de osteoma cutis no couro cabeludo há cerca de 10 anos, com crescimento progressivo e área de alopecia local. O paciente foi submetido à excisão cirúrgica da lesão com técnica de retalho em rotação tipo “S” itálico para reconstrução da área visando ao melhor resultado estético possível.


Keywords: Osteoma; Scalp; Surgical Flaps


INTRODUÇÃO

Osteoma cutis é uma lesão rara, caracterizada pela presença de ossificação na pele, cuja etiologia é desconhecida.1 Manifesta-se com a formação de nodulações ósseas na derme e/ou hipoderme, constituídas de osso lamelar com a presença de osteócitos no centro e de osteoclastos na área periférica, semelhante aos ossos mesenquimais.2,3 Embora seja uma lesão de natureza benigna, pode levar a deformidades cutâneas nas áreas afetadas, causando alterações estéticas e trazendo consequências psicológicas ao paciente.4

As áreas mais afetadas são face, couro cabeludo, tórax e extremidades. As lesões, geralmente, são indolores e assintomáticas, apresentam-se como pápulas, nódulos ou placas únicas ou múltiplas endurecidas, irregulares e circunscritas, embora também possam apresentar-se como lesões miliares.5,6,7 Sua coloração geralmente é cor da pele e, ocasionalmente, causam descoloração cutânea ficando branco-amareladas.8

Classificamos as lesões de osteoma cutis em primárias ou secundárias. O osteoma cutis primário (POC) ocorre em 15% dos casos, não está associado a histórico local de trauma ou lesão cutânea prévia e pode ocorrer isoladamente ou associado a uma síndrome de disfunção metabólica (as principais síndromes associadas são osteodistrofia hereditária de Albright, fibrodisplasia ossificante progressiva, heteroplasia progressiva óssea e osteoma cutis placoide). O tipo secundário é o mais comum, responsável por 85% dos casos, associado a lesões cutâneas prévias, tais como esclerodermia, pilomatricoma, nevo, dermatomiosite, carcinoma basocelular, cicatriz, inflamação cutânea, trauma e cisto epidérmico, entre outros.4,9,10

Este relato descreve um caso de osteoma cutis primário de grande dimensão localizado no couro cabeludo e seu tratamento cirúrgico.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 39 anos, apresentava lesão no couro cabeludo há cerca de 10 anos, assintomática e de crescimento progressivo. A lesão era caracterizada por placa de alopecia bem delimitada de aspecto endurecido com algumas nodulações de coloração amarelada no centro da lesão, diâmetro de 5 x 3cm e localização no vértice do couro cabeludo (Figura 1).

Uma das lesões nodulares foi biopsiada, e o diagnóstico histopatológico foi de osteoma cutis. O paciente não apresentava qualquer lesão clínica prévia no local do tumor, e as dosagens de cálcio sérico e paratormônio estavam normais. Sendo assim, classificamos a lesão como osteoma cutis primário isolado.

Dessa forma, optamos por realizar o tratamento cirúrgico da lesão, uma vez que apresentava crescimento progressivo, levando à alopecia e consequente comprometimento estético. Diante do tamanho da lesão e de sua localização, o tratamento cirúrgico tornou-se um desafio, visando à reconstrução com o melhor resultado funcional e estético possível.

Foi realizada a excisão da lesão com margem de segurança de 0,5cm, englobando tecido cutâneo e subcutâneo até atingir a gálea aponeurótica (Figuras 2 e 3). Para reparo da área excisada, optou-se por realizar o retalho de rotação, em que o segmento de pele, subcutâneo e gálea adjacente à lesão, realiza um movimento semicircular de rotação para reconstruir o defeito. O retalho de rotação realizado foi do tipo “S” itálico ou catavento, em que a área adjacente foi descolada ao nível da gálea aponeurótica em formato de “S” a partir das margens laterais da área excisada, visando ao melhor resultado a fim de não comprometer a área de implantação do cabelo e a fronte com cicatriz de sutura11 (Figura 4 A e B).

Sendo assim, foi possível fechar a área excisada com mínima tensão local e excelente resultado estético, uma vez que toda a cicatriz cirúrgica ficou localizada no couro cabeludo e não houve alteração na aparência da face (Figura 5). Além disso, a fim de minimizar a cicatriz cirúrgica, utilizamos a sutura tricofítica, uma vez que, ao realizar sutura simples no couro cabeludo, não há crescimento de cabelo na linha da sutura. Dessa forma, a sutura tricofítica é uma técnica que promove o crescimento de cabelo através da cicatriz final, tornando-a menos visível. Inicialmente, aproximam-se as bordas por meio de sutura no tecido subcutâneo com fio absorvível (Vycril 3.0) realizada a cada 2cm; em seguida, a epiderme e a derme superficial de uma das bordas são removidas com tesoura ou bisturi (retira-se uma fina tira de 1,0 a 1,5mm de epitélio da borda) e, finalmente, aproximam-se as bordas com uma sutura contínua. Essa técnica coloca a borda superior da lesão sobre a borda inferior profunda. Sendo assim, os folículos pilosos localizados abaixo da borda desepitelizada crescerão normalmente através da cicatriz futura, permitindo camuflá-la.12,13,14

 

DISCUSSÃO

O osteoma cutis foi descrito pela primeira vez em 1858 por Wilkins, correspondendo a uma dermatose rara e benigna, caracterizada pela presença de tecido ósseo maduro, compacto ou esponjoso, na derme e/ou hipoderme.15 Ocorre em qualquer idade, sexo ou raça, e ocorrências familiares sugerem fatores genéticos associados.7 A patogênese é inconclusiva; existem duas teorias a respeito da possível origem do tumor: a primeira e mais aceita é que ocorre metaplasia local de células mesenquimais, de fibroblastos para osteoblastos. A segunda teoria é baseada na migração anômala de osteoblastos para a pele devido a uma desordem embriológica.4,7,16

O tratamento do osteoma cutis varia de acordo com localização, manifestação clínica e tamanho, devendo ser individualizado em cada caso. A excisão cirúrgica é o tratamento de escolha, porém são descritas outras opções terapêuticas, tais como excisão por punch, excisão e curetagem, dermoabrasão, tretinoína tópica 0,05%, laser Erbium:YAG como ablativo da epiderme, laser CO2 e ácido tricloroacético 100% sobre as lesões a fim de promover a eliminação transepidérmica do osteoma.4,7,17,18

No caso apresentado, optamos pela excisão cirúrgica devido ao tamanho da lesão localizada no couro cabeludo. As lesões de couro cabeludo constituem-se um desafio para reconstrução em decorrência da pouca mobilidade da pele da região, entre outros fatores, o que dificulta o fechamento de lesões de moderada a grande extensão. A escolha pelo retalho em rotação do tipo “S” itálico visou a reconstruir o defeito da ressecção cirúrgica buscando melhor resultado funcional e estético com mínima morbidade à área doadora. Além disso, a técnica de sutura utilizada, conhecida como sutura tricofítica, permitiu otimizar ainda mais o resultado, uma vez que possibilita o crescimento de cabelo através da cicatriz, tornando-a menos visível. O tratamento realizado obteve sucesso não apenas devido à remoção completa do tumor, mas também em relação aos resultados estéticos e à ausência de recidiva.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Lívia Arroyo Trídico | 0000-0002-7743-4195
Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Paulo Henrique Miranda Ribeiro | 0000-0002-1430-5521
Participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Sánchez MEG, Martínez MLM, Mena JLA, Martín LIDO. Osteoma cutis: rare painful tumor in atypical location. An Bras Dermatol. 2017;92(5 Suppl 1):113-4.

2. Mast AM, Hansen R. Multiple papules on the elbows. Congenital osteoma cutis. Arch Dermatol. 1997;133(6):777-80.

3. Moritz DL, Elewski B. Pigmented postacne osteoma cutis in a patient treated with minocycline: report and review of the literature. J Am Acad Dermatol. 1991;24(5 Pt 2):851-3.

4. Ayaviri NA, Nahas FX, Barbosa MV, Farah AB, Arimatéia Mendes J, Ferreira LM. Isolated primary osteoma cutis of the head: case report. Can J Plast Surg. 2006;14(1):33-6.

5. Boschert MT, Puckett CL. Osteoma cutis of the hand. Plast Reconstr Surg. 2000;105(3):1017-8.

6. Goldminz D, Greenberg RD. Multiple miliary osteoma cutis. J Am Acad Dermatol. 1991;24(5 Pt 2):878-81.

7. Duarte IG. Multiple injuries of osteoma skin in the face: therapeutical least invasive in patients with acne sequela - case report. An Bras Dermatol. 2010;85(5):695-8.

8. Goldminz D, Greenberg RD. Multiple miliary osteoma cútis. J Am Acad Dermatol. 1991;24(5):878-81.

9. Bowman PH, Lesher JL Jr. Primary multiple miliary osteoma cutis and exogenous ochronosis. Cutis. 2001;68(2):103-6.

10. Altman JF, Nehal KS, Busam K, Halpern AC. Treatment of primary miliary osteoma cutis incision, curettage, and primary closure. J Am Acad Dermatol. 2001;44(1):96-9.

11. Souza CD. Reconstruction of large scalp and forehead defects following tumor resection: personal strategy and experience - analysis of 25 cases. Rev Bras Cir Plást. 2012;27(2):227-37.

12. Nirmal B, Somiah S, Sacchidanand SA. A study of donor area in follicular unit hair transplantation. J Cutan Aesthet Surg. 2013;6(4):210-3.

13. Marzola M. Trichophytic closure of the donor area. Hair Transplant Forum Int. 2005;15(4):113-6.

14. Antonio AM, Soares RO. Sutura tricofítica. Revista SPDV. 2017;75(3):273-5.

15. Berbert ALCV, Mantese SAO, Hiraki KRN, Loyola AM, Queiroz NP. Multiple cutaneous miliary osteomas of the face: a case report. Surg Cosmet Dermatol 2012;4(4):360-3.

16. Burgdorf W, Nasemann T. Cutaneous osteomas: a clinical and histopathologic review. Arch Dermatol Res. 1977;260(2):121-35.

17. Wu M, Wang Y, Zhang D, Jia G, Bu W, Fang F, Zhao L. A case of giant primaryosteoma cutis successfully treated with tissue expansion and surgical excision. Indian J Dermatol Venereol. 2011;77(1):79-81.

18. Fazeli P, Harvell J, Jacobs MB. Osteoma cutis (cutaneous ossification). West J Med. 1999;171(4):243-45.


Licença Creative Commons All content the journal, except where identified, is under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International license - ISSN-e 1984-8773