Thais Feres Moreira Lima; Mariana das Neves Melo; Lisa Gava Baeninger; Antonio Gomes Neto; André Luiz Simião
Data de recebimento: 29/09/2020
Data de aprovação: 04/03/2021
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado no Hospital PUC Campinas (SP), Brasil
Nevo sebáceo de Jadassohn é um hamartoma congênito da pele que se localiza mais frequentemente em face e couro cabeludo. Uma pequena porcentagem desses tumores evolui para lesões malignas, dentre elas o carcinoma basocelular. Relata-se um caso de paciente idoso com nevo sebáceo desde a primeira infância, que evoluiu com transformação maligna da lesão para carcinoma basocelular. O tratamento realizado foi a excisão cirúrgica por meio da cirurgia micrográfica de Mohs.
Keywords: Nevo Sebáceo de Jadassohn; Carcinoma Basocelular; Cirurgia de Mohs
O nevo sebáceo é um tumor benigno da pele composto por inúmeras glândulas sebáceas malformadas, folículos pilosos degenerados e glândulas apócrinas ectópicas. Localiza-se principalmente em couro cabeludo e face. Dois terços das lesões estão presentes desde o nascimento e um terço se desenvolve na primeira infância.1 A complicação mais comum do nevo sebáceo é a transformação em outros tumores, benignos ou malignos. Dentre os malignos, o mais comum é o carcinoma basocelular, que se desenvolve em menos de 1% dos casos.2 Esse é um relato de caso de nevo sebáceo com transformação maligna para carcinoma basocelular, tratado por meio de cirurgia micrográfica de Mohs.
Paciente de 68 anos, sexo masculino, caucasiano, apresentando placa amarelo-acastanhada de cerca de 5cm no couro cabeludo, com aspecto verrucoso (Figura 1). O mesmo relata que possui a lesão desde a infância, mas refere que houve crescimento e mudança da textura da lesão ao longo dos anos. Por meio do exame dermatoscópico da lesão, observaram-se estruturas redondas e ovais amarelo-esbranquiçadas em pedras de calçamento (Figuras 2 e 3), presença de ninhos ovoides, esboço de imagem em folha de bordo e eritema difuso. Foi realizada biópsia incisional da lesão, guiada pela dermatoscopia, em três pontos por suspeita de malignidade.
No anatomopatológico, dois fragmentos foram compatíveis com carcinoma basocelular sólido expansivo e um com carcinoma basocelular sólido infiltrativo. Foi indicada a exérese da lesão por meio de cirurgia micrográfica de Mohs. As margens cirúrgicas do primeiro estágio foram consideradas livres de neoplasia, sendo nove fragmentos laterais e três profundos (Figuras 4 e 5). Optou-se pelo fechamento primário da lesão (Figura 6 e 7).
O nevo sebáceo, também conhecido como nevo sebáceo de Jadassohn e nevo organoide, é um hamartoma congênito da pele. Estima-se sua incidência em 0,3% dos nascidos vivos, sem predileção por sexo.1,2 Sua etiologia não é muito bem definida; alguns estudos recentes encontraram associação com uma mutação em mosaico nos genes HRAS e KRAS.3
O nevo sebáceo é um tumor benigno que inclui elementos sebáceos, foliculares e apócrinos. Ele é mais comumente localizado no couro cabeludo e na face. Na infância, apresenta-se como uma lesão plana de coloração amarelo-alaranjada que pode ser oval, redonda ou em placa linear. Quando no couro cabeludo, costuma estar associada à alopecia local. Na puberdade, sob influência hormonal, a lesão tende a desenvolver uma superfície verrucosa ou nodular. Observa-se também tendência à linearidade da mesma. Ao longo dos anos, algumas lesões podem evoluir com surgimento de tumores e/ou com malignização sob o nevo original.4 Crescimento rápido e ulceração da lesão podem ser indicativos disso.
Na histologia, a presença de folículos capilares imaturos é característica. Na infância, as glândulas sebáceas são poucas e subdesenvolvidas. Após a puberdade, observam-se acantose e papilomatose em graus variados, abundância de glândulas sebáceas hiperplásicas e, em várias lesões, são vistas glândulas apócrinas ectópicas.5 O diagnóstico é clínico-histopatológico.
A complicação mais comum do nevo sebáceo é a transformação em outros tumores, benignos ou malignos. Dentre os tumores benignos, os mais frequentes são o siringocistoadenoma papilífero e o tricoblastoma.4,5 Dentre os malignos, o mais comum associado ao nevo sebáceo é o carcinoma basocelular, sendo observado em menos de 1% dos casos.2 O risco de transformação maligna aumenta com a idade, mas existem relatos na literatura de casos em crianças.6 A etiologia do carcinoma basocelular em um nevo sebáceo ainda não está bem estabelecida. Estudos sugerem uma ligação com o papilomavírus humano (HPV). Esse vírus causaria uma modificação em proteínas celulares, alterando sua função e expressão.7 Outro fator de risco associado ao desenvolvimento de carcinoma basocelular em nevo organoide são fototipos claros (Fitzpatrick I e II).
O crescimento rápido da lesão e o surgimento de áreas de pigmentação ou de ulceração devem levantar a suspeita de transformação maligna. A maioria dos tumores malignos desenvolvidos a partir de um nevo sebáceo é pouco agressiva.8 Relatos de maior agressividade estão associados ao carcinoma escamoso.9
O tratamento definitivo do nevo sebáceo é a excisão cirúrgica. Alguns autores acreditam que a retirada da lesão ainda na infância é indicada, pois previne a transformação maligna da mesma.10 No entanto, em crianças, a cirurgia por vezes requer anestesia geral, que pode ter complicações importantes devido à faixa etária.11 Outros autores indicam observar a lesão periodicamente e indicar a cirurgia se houver suspeita de malignização ou por fins estéticos, após a puberdade.12 Lesões no couro cabeludo podem ser de difícil seguimento clínico devido à localização. Alternativas à cirurgia são a terapia fotodinâmica, a dermoabrasão e o laser.13 No entanto, esses tratamentos não removem completamente a lesão, e o risco de neoplasia secundária e recorrência permanece.
A cirurgia no couro cabeludo, independentemente da idade, é um desafio devido à superfície convexa do crânio, pela presença de pelos e pela frouxidão limitada do tecido. A cirurgia micrográfica de Mohs é uma técnica cirúrgica em que se realizam a remoção da lesão e a avaliação histológica concomitantemente.14 Os fragmentos são retirados e analisados. O encontro de células neoplásicas em qualquer fragmento leva a uma nova fase de ressecção até que as margens estejam livres. Dessa forma, é uma técnica que retira a menor quantidade de pele saudável possível, sendo uma ótima ferramenta para lesões no couro cabeludo.15 No caso relatado, foi possível o fechamento primário da lesão, com resultado esteticamente satisfatório (Figura 7). Apesar de o risco de malignização ser maior na idade adulta, acreditamos que o seguimento clínico rigoroso na infância e na adolescência e a excisão cirúrgica precoce sejam benéficos no manejo do nevo sebáceo.
Thais Feres Moreira Lima | 0000-0002-3170-9034
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Mariana das Neves Melo | 0000-0003-1746-9828
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Lisa Gava Baeninger | 0000-0002-3930-5827
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Antonio Gomes Neto | 0000-0003-2349-1351
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
André Luiz Simião | 0000-0002-0246-2001
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
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