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Relato de casos

Nevo sebáceo com transformação maligna tratado com cirurgia micrográfica de Mohs: relato de caso

Thais Feres Moreira Lima; Mariana das Neves Melo; Lisa Gava Baeninger; Antonio Gomes Neto; André Luiz Simião

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201243728

Data de recebimento: 29/09/2020
Data de aprovação: 04/03/2021
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado no Hospital PUC Campinas (SP), Brasil


Abstract

Nevo sebáceo de Jadassohn é um hamartoma congênito da pele que se localiza mais frequentemente em face e couro cabeludo. Uma pequena porcentagem desses tumores evolui para lesões malignas, dentre elas o carcinoma basocelular. Relata-se um caso de paciente idoso com nevo sebáceo desde a primeira infância, que evoluiu com transformação maligna da lesão para carcinoma basocelular. O tratamento realizado foi a excisão cirúrgica por meio da cirurgia micrográfica de Mohs.


Keywords: Nevo Sebáceo de Jadassohn; Carcinoma Basocelular; Cirurgia de Mohs


INTRODUÇÃO

O nevo sebáceo é um tumor benigno da pele composto por inúmeras glândulas sebáceas malformadas, folículos pilosos degenerados e glândulas apócrinas ectópicas. Localiza-se principalmente em couro cabeludo e face. Dois terços das lesões estão presentes desde o nascimento e um terço se desenvolve na primeira infância.1 A complicação mais comum do nevo sebáceo é a transformação em outros tumores, benignos ou malignos. Dentre os malignos, o mais comum é o carcinoma basocelular, que se desenvolve em menos de 1% dos casos.2 Esse é um relato de caso de nevo sebáceo com transformação maligna para carcinoma basocelular, tratado por meio de cirurgia micrográfica de Mohs.

 

RELATO DO CASO

Paciente de 68 anos, sexo masculino, caucasiano, apresentando placa amarelo-acastanhada de cerca de 5cm no couro cabeludo, com aspecto verrucoso (Figura 1). O mesmo relata que possui a lesão desde a infância, mas refere que houve crescimento e mudança da textura da lesão ao longo dos anos. Por meio do exame dermatoscópico da lesão, observaram-se estruturas redondas e ovais amarelo-esbranquiçadas em pedras de calçamento (Figuras 2 e 3), presença de ninhos ovoides, esboço de imagem em folha de bordo e eritema difuso. Foi realizada biópsia incisional da lesão, guiada pela dermatoscopia, em três pontos por suspeita de malignidade.

No anatomopatológico, dois fragmentos foram compatíveis com carcinoma basocelular sólido expansivo e um com carcinoma basocelular sólido infiltrativo. Foi indicada a exérese da lesão por meio de cirurgia micrográfica de Mohs. As margens cirúrgicas do primeiro estágio foram consideradas livres de neoplasia, sendo nove fragmentos laterais e três profundos (Figuras 4 e 5). Optou-se pelo fechamento primário da lesão (Figura 6 e 7).

 

DISCUSSÃO

O nevo sebáceo, também conhecido como nevo sebáceo de Jadassohn e nevo organoide, é um hamartoma congênito da pele. Estima-se sua incidência em 0,3% dos nascidos vivos, sem predileção por sexo.1,2 Sua etiologia não é muito bem definida; alguns estudos recentes encontraram associação com uma mutação em mosaico nos genes HRAS e KRAS.3

O nevo sebáceo é um tumor benigno que inclui elementos sebáceos, foliculares e apócrinos. Ele é mais comumente localizado no couro cabeludo e na face. Na infância, apresenta-se como uma lesão plana de coloração amarelo-alaranjada que pode ser oval, redonda ou em placa linear. Quando no couro cabeludo, costuma estar associada à alopecia local. Na puberdade, sob influência hormonal, a lesão tende a desenvolver uma superfície verrucosa ou nodular. Observa-se também tendência à linearidade da mesma. Ao longo dos anos, algumas lesões podem evoluir com surgimento de tumores e/ou com malignização sob o nevo original.4 Crescimento rápido e ulceração da lesão podem ser indicativos disso.

Na histologia, a presença de folículos capilares imaturos é característica. Na infância, as glândulas sebáceas são poucas e subdesenvolvidas. Após a puberdade, observam-se acantose e papilomatose em graus variados, abundância de glândulas sebáceas hiperplásicas e, em várias lesões, são vistas glândulas apócrinas ectópicas.5 O diagnóstico é clínico-histopatológico.

A complicação mais comum do nevo sebáceo é a transformação em outros tumores, benignos ou malignos. Dentre os tumores benignos, os mais frequentes são o siringocistoadenoma papilífero e o tricoblastoma.4,5 Dentre os malignos, o mais comum associado ao nevo sebáceo é o carcinoma basocelular, sendo observado em menos de 1% dos casos.2 O risco de transformação maligna aumenta com a idade, mas existem relatos na literatura de casos em crianças.6 A etiologia do carcinoma basocelular em um nevo sebáceo ainda não está bem estabelecida. Estudos sugerem uma ligação com o papilomavírus humano (HPV). Esse vírus causaria uma modificação em proteínas celulares, alterando sua função e expressão.7 Outro fator de risco associado ao desenvolvimento de carcinoma basocelular em nevo organoide são fototipos claros (Fitzpatrick I e II).

O crescimento rápido da lesão e o surgimento de áreas de pigmentação ou de ulceração devem levantar a suspeita de transformação maligna. A maioria dos tumores malignos desenvolvidos a partir de um nevo sebáceo é pouco agressiva.8 Relatos de maior agressividade estão associados ao carcinoma escamoso.9

O tratamento definitivo do nevo sebáceo é a excisão cirúrgica. Alguns autores acreditam que a retirada da lesão ainda na infância é indicada, pois previne a transformação maligna da mesma.10 No entanto, em crianças, a cirurgia por vezes requer anestesia geral, que pode ter complicações importantes devido à faixa etária.11 Outros autores indicam observar a lesão periodicamente e indicar a cirurgia se houver suspeita de malignização ou por fins estéticos, após a puberdade.12 Lesões no couro cabeludo podem ser de difícil seguimento clínico devido à localização. Alternativas à cirurgia são a terapia fotodinâmica, a dermoabrasão e o laser.13 No entanto, esses tratamentos não removem completamente a lesão, e o risco de neoplasia secundária e recorrência permanece.

A cirurgia no couro cabeludo, independentemente da idade, é um desafio devido à superfície convexa do crânio, pela presença de pelos e pela frouxidão limitada do tecido. A cirurgia micrográfica de Mohs é uma técnica cirúrgica em que se realizam a remoção da lesão e a avaliação histológica concomitantemente.14 Os fragmentos são retirados e analisados. O encontro de células neoplásicas em qualquer fragmento leva a uma nova fase de ressecção até que as margens estejam livres. Dessa forma, é uma técnica que retira a menor quantidade de pele saudável possível, sendo uma ótima ferramenta para lesões no couro cabeludo.15 No caso relatado, foi possível o fechamento primário da lesão, com resultado esteticamente satisfatório (Figura 7). Apesar de o risco de malignização ser maior na idade adulta, acreditamos que o seguimento clínico rigoroso na infância e na adolescência e a excisão cirúrgica precoce sejam benéficos no manejo do nevo sebáceo.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Thais Feres Moreira Lima | 0000-0002-3170-9034
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Mariana das Neves Melo | 0000-0003-1746-9828
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

Lisa Gava Baeninger | 0000-0002-3930-5827
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

Antonio Gomes Neto | 0000-0003-2349-1351
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

André Luiz Simião | 0000-0002-0246-2001
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

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5. Simi CM, Rajalakshmi T, Correa M. Clinicopathologic analysis of 21 cases of nevus sebaceus: a retrospective study. Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2008;74:625.

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