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Como eu faço ?

Nova proposta cirúrgica para reparação de lóbulo de orelha após o uso de alargador

Viviane Maria Maiolini1; Lissiê Lunardi Sbroglio1; Raphaella Barboza Marques1; Roberta Teixeira da Silva2; Marcella Leal Novello D’Elia1

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201243741

Data de recebimento: 24/10/2020
Data de aprovação: 09/02/2021
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ), Brasil


Abstract

As deformidades nos lóbulos das orelhas causadas por adornos e ornamentos são muito comuns. O uso de alargadores e piercings nessa topografia gera uma fenda parcial de grandes dimensões, além do alongamento, o que causa prejuízo estético e social quando no abandono de seu uso. Várias técnicas cirúrgicas já foram propostas para a correção de defeitos nos lóbulos das orelhas. Nesse relato de caso, foi descrita uma nova abordagem cirúrgica, simples, rápida e com resultado estético satisfatório nos casos de fenda parcial de grandes dimensões: a técnica em “L” adaptada


Keywords: Deformidades Adquiridas da Orelha; Orelha Externa; Procedimentos Cirúrgicos Otológicos; Procedimentos Cirúrgicos Ambulatoriais


INTRODUÇÃO

As deformidades adquiridas no lóbulo da orelha por uso de piercings, alargadores, traumas, cirurgias ou envelhecimento são muito mais frequentes do que as congênitas, que são vistas em 1:1500 nascimentos.1 Os defeitos adquiridos podem ser divididos em fenda parcial ou fenda total, quando ocorre a separação do lóbulo em duas ou três pontas. As correções da fenda total são divididas em dois grandes grupos: com ou sem a preservação do orifício do brinco, quando novo orifício pode ser feito após, pelo menos, seis meses de cicatrização.2

Existem diversas técnicas para redução e correção do lóbulo das orelhas, porém a maioria delas resulta em uma cicatriz na porção anterior ou inferior dos lóbulos.1 Historicamente, técnicas diversas foram propostas para a lobuloplastia auricular. Em 1925, a excisão simples em cunha para a redução do lóbulo da orelha foi introduzida pela primeira vez por Miller.3 Em 1954, McLaren sugeriu pequena escarificação das bordas da fenda e sutura simples das margens. Em 1961, Boo-chai4 propôs a excisão de parte das bordas da fenda e sutura abaixo do orifício original. Pardue, em 1973, elaborou a técnica de ressecção das bordas da fenda, deixando um pedaço de pele na porção superior de um dos lados para ser utilizado para constituir o orifício do lóbulo. Estas duas técnicas, apesar de tentarem manter o orifício, favorecem a formação de desnível na margem inferior do lóbulo.5

Em 1975, Hamilton e La Rossa descreveram uma técnica semelhante à de Pardue, associada a uma zetaplastia na tentativa de minimizar a formação do entalhe. Argamasso, em 1978, descreveu técnica semelhante que deixava pele intacta próxima ao orifício original e, em cada metade do lóbulo, criava dois retalhos triangulares para, depois, suturá-los.5,6 Já Harak, em 1982, propôs excisão de tecido na superfície anterior de uma das bordas, seguida da excisão de mesma quantidade de tecido na superfície posterior da outra borda. Esta técnica também não preserva o orifício do lóbulo.5 Kalimuthu et al. propuseram a técnica do retalho em “V”, em que se realiza a incisão em “V” na extremidade do lóbulo, seguindo-se a desepidermização na borda medial, e outra incisão em “V” na extremidade da borda lateral para que haja o encaixe após a sutura.7 Fatah,8 em 1985, e Fearon & Cuadros,9 em 1990, apresentaram a técnica do retalho em “L” que, novamente, não mantém o orifício do lóbulo.5 A princípio, as técnicas que não preservam o pertuito parecem mais seguras.2

Este relato traz a proposta de uma nova técnica cirúrgica de simples execução: a modalidade do retalho em “L” adaptada para a correção de lóbulos com grandes defeitos, como os causados pelo uso de alargador.

 

MÉTODOS

Trata-se de um relato de caso de paciente masculino de 38 anos de idade, sem comorbidades prévias. Referiu uso de alargador nos lóbulos das orelhas por cerca de dez anos. Decidiu abandonar o uso do ornamento e desejava corrigir o defeito por questões estéticas e de autoestima. Não havia interesse pelo uso de ornamentos novamente em curto prazo.

Após estudo do defeito, notou-se que o lóbulo apresentava um alongamento vertical, sendo necessária a redução dessa dimensão para um resultado mais estético (Figura 1).

Para a realização do procedimento, em nível ambulatorial, utilizou-se anestesia local com infiltração de lidocaína a 2% sem vasoconstritor nos lóbulos auriculares. Foi realizada incisão com lâmina de bisturi número 11, simultaneamente na parte anterior e posterior do lóbulo (Figura 2). A incisão foi de formato triangular ao redor do defeito causado pelo alargador, dividindo assim o lóbulo em duas metades (Figura 2). Em seguida, foi realizada a exérese de fragmento da borda inferior da metade proximal do lóbulo e a outra metade íntegra sofreu uma rotação de aproximadamente 90º para que se encaixasse corretamente no espaço deixado pela retirada do fragmento quadrangular (Figuras 2 e 3).

Foi realizada sutura com mononylon 5-0 (Figura 4). Utilizou-se para o curativo primário fita micropore aplicada diretamente na ferida e curativo secundário com gaze fixada com fita micropore para a troca.

 

RESULTADOS

O curativo primário permaneceu por sete dias. O paciente foi revisto no 14° dia e no 60° dia de pós-operatório (Figura 5). Como resultado final, notou-se encurtamento dos lóbulos comparativamente ao pré-operatório, pequena cicatriz central, ausência de desnível no local correspondente à sutura na região inferior do lóbulo, formato arredondado e aspecto final natural. O paciente mostrou-se satisfeito com o resultado.

 

DISCUSSÃO

O lóbulo da orelha constitui importante estrutura da face, sendo várias as causas e/ou alterações que exigem correção cirúrgica como tratamento. A lobuloplastia auricular é realizada na correção de fendas no lóbulo auricular, deformidades congênitas, envelhecimento, formação de queloides ou tumores auriculares.10 A taxa de satisfação relacionada aos resultados da lobuloplastia é de cerca de 92 a 100%.11,12 A boa vascularização local permite ao cirurgião maior liberdade na manipulação dos tecidos locais para confecção dos retalhos e imbricação dos mesmos, se necessário.13 A taxa de complicações pós-operatórias é baixa, cerca de 0 a 33,3%. As complicações relatadas foram cicatriz hipertrófica, cicatriz deprimida, cicatrizes largas, recorrência da fenda e infecções da ferida operatória.14,15

O uso de adornos e joias nessa topografia é tradicional através dos séculos e das culturas. Atualmente, essa tendência continua. Além disso, mostrou-se, por meio de estudo realizado, que indivíduos com defeitos nos lóbulos das orelhas devido a piercings são mais propensos a efeitos negativos de imagem. Esses achados corroboram a motivação dos pacientes em buscar correção para esses quadros.16 Consequentemente, há uma alta procura por tratamentos especializados para correção estética do lóbulo de orelha.5

Muitas técnicas já foram descritas, entre as quais sutura direta, zetaplastia, ritidoplastia com correção do lóbulo, retalhos em “V”, retalhos em “L” e outras que utilizam combinação de mais de uma técnica ou variação dessas, como no caso relatado acima, em que foi descrita a técnica em “L” adaptada.5

Para a escolha da melhor opção cirúrgica, deve-se considerar o tamanho do lóbulo e o tipo de fenda: - parcial, tipicamente bilateral e associada ao uso prolongado de adornos pesados, como no caso exposto; e - completa, geralmente unilateral e ocorre quando o adorno é puxado abruptamente.2,3 Frente às possibilidades cirúrgicas existentes, a escolha geralmente é pela técnica que deixará o lóbulo mais semelhante ao original, com forma arredondada e sem entalhes ou desníveis, e com o orifício, quando realizado, centralizado.2

No caso exposto, apresentamos uma técnica modificada para redução e remodelagem do lóbulo da orelha. Na L-plastia8, o lóbulo é dividido em duas metades por uma incisão em “L” realizada tanto na metade distal quanto na proximal. Já na técnica em “L” adaptada, o lóbulo foi dividido por uma incisão triangular ao redor do defeito, dividindo-o em duas metades. Realizou-se exérese de pequeno fragmento quadrangular da borda inferior da metade proximal do lóbulo e a outra metade manteve-se íntegra e foi tracionada para cima e para frente (Figura 2), resultando em encaixe no espaço deixado pela retirada do fragmento quadrangular. Essa manobra reduz a dimensão vertical do lóbulo previamente alongado.

Em conclusão, a técnica em “L” adaptada foi escolhida por ser simples, pelo tipo de fenda apresentado, alongamento vertical do lóbulo e menor chance de recidiva. Além disso, essa técnica proporciona correção rápida do defeito primário, com cicatrizes discretas e com alta probabilidade de satisfação do paciente.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Viviane Maria Maiolini | 0000-0001-5565-4886
Revisão crítica da literatura; coleta, análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito; preparação e redação do manuscrito; concepção e planejamento do estudo.

Lissiê Lunardi Sbroglio | 0000-0002-0888-9065
Revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; preparação e redação do manuscrito.

Raphaella Barboza Marques | 0000-0002-9281-2166
Revisão crítica da literatura; preparação e redação do manuscrito.

Roberta Teixeira da Silva | 0000-0002-1874-584X
Participação intelectual na gestão propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; concepção e planejamento do estudo.

Marcella Leal Novello D’Elia | 0000-0002-3575-5732
Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; coleta, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual no manejo propedêutico e/ou terapêutico dos casos estudados; revisão crítica do manuscrito; preparação e redação do manuscrito; concepção e planejamento do estudo.

 

REFERÊNCIAS

1. Tatar S, Sezgin B. Aesthetic earlobe reduction: a practical geometric modification with natural contour preservation. Facial Plast Surg 2019; 35:294-8.

2. Ribeiro AA, et al. Reparo do lóbulo da orelha partido: revisão da literatura e proposta de nova técnica. Surg Cosm Dermatol 2009;1(3):141-4.

3. Arasaratnam RBS, et al. Repair of large holes in stretched earlobes. Clin Otolaryngol. 2011;36:588-98.

4. Boo-Chai K. The cleft earlobe. Plast Reconstr Surg 1961;28:681-8.

5. Patrocínio LG, Morais RM, Pereira JE, Patrocínio JA. Earlobe cleft reconstructive surgery. Rev Bras Otorrinolaringol. 2006;72(4):447-51.

6. Venkatramani H. A new technique in closure of wide clefts of earlobule. Plast Reconstr Surg. 1999;104(1):296-7.

7. Kalimuthu R, Larson BJ, Lewis N. Earlobe repair: a new technique. J Dermatol Surg Oncol. 1982;8:187-91.

8. Fatah MF. L-plasty technique in the repair of split earlobe. Br J Plast Surg 1985;38:410-4.

9. Fearon J, Cuadros CL. Cleft earlobe repair. Ann Plast Surg. 1990;24(3):252-7.

10. Altıntaş A, Çelik M, Yeğin Y, Kayabaşoğlu G. Auricular lobuloplasty. Turk Arch Otorhinolaryngol 2017;55:172-6.

11. Miller TR, Eisbach KJ. Repair of enlarged pierced-ear openings. Ear Nose Throat J 2005;84:276-7.

12. Reiter D, Alford EL. Torn earlobe: a new approach to manage-ment with a review of 68 cases. Ann Otol Rhinol Laryngol 1994;103:879-84.

13. Pereira AA, Tien SLK, Silva GB, Bessa CMC, Awad M. Reconstrução de lóbulo após alargador de orelha. Rev. Bras. Cir. Plást. 2011;26(3):38.

14. Ribeiro AA, Lourenço L, Matsuda TMHB, Ferrari NM. Split earlobe repair: literature review and new technique proposal. Surg Cosmet Dermatol 2009;1:141-4.

15. Sharma R, Krishna S, Kumar S, Verma M. Rotation flap lobuloplasty: technique and experience with 24 partially torn earlobes. Int J Oral Maxillofac Surg 2014;43: 1206-10.

16. Fung N, et al. Stretched earlobe piercings negatively impact casual observer perceptions. Facial Plast Surg. 2019;35:299-305.


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